segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

A Vaquejada oferecida para o presidente Affonso Penna

Pedro Simões*

Escrevi, na semana passada, sobre a visita do presidente eleito, Affonso Penna, a Ceará-Mirim e citei uma vaquejada que foi oferecida em homenagem a ele. Hoje irei focar o tema nesta vaquejada, especialmente na perspectiva de Álvaro da Silveira, que apresentou matéria rica sobre o evento para a “Imprensa Official do Estado de Minas”. Dito isso, para conservar essa percepção do autor e deixar registrada a forma como o evento era realizado, a maior parte do texto será de transcrição.
Em caráter de resgate histórico e para fundamentar as descrições que logo mais se sucederá, segue abaixo transcrição de “Notas Sertanejas”, do jornal potiguar A Republica sobre a tradição da vaquejada aqui no estado, vista de uma forma generalizada.

“(...) As vaquejadas costumão ter lugar de maio até julho. Quasi todas as fazendas de alguma importancia fazem vaquejadas.
Um grande número de vaqueiros da visinhança, por vezes 50 e mais, reunem-se na fazenda onde a vaquejada deve ter lugar, e sahem, divididos em diversos pilotões , a bater os campos, marcando um ponto onde se devem todos reunir, com as rezes que houveram arrebanhado. Junta a grande manada, dirigem-se á fazenda, marchando o gado entre uma verdadeira escolta de cavalleiros: uns na testa da columna, fazendo guia e impedindo os arrancos para a frente; em cada flanco um cordão de vaqueiros para as rezes não se desviarem do caminho; atraz finalmente outro grupo, protegendo a retaguarda. “



Álvaro da Silveira, citado anteriormente, foi um jornalista mineiro que fazia parte da comitiva de Affonso Penna, em seu livro, Viagem pelo Brasil, de 1906, escreve o que parece ser o sentimento geral dos membros da comitiva em relação ao evento, que demonstra admiração pelos vaqueiros da época, tendo uma concepção de cavaleiros desbravadores de uma terra selvagem. Segue abaixo a transcrição.

“A cerca de 8 kilometros da cidade, começamos a avistar a torre branca da Matriz, situada no local da festa que em todos nós despertava extraordinária curiosidade. Nenhum de nós sabia o que era vaquejada; nenhum de nós imaginava ao menos o que iria representar esse vaqueiro cujas proezas já tantas vezes tínhamos ouvido narrar e cujos feitos de heroísmo despertavam geral admiração.”

Vale ressaltar, a fim de não causar confusão, que segundo o que é descrito por ele, a Câmara Municipal não ocupava o local que ocupava hoje, ficava no final da praça, na parte mais baixa, porém isolada de outras construções. Além disso, reitero, para os que não leram a publicação da semana passada ou não lembram muito bem, que o curral da vaquejada em questão estava localizado em uma das laterais da Matriz e a vaquejada em si, na praça em frente a Matriz. Abaixo, a descrição do local do evento feita pelo jornalista.

“Extenso largo em terreno com inclinação leve e uniforme, marginado de casas que eram as melhores da cidade; ao centro, uma linha de arvores bem copadas, indo desde a matriz, situada na parte superior, até quasi a Camara Municipal, que ficava no extremo inferior, ambos estes edifícios collocados isoladamente na praça e separados por uma distancia de 300 metros; centenas de pessoas espalhadas por toda essa area coberta de relva baixa, como um tapete verde que sobre ella tivesse sido estendido – eis o aspecto do local onde se realizaria a vaquejada.”

Abaixo ele descreve o evento em si, os louros da vitória dados aos que conseguem tombar as reses, a injúria sofrida pelos que não o fazem e os ferimentos sofridos pelos animais e vaqueiros.

“A 1 hora da tarde, cerca de 200 cavalleiros, formando um quadrado, em cujo centro ficavam as vaccas e os bois destinados ás corridas, puzeram-se em movimento, cantarolando canções sertanejas até o curral de paus roliços, onde metteram todo o gado que vinham conduzindo preso nas alas cerradas da cavallaria.
Ia começar o primeiro pareo.
Dous vaqueiros, de chapéo e roupa de couro avermelhado, montados em cavallos apparentemente franzinos, postaram-se emparelhados ao lado da tronqueira, na frente do curral.
Tiraram-se as varas horizontaes do tosco fecho de madeira roliça e appareceu uma vacca, que, espantada com a agglomeração de centenas de pessoas disparou em vertiginosa carreira pelo largo abaixo, entre as duas fileiras compactas formadas pela multidão desde o curral até á Camara Municipal.
Os dous vaqueiros partem immediatamente e, um de cada lado, tentam approximar-se da rez em disparada. Passam-se apenas alguns segundos e, então, quando é mais veloz o galopar dos animaes, um dos vaqueiros se aproxima ainda mais, pendido o corpo para o lado da rez, segura-lhe a cauda, que elle torce e enrola na mão, e, depois de um movimento rapido, em que apenas se percebe o cavalleiro ganhar um pouco mais de velocidade, deita por terra a sua victima que rola e cambalhoteia.
O cavallo estaca logo em seguida e a rez estirada no chão conserva-se immovel durante um certo tempo como que estonteada pelo medonho baque, tremendo e brutal.
Está terminada a primeira corrida, e feliz foi o vaqueiro que poude mais depressa fazer <<a saiada>>, isto é, enrolar na mão a cauda da rez perseguida e dar-lhe o tombo formidável; a este todas as ovações, todas as glorias da corrida. Entretanto, não fosse o seu companheiro fazer-lhe <<a esteira>>, isto é, conserva-se sempre do outro lado e junto á rez, ser-lhe-ia bem difícil ou talvez impossível dar o golpe em tão pouco tempo, conseguindo a queda do animal.
Dous outros vaqueiros collocaram-se ao lado da tronqueira; sahiu uma outra rez e a segunda corrida realizou-se.
Desta vez, porém uma nova sensação invadio aqueles, não habituados ao curioso espetáculo; foi uma sensação de horror: após a queda, a rez levantára-se apoiada apenas em três patas – uma das pernas pendia desgovernada, balançando-se horrível e vagarosamente na marcha penosa do pobre animal. Era um animal inutilisado,que logo depois seria morto e convenientemente aproveitado.
Sucederam-se novas corridas, repetindo-se ainda a triste scena dessa queda de <<quebrar a perna>> como a denominam; 5 rezes ficaram inutilisadas, de perna quebrada.
Algumas vezes, nenhum dos vaqueiros conseguia dar o tombo; si bem que fizessem o maior esforço para isso, a rez corria mais veloz que o cavallo ou então, mesmo quando um dos cavalleiros já havia segurado a cauda da rez, esta resistia heroicamente, e não cahia. Os espectadores mimoseavam os vaqueiros caiporas com alguns assobios e gritos que não eram propriamente de ovação, e os pobres sertanejos voltavam cabisbaixos, mostrando no seu desapontamento a magoa que lhes invadia a alma neste momento de sorte adversa.
A vaquejada correra sem desastre algum; o quebramento das pernas das desgraçadas rezes não entrava no rol das cousas tristes. Estas só appareciam si acontecesse, por exemplo, um facto bem commum nesses divertimentos – cahirem na disparada veloz, vaqueiro e cavallo, ficando ambos, não de perna quebrada como a rez que elles têm tantas derrubado, porém sim, reduzidos a meros montões cellulares onde há apenas carne morta e ossos esmigalhados.”

Vaquejada na rua da Corrida nos anos 80 em Espírito Santo/RN, mostrando uma situação semelhante a que Álvaro da Silveira descreveu em seu livro sobre a de Ceará-Mirim.

Por fim, fala da realidade do sertanejo e dos causos que ouviu falar da população.

“E nessa vaquejada, que se realisa em terreno limpo e escolhido, representam pallidamente o que se passa no sertão, em meio a catinga cheia de toda sorte de espinhos, alguns dos quaes, como os do chique-chique que mortalmente venenosos; cheia de accidentes, imprevistos, mil difficuldades, enfim, a vencer para que possam o vaqueiro e o seu <<cavallo de fabrica>> especialmente educado para isso, dar o tombo na rez, que é então amarrada com o laço trançado de couro e conduzida até o logar desejado.
Disse-me um caboclo: <<Quantas vezes um vaqueiro sáe de casa com dous olhos para campear, e volta depois apenas com um! Ainda ha poucos dias, F. foi correr uma rez e voltou para casa com um estrepe que lhe atravessou a cara de um lado a outro, passando por debaixo do nariz, varando o olho esquerdo e sahindo na sombrancelha. Outro dia tambem o filho do coronel B., correndo uma rez, cahiu com o cavallo... No dia seguinte foram encontrados mortos tanto o cavallo como o dono. E era moço distincto, casado, tendo uma popção de filhos ainda pequenos>>.
Em pouco tempo ouvi diversas narrações como essas, tristes é verdade, mas empolgantes e cheias de heroismo que bem define o valor desse brasileiro do sertão.”

Ao final da vaquejada, segundo matéria do Gazeta de Noticias, Affonso Penna teria dito a todos, em alto e bom som “Como eu me sinto orgulhoso de ir governar um povo como este!”.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

– C. V. A vaquejada. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, p. 2, 2 de jul. 1906.
– Neto H. Rua da Vaquejada, 2008. Disponível em: <https://jacunews.wordpress.com/2008/02/01/rua-da-vaquejada/>. Acesso em: 08 fev. 2018.
– Notas sertanejas. A Republica, Natal, p. 3, 11 de jun. 1890.
– SILVEIRA, A. A. da. Viagem pelo Brasil. Bello Horisonte: Imprensa Official do Estado de Minas, 1906.

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