sábado, 19 de setembro de 2009

TRIBUNA DO NORTE - I.N.R.G.

JORNAL DE WM

por Woden Madruga


Genealogia

Numa reunião realizada, ontem, na Academia Norte-rio-grandense de Letras, foi fundado o Instituto Norte-riograndense de Genealogia, uma ideia do pesquisador Ormuz Barbalho Simonetti, que ao final da sessão, foi eleito pelos outros genealogistas presidente da nova entidade.

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Genealogista e historiador sócio do IHGRN)

ormuzsimonetti@yahoo.com.br

PIPA, o Cruzeiro dos Pescadores

Ninguém sabe quem foi o artesão que esculpiu tão belo monumento. Só se sabe que é muito antigo, do tempo dos primeiros habitantes da Praia da Pipa. Dizem que foi o velho Manoel Hermógenes, um dos primeiros moradores, quem o doou à comunidade, provavelmente em pagamento de alguma graça por ele alcançada.

Não resta a menor dúvida que o Cruzeiro é uma obra feita por artesão com dons artísticos e conhecimento da arte barroca. Os entalhes feitos nas extremidades das peças que compõe a cruz revelam essa técnica. Como na região certamente não existia pessoas com essa qualificação, é provável que o seu construtor tenha vindo de outra localidade. Ou tenha sido orientado por alguém que tivesse esses conhecimentos.

O imponente Cruzeiro foi lavrado em pau d’Arco amarelo. Ainda se pode observar, mesmo gastos pela ação do tempo, seus belos entalhes. Segundo antigos moradores, quando o monumento se encontrava em sua primeira localização, bem próximo ao mar, existiam algumas peças ligadas a ele: um galo, um cálice e uma espada. No alto, preso a uma madeira, a inscrição INRI.

Hoje, nada mais resta desses antigos adornos. Perderam-se na sua primeira mudança, pela falta de cuidado, descaso, ou mesmo pelo abandono imposto ao velho Cruzeiro, após a construção da primeira igreja.

Conhecido como o Cruzeiro dos Pescadores, hoje esta fincado num pedestal de mármore branco, no alto do morro que forma a enseada da Pipa. Devido à sua localização privilegiada, ele pode ser apreciado, principalmente por quem está no mar.

Como na época não existia igreja, as missas eram rezadas aos pés desse Cruzeiro e atraía toda a comunidade. O padre, trazidos uma vez por ano ou em ocasiões muito especiais, viajando no lombo de animal, vinha das cidades de Goianinha, Ares ou Vila Flor. Nesses dias a comunidade aproveitava para realizar casamentos e batizados. Nas festas de fim de ano, eram realizadas manifestações religiosas, lapinhas, pastoris, dramas, etc.

Inicialmente o Cruzeiro era localizado na parte baixa da praia, em frente à casa de José Calar, que ficava próxima ao porto. Lá ele permaneceu por vários anos até que, com o avanço do mar, foi preciso transferi-lo para um local mais seguro. Foi então localizado em cima da falésia, onde já havia algumas casas e o mar não oferecia perigo.

O terreno para sua localização foi doado por Zé Inquim. O velho pescador tomou para si a responsabilidade na localização do Cruzeiro. Como morava em cima da falésia, doou parte do terreno de sua própria casa para que fosse construído um pedestal e nele, colocado o Cruzeiro. De sua nova localização no alto da falésia, podia ser visto de grandes distâncias, pelos pescadores, quando se aventuravam, mar afora, na sua constante luta pela sobrevivência.

Dizem até que servia para “marcar pesqueiros” em alto mar. Enquadravam o Cruzeiro e procuravam marcar algum ponto de referencia ao Norte ou ao Sul, e pronto! Ali estava marcado um bom pesqueiro que podia sempre retornar e ancorar seu bote no mesmo local.

O Cruzeiro permaneceu em cima da falésia até o ano de 1998. Com o desenvolvimento do lugar, muitas casas foram erguidas em seu redor, dificultando ou mesmo impedindo que fosse visto, principalmente por quem estava no mar. Por falta de maiores cuidados e manutenção, foi seriamente danificado. Além disso, o atual proprietário da casa de Zé Inquim, que se transformou em restaurante, resolveu aumentar um dos cômodos justamente para o lado onde ficava o Cruzeiro. Por isso, o monumento que já estava com sua estrutura bastante comprometida, foi desmontado. Permaneceu em um depósito por vários anos até que, por solicitação de alguns moradores da praia, foi resgatado pela fundação José Augusto que levou as peças para Natal. Tempos depois foi iniciada sua restauração.

Felizmente em setembro de 2008, para o regozijo da população da praia da Pipa, o Cruzeiro foi novamente erguido. Depois de recuperado, foi colocado em um pedestal construído em cima do morro que forma a ponta da Pipa e desta vez recebeu iluminação elétrica. Por ignorância ou mesmo falta de profissionalismo, mais uma vez as pessoas responsáveis pelo monumento, não tiveram o devido cuidado no manuseio com a mais antiga relíquia da comunidade. Sem a devida consulta à profissionais da área, foi feito um rasgo profundo no sentido dos braços da cruz, onde foram afixados diversos bocais para colocação das lâmpadas.

À noite, quando as lâmpadas acendiam obedecendo ao seu formato, propiciava uma visão maravilhosa. Parecia que estava solto na imensidão do céu. Infelizmente, mais uma vez o velho monumento voltou a ser agredido pelos vândalos que, sempre de prontidão, voltaram a atacar o velho Cruzeiro. A iluminação foi arrancada e já quebraram parte do pedestal numa demonstração de total falta de respeito a um monumento que há mais de dois séculos é venerado pelos fiéis.

Mesmo tendo sofrido todas essas agressões, o Cruzeiro continua lá no alto do morro ajudando a orienta os poucos pescadores, que ainda restam na Praia da Pipa, dando um norte a aqueles que regressam do mar para o aconchego da família, na segurança dos seus lares.