segunda-feira, 25 de maio de 2009

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS - MATÉRIA PUBLICADA NA TRIBUNA DO NORTE EM 24.05.2009

Pipa, os currais-de-peixe

Ormuz Barbalho Simonetti - (Genealogista e historiador)

O primeiro curral-de-peixe da Praia da Pipa foi construído no local denominado Praia do Canto e pertencia a Miguel Moreira. Mais na frente, havia outro curral que era de três donos: Manoel de Hemétério, Antônio Marcelino e Miguel. No Madeiro, pelo lado do Hotel Natureza, onde o mar é calmo, havia dois currais: o de João Pegado e o de Antônio Pegado. Em frente à “Pedra do Santo”, também existiu um curral que pertencia a Chico Marcelino, e no “Porto de Baixo”, outro de Manoel Castelo.

Em frente à casa de meu irmão, Dante Simonetti, tinha o curral de José Bidium. Em 1982 esse curral foi comprado por Dante e depois demolido. Pouco mais adiante, havia o curral de Manoel Estevão, onde ainda hoje é possível ver o local onde foram construídas as salas desse curral. Os dois últimos currais ficavam na Ponta do Moleque, um de Manoel Estevão e o outro de Antônio Pegado. A técnica na construção dessas armadilhas para a captura de peixes é lusitana.

Os nossos parentes de além mar, que tinham na pesca uma de suas principais atividades, já se utilizavam dessas armadilhas há varias gerações. Sua provável origem é no arquipélago dos Açores e a técnica foi aperfeiçoada pelos nossos irmãos lusitanos. São construídos, de preferência, em baías e enseadas onde as águas são rasas e tranquilas.Existem registros que no ano 1869 os imigrantes portugueses que se estabeleceram nas cidades cearenses de Acaraú e Camocim, percebendo o mar tranqüilo e a plataforma continental larga e baixa, introduziram naquela região a pesca de curral.

A construção dessas estruturas é feita de maneira que, por ocasião da baixa mar, não exista dificuldades em chegar até suas salas e chiqueiros, onde os peixes são aprisionados.No Brasil existem vários tipos de currais-de-peixes. Os construídos na praia da Pipa eram formados por uma espia, duas salas e dois chiqueiros. No final da espia localizam-se as salas, em seguida o chiqueiro grande e por último o chiqueirinho. As salas e chiqueiros são dependências circulares ou ovaladas onde os peixes são aprisionados.

O seu funcionamento é muito simples. Os peixes são obrigados a nadar para dentro de suas salas quando o seu percurso é interrompido pela espia. Ao penetrar no primeiro compartimento e contorná-lo procurando saída, é conduzido para o chiqueiro grande e em seguida para o chiqueirinho. Quando chegam nesse último compartimento, cessam todas as possibilidades de saída. Para a construção de um curral-de-peixe, inicialmente são afixados na praia, partindo da parte mais rasa da maré, mourões de madeira que são martelados até obter uma boa fixação. Após estarem bem firmes no solo, e obedecendo a uma distância de um a dois metros entre as peças, são colocadas as esteiras de varas.

Na construção de um curral de porte médio, eram utilizados de 400 a 600 mourões e, de uma extremidade a outra, chegava a medir até 100 metros. As esteiras eram previamente armadas na praia e as varas, conseguidas na própria região, que tinham altura que variava entre 2,0 e 2,50 metros. Essas varas eram ligadas umas nas outras com cintas de cipó vegetal, onde os mais utilizados eram o cipó-brocha e o cururú. Antigamente os cipós eram retirados das matas que existiam acima das falésias.

Com a escassez desse material, ocorrida na década de 80, o mesmo passou a ser trazido das matas do Engenho Cametá, que fica no município de Ares, e pertencia a Felipe Ferreira. As esteiras eram então amarradas com o mesmo cipó aos mourões, desde a primeira peça, até circular todas as salas e chiqueiros. Em cada entrada de salas, as varas eram dispostas de maneira a dificultar a saída do peixe, logo após sua entrada. É por ocasião das enchentes que geralmente ocorre à entrada dos peixes no curral.

Para a despesca, o indivíduo utiliza pequenas redes e puçás. Quando ocorre a entrada de algum peixe de maior tamanho, utilizam porretes de madeira para imobilizá-los e facilitar a sua retirada. Há casos em que o peixe capturado, por ser muito grande, é preciso desmontar parte da entrada dos chiqueiros para a sua retirada. A despesca ocorre duas vezes durante o dia, por ocasião da baixa-mar.Na nossa costa, os peixes mais comuns pescados em currais são: carapeba, camurim (robalo), espada, tainha, pirambú e xaréu.

Na Pipa, os maiores peixes capturados em currais foram: um mero, com mais de 100kg e dois camurupins, pesando 80kg cada. Contou João Peixinho, nativo da praia e pescador desde criança, que na década de 40, assistiu juntamente com seu pai e seu tio, a captura de um cardume com mais de 2000 xaréus, no curral da Praia do Canto. Devido à falta de comércio na Pipa para essa quantidade de peixes, o pescador conta que todo o cardume capturado foi enviado a Natal, em dois botes, abarrotados de peixes, onde havia maior possibilidade de comercialização.

Hoje não existe mais nenhum curral-de-peixes na praia da Pipa. O último foi o de Antônio Pequeno lá na Praia do Canto, contudo o mesmo foi demolido em 1998. O avanço do mar sobre a falésia, aliado a infiltração das águas de chuvas, facilitada pelo desmatamento da vegetação nativa para a construção de um hotel, vem provocando o constante desmoronamento dessas falésias. Isso facilitou a ação dos ventos sobre o curral, encarecendo sua manutenção. Cada ano que passa, o mar arranca mais um pedaço da falésia, deixando à mostra partes da mesma, prestes a cair. Expondo ao perigo todos os que por ali passam quando se dirigem a Praia dos Golfinhos. É visível e preocupante o avanço do mar em toda a costa potiguar.

Essa crônica faz parte do livro “A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS, a sua verdadeira história”. De autoria de Ormuz Barbalho Simonetti, tem publicação prevista para o ano de 2010. ormuzsimonetti@yahoo.com.br