segunda-feira, 31 de outubro de 2011

ACTA DIURNA




O GALO DA TORRE DE SANTO ANTONIO E SEU DOADOR
Luís da Câmara Cascudo


No alto da torre, em volta do poleiro de azulejos, roda e vento doce do galo de bronze secular. Pertence a fisionomia do bairro e possui sua história, relembrada pelos velhos moradores da rua Santo Antonio, ainda em recordação nas palestras sereneiras, noite de lua cheia.
Lourival Açucena dedicou-lhe versos. Creio que não são únicos. Datam de mais de sessenta anos. Vamos ressussitar os versos, que dedicavam os nossos natalenses de outrora.

Caetano da Silva Sanches,
Governador português,
Foi quem aqui colocou-me,
Há mais de um século talvez

Cocorocó! Vou cantando
A minha bela toada,
Louvando com outros galos
A serena madrugada!...

Por todos os quatro ventos
Me vereis sempre emproado. . .
Não tenho “Gogo” e meu canto
Solto bem atenoado!

Cá do alto lobrigado,
Traquinadas do demônio
Vos mandarei telegrama
Da torre de Santo Antonio!...


Esse versinho devem ser posteriores a 4 de agosto de 1878, dia em que se inaugurou em Natal o “telégrafo-elétrico”.
É esse Caetano da Silva Sanches? O “governador português” era natural de Cascais, em Portugal, filho do capitão Francisco da Silva Sanches e de D. Maria Joaquina Sanches. Fez vida militar e era sargento-mór, reformado do Regimento do Recife, ao ser nomeado Governador da Capitania do Rio Grande do Norte, em 12 de agosto de 1791. Efetivado no posto a 27 de março de 1797, ratificada a posse a 7 de fevereiro de 1798, tornou-se muito estimado em Natal.
Casara em Recife com D. Maria Francisca do Rosário Lages, filha do sargento-mór Francisco Gonçalves Lages. Teve dois filhos: Pedro morto ainda criança e Micaéla Joaquina Sanches que se casou com o capitão-mós Manoel Teixeira de Moura.
Quando Caetano da Silva Sanches chegou a Natal já a igreja de Santo Antonio existia. Em julho de 1763 menciona-se, em documentos, em documentos, a rua da Igreja de Santo Antonio. Na fachada principal, por cima da porta, há, muito apagada, a data de agosto de 1766.




O Capitão-mór era devoto de Santo Antonio, santo nacional português. Ajudou por todas as formas, a construção da Torre. Esta ficou terminada em janeiro de 1798.
Em 23 de agosto de 1799, Caetano da Silva Costa Sanches fez testamento. Era um homem robusto e ainda moço. Dele partira a idéia de mandar buscar um galo de bronze e presentear a Igreja, colocando n o cimo da torre, nova e bonita. É um costume europeu e rara é a igreja portuguesa, especialmente do interior, que não tenha o Galo, símbolo de vigilância e de fé, arauto da claridade, Gallo canente spesredit. . .
Havia uma lenda de que o capitão-mór falecera no dia da primeira missa na Igreja de Santo Antonio. Não é possível crer-se. A igreja estava entregue ao culto sagrado, vinte e oito anos antes de Caetano da Silva Sanches chegar a Natal.
No dia 14 de março de 1800 o Capitão-mór falecera de ataque apoplético, estrupor, como se dizia.




Sepultou-se na Matriz, vestindo o hábito de Santo que era o orago da Igreja onde doara o galo de bronze.
Em 1864, nasceram uns arbustos na cúpula da Torre. O Galo ficou cercado de vegetação. Parecia viver e abrir o bico, para o apelo metálico aos seus distantes companheiros de capoeira.
O tempo foi rolando sem maiores sucessos. Na noite de 6 de março de 1897, às oito e trinta e cinco minutos, uma faísca, com trovão atordoador, caiu sobre a Torre de Santo Antonio. O galo ferido pelo choque, ficou dependurado, até a madrugada de 21 de junho, quando despencou e bateu na calçada do templo.
Depois, desapareceu, esquecido, nos desvãos escusos e escuros da igreja. Em janeiro de 1917, um “constante leitor” da A REPÚBLICA lembrou-lhe o exílio e sugeriu descobrimento. Monsenhor Alfredo Pegado, então Governador Geral do Bispado, explicou ter encontrado o Galo, danificado e feio, e o mandou consertar.
E, aos quatro ventos do Setentrião do Brasil, voltou o Galo de bronze, cinco anos depois, desta vez, imóvel e grave, assistindo, do alto da Torre, a ronda melancólica dos anos. . .


República, 15 de outubro de 1939.


A reprodução desta crônica é feita com toda a fidelidade, inclusive
quanto a grafia da época.