terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Do livro “A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS”





OLHANDO ESTRELAS

Duas noites são teus lindos olhos, onde estrelas estão a brilhar, olho a noite só vejo estrelas, em seu olhar. Quero a noite dos teus lindos olhos, onde sempre existe luar, que ternura olhar mil estrelas, em seu olhar... (Roberto Carlos, 1969)







Todos os anos, por ocasião do feriado da Semana Santa, faço um pequeno turismo com minha família. Geralmente viagens curtas principalmente para os vizinhos estados da Paraíba, Pernambuco ou mesmo o Ceará. Em João Pessoa sempre me refugio no Hotel Tambaú. Apesar dos seus 39 anos de inauguração ainda é, em minha avaliação, de longe o mais aconchegante e bem situado hotel de toda a cidade.

Os estados de Pernambuco e Ceará, também fazem parte do meu pequeno roteiro turístico. Nunca me arrisco a ir muito longe, pois significaria a utilização de outro tipo de transporte mais rápido – no caso, o avião – e minha esposa tem um verdadeiro pavor a esse meio de transporte. As poucas vezes que cogitei fazer um percurso mais longo, para os estados de São Paulo ou Rio de Janeiro, onde morei por alguns anos na década de 70, já foi motivo para que ela passasse noites em claro, o que sempre culminou em minha desistência, para aliviar seu sofrimento. Ainda não me senti encorajado a enfrentar essas estradas por tão longo percurso. Quiçá quando a BR 101 estiver totalmente concluída – aumentarão as possibilidades, pois estamos em ano de eleições –, eu resolva me aventurar em uma viagem mais longa.

Na década de 70 costumava a passar esse feriado com a família na Praia da Pipa. De uns tempos para cá, houve um aumento significativo na procura de casas para alugar, nas ditas “casas dos veranistas”. Antigamente essa procura era suprida pelos nativos que moravam na rua de cima. Diante dessa demanda, alguns veranistas, enxergando um bom negócio, começaram a alugar suas casas, nos “feriadões”. O período do reveillon é o mais solicitado, depois vem o Carnaval, Semana Santa, Carnatal, e alguns feriados que propiciam o brasileiríssimo “imprensado”.


No início resisti um pouco a essa prática, pois não me sentia confortável a entregar minha casa a um bando de rapazes e moças que iriam utilizar aquele pedaço de minha intimidade, mesmo por um curto período, e que não havia sido projetado para essa finalidade.

Em dado momento, tive que aderir a tal prática do aluguel, pela total impossibilidade de usufruir a minha própria casa. Os vizinhos, ao alugarem as suas, provocavam involuntariamente essa situação. Os inquilinos temporários, geralmente pessoas de outros estados, estavam ali somente para se divertir, o que significava muita bebida, algazarra e o pior, o som de grande potência ligado dia e noite na maior altura.

Quando aconteciam esses aluguéis, o que primeiro chegava a casa era um caminhão trazendo toda uma parafernália de som dos mais modernos e mais estridentes. Parecia haver entre eles uma verdadeira competição de quem tocaria mais alto. No primeiro dia, todos participavam da farra. Do segundo dia em diante, para desespero da vizinhança, eles democraticamente se dividiam em duas turmas. Enquanto uns dormiam, os outros bebiam e se divertiam sem se esquecerem de manter o som ligado, na altura máxima.

Lá para a meia noite, quando essa turma ia perdendo força e começavam a se espichar em suas redes e colchonetes, era hora dos que dormiam começar a acordar. E assim passavam, para nosso desespero, até o último dia do feriado.
Este ano, eu resolvi inovar. Fui passar o feriado em minha chácara. Juntei todos os meus filhos, os genros, o neto, os cunhados e sobrinhos e fomos para o campo. Foram dias maravilhosos. Longe do agito e das aglomerações. Foi o local perfeito para curtir a família e reciclar um pouco nossas vidas como pessoas e como cristãos.
Fizemos de tudo um pouco, principalmente conversamos sobre nós e nossa família. Bons momentos para reflexão, pois evitamos ao máximo a famigerada presença da televisão, principalmente dos jornais televisivos, com suas costumeiras notícias de tragédias humanas, corrupção dos políticos, crimes de toda espécie, o constante avanço das drogas, a incapacidade do Estado de enfrentar os problemas etc. Vocês já observaram que esse tipo de noticiário ocupa 95% de todos os jornais televisivos?

A “contribuição desses jornais” é tanta, que a cada modalidade de crime que se pratica no Sul do país, ou fora dele, no mesmo dia e hora chegam aos lares de todos os brasileiros, em detalhes e com manual de instrução, para facilitar o aprendizado. A bandidagem interiorana acostumada a pequenos delitos, logo se aproveitam desses verdadeiros cursos à distância. Sem pedir licença, essas “prestações de serviços” entram em nossas casas, desde as maiores metrópoles até os mais longínquos rincões, instruindo e aperfeiçoando as técnicas de nossos bandidos tupiniquins.



Fugindo desse tipo de notícia, na sexta-feira à noite, resolvi ir até a beira da lagoa, completamente ausente de qualquer iluminação, um pouco distante da casa. Cheguei andando devagar para que a vista se acostumasse à ausência de luz. Deitei-me no píer e fiquei olhando para a imensidão do firmamento. Comecei a observar as estrelas. De repente, lá estavam o Cruzeiro do Sul, as Três Marias, a estrela Dalva –Vênus – a Via Láctea... Aquela visão me deixou em êxtase. Há quanto tempo não tinha aquele privilégio de olhar o céu apinhado de estrelas. Somente a escuridão da noite no campo nos propicia essa visão maravilhosa. Nesse ambiente, o céu não está ofuscado pelo lume das cidades, o que torna impossível a observação em toda sua plenitude.

Não pude evitar que me fossem chegando, devagar, as lembranças de minha infância. Divaguei por alguns instantes e as lembranças me remeteram a um tempo que já vai longe.

Na minha infância e adolescência, costumava passar as férias escolares do mês de julho na fazenda de meu pai, que ficava no município de Serrinha-RN.
Naquela época a fazenda ainda não tinha energia elétrica. A iluminação era à base de lamparinas, candeeiros e lampiões. Após o jantar, costumava ficar no alpendre ou mesmo no pátio em frente à casa grande, conversando com os primos que comigo partilhavam daquelas férias. As estrelas faziam parte das nossas observações noturnas. Gostávamos de observá-las, principalmente as cadentes, e até contá-las, disputando quem as via primeiro e em maior quantidade. Inocentes brincadeiras de criança.



Pois bem, nessa bendita noite de sexta-feira santa, à beira da lagoa, redescobri, maravilhado, que muitos prazeres da nossa vida podem estar escondidos no simples ato de, por exemplo, olhar estrelas no campo em meio a uma noite escura de verão.

Natal, de abril de 2010.