quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG, membro do IHGRN e da UBE-RN)
www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br

Pipa, os jogos de cartas (coisas daquele tempo).

Nas longas noites dos meses de janeiro, sempre estávamos descobrindo coisas para matar o tempo. Vez por outra organizávamos um jogo de cartas no alpendre da casa de alguém. Esses carteados eram bastante concorridos, pois o número de “perus” era bem maior que o de jogadores. Um dos jogos mais comuns entre nós eram o pif-paf e o poker, efêmeros, deixavam os que jogavam muito excitados. A peruada, sempre ficava de prontidão pra sacanear com os que perdiam. Os jogadores preocupavam-se por estar arriscando algum dinheiro e principalmente por temerem a gozação, caso alisasse - perder todo o dinheiro - o que sempre acontecia com alguém. No caso dos perus, durante as partidas ficavam de boca calada, sob pena de serem escorraçados do local ou até mesmo levar umas “bolachas” do perdedor inconformado.

O jogo dos adultos, que sempre acontecia na casa de tio Aguinaldo, também era muito movimentado. Este, por sua vez, tinha por característica, falar muito alto e ter razão em tudo. Aplicava a velha técnica conhecida por “ganhar no grito”. Quando Edinaldo, seu filho, estava presente à mesa, que tinha o mesmo temperamento e lições apreendidas com o pai, não havia a menor dúvida: o jogo terminaria em briga. A platéia se encarregava de atiçar. No outro dia, pazes feitas, começavam tudo novamente.

Participavam dessa mesa, o próprio tio Aguinaldo, Jaime Simonetti (Soberano), Georgenor Barbalho, João Primênio Simonetti, Dante Simonetti e muitos outros. Numa dessas noites também participou do jogo o Dr. Djalma Marinho. No Natal Clube que sempre freqüentava quando estava na terra, era tido como “doador de sangue” aquele que sempre perdia. Quando ganhava, o que era raro, gozava os adversários.

Tinha ido a Pipa a convite do meu pai, Arnaldo Simonetti, então sogro de seu filho Valério Marinho, passar um fim de semana na longínqua praia da Pipa naqueles anos 70 Nessa noite, a concorrência no “pano verde” era enorme. Todos queriam jogar com o visitante ilustre e o carteado estendeu-se madrugada adentro.

Do saudoso Djalma contam a seguinte história: Quando retornava para sua querida Natal nos intervalos de suas atividades em Brasília, onde exercia o mandato de deputado federal, gostava de uma partidinha de pif-paf no Natal Clube, ponto de encontro de políticos da época. Aproveito o ensejo para lembrar alguns dos seus amigos, freqüentadores assíduos daquela casa, que lá compareciam para jogar um carteado e também “traçar os destinos do nosso Estado”. O anfitrião era João Medeiros, proprietário do local. Freqüentavam também, Leonel Mesquita, o major Theodorico Bezerra, Luiz de Barros, Jesse Pinto Freire, João Aureliano (Coleguinha), Jarbas Bezerra, Roberto Freira, Sandoval Capistrano, Romildo Gurgel, Joca Melo e tantos outros. Além de se divertir no jogo, tinha a oportunidade de encontrar com amigos e correligionários.

Certa vez, num desses carteados que sempre rolava muito dinheiro, lá estava um costumado “peru”, do tipo extremamente nervoso. De pé, por trás da cadeira de Djalma, estava pondo a prova uma das principais características do velho parlamentar: a paciência. O jogo, embora entre amigos, era disputado sempre com gordas quantias em dinheiro. O “peru”, estrategicamente sentado por trás de sua cadeira, cada vez mais demonstrava toda sua inquietação e descontrole com o desenrolar das partidas, principalmente quando as apostas subiam e a mesa ficava repleta com fichas de alto valor. O experiente Djalma, querendo se livrar daquele incômodo encosto preparou-lhe uma surpresa.

Lá pelo meio de uma disputada partida, estava armado, ou seja, com dois jogos feitos e o terceiro faltando apenas uma carta para bater. Naquela ocasião, estava em jogo uma grande quantidade de dinheiro. As fichas se multiplicavam em cima da mesa e o “peru”, por conhecer o jogo de Djalma, suava em bicas. Quase perdendo o controle, com os olhos colados na mesa, aguardava a carta que dava a Dr. Djalma o direito a por a mão em toda aquela bolada. Nesse momento, o parceiro ao lado descarta justamente aquela que completaria seu jogo.

O silêncio era sepulcral! Ninguém ousava emitir nenhum ruído, pois outras pessoas que acompanhavam o jogo sabiam da situação privilegiada de Djalma. Então, aconteceu o que ninguém esperava. Com toda a calma que lhe era peculiar, não pega a carta que lhe daria a vitória naquela partida. Bem devagar, olhava por trás dos óculos para as cartas que tinha na mão e em seguida para o baralho, dando a impressão que não havia percebido a carta soltada pelo parceiro, o que provocava o “peru” que de respiração presa, esperando o grande desfecho. Em seguida vai ao baralho e, bem devagar, puxa uma carta que por sinal, não completou o par que tinha na mão.

Naquele momento regozija-se de toda aquela tormenta. Rejeitou ganhar a partida e todo aquele dinheiro, simplesmente para dar uma lição no inconveniente peru. Este por sua vez, não agüentou a pressão, caiu desmaiado. O chilique rendeu aos freqüentadores do Natal Clube, vários meses de total ausência daquele inconveniente peru. Depois do acontecido com toda calma explicou: perdi a parada mais me livrei do peru!

Houve época em que o jogo mais comum entre nós era o king. Esse jogo nos foi ensinado pelo saudoso João Primênio Simonetti, também mestre nas cartas e freqüentador do Natal Clube. Às vezes reunia os sobrinhos em sua casa para se divertir jogando o King ou mesmo um pif- paf.

Davi Simonetti ficou de tal maneira viciado nesse jogo que quando não arranjava parceiros, dispunha-se a fazer alguns agrados aos que concordassem em participar do jogo. Embora não fumasse, oferecia cigarros de graça para os que fumavam e até emprestava dinheiro aos que não tinham na ocasião, contanto que formasse uma mesa com os quatro participantes. Graças a Deus, esse “vício” ficou adormecido na Pipa daquela época.

Pipa, fevereiro de 2010.