segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

Caro primo Ormuz,

Sinto-me imensamente feliz ao ler com atenção as crônicas publicadas por você sobre a Pipa, flagrantes colhidos em seus veraneios, as peculiares viagens de ida e vinda, especialmente, dos muitos veranistas que marcaram aquele pequeno Torrão querido e seus freqüentadores e nativos, pelo amor, alegria e desconcentração, criando profundo elo de amizades naqueles tempos idos e vividos com muita intensidade até hoje.
Comecei a freqüentar a Pipa com um mês de vida. Foi a minha primeira viagem. Do Bemfica onde nasci, até lá, na diligência de vovô Odilon. Meus pais tinham aquele pequeno lugar como o paraíso de seus sonhos e de seu amor. O segmento da fantasia maior de suas vidas, de seus devaneios. Com eles e os demais familiares aprendemos a amar com indelével e intraduzível amor a Pipa, eterna em nossas vidas.
Segundo Fernando Sabino, “as nossas almas sempre pairam sobre os lugares onde um dia, fomos felizes”.
É assim que fica minha alma, quando os sonhos ou as lembranças evocam a praia onde tudo fala ao coração, pela expressão exuberante de suas belezas naturais, a calidez de suas águas cristalinas, o nascer do sol e da lua por traz do coqueiral do inesquecível Morro dos Amores, palco e testemunha das manifestações do amor de nossa juventude. Quem não se lembra do por do sol com a grandiosa visão dos barcos adentrando a boca da barra com suas velas brancas ao retornarem de suas heróicas pescarias em alto mar!
Trago a marca registrada na memória o encantamento que a Pipa proporciona aos corações enamorados, em suas noites de luar, embaladas pela harmonia entre o barulho das ondas e as melodias românticas que soam aos ouvidos com o selo da imortalidade.
Portanto, meu queridíssimo primo Ormuz, você me fez novamente passear pelo recanto da utopia que se chama Pipa, em suas páginas inspiradas e inspiradoras.
Colocou-me frente a muitos dos nossos familiares e amigos que, saudosamente, partiram para a eternidade e nos legaram muito do que somos e temos. Foi assim que ao falar de Cleto Gadelha, proporcionou a memória já um tanto adormecida pelo tempo, mergulhar fundo nos valores humanos e transcendentais desta pessoa ímpar que a genética tornou-me sua sobrinha, e a amizade, retidão de propósito, solidariedade, extremo amor e dedicação pela família, fez-me e a muitos seus admiradores. Amava estes momentos de veraneios, que eram e são grandes encontros, de forma total, profunda, contagiando pela sua alegria, especialmente, quando de promissoras pescarias e caçadas, sempre comemoradas com várias “lapadas”, regadas de apetitosos tira-gostos. Ele por assim dizer, trazia a Pipa submersa no íntimo do seu ser total, não cabendo em seu pensar, lugar melhor que não se chamasse Pipa, festejos e veraneios, comparáveis com os vivenciados lá. E de lá só saiu para experimentar os semelhantes valores nos páramos celestiais.
Que saudades!
Evilásio de Souza Lima, grande amigo, também lembrado por você, sem o qual não se reconstrói as memórias da Pipa “in totum”.
E agora me vem à memória Tio Luiz Grilo com sua alegria e seu anedotário e a forma peculiar e extrovertida da sua narração, sempre batendo as pernas, e, rindo bem antes da conclusão dos fatos. Ele também como Neném, Maria Gadelha, emolduram o quadro da Pipa, que hoje, você Ormuz, dá novo tom em seus escritos.
E para mostrar com clareza a Pipa ontem, você trouxe às suas páginas, a figura do meu Pai, Venício, que se preocupava com o conserto de todos os lampiões de gás, daquele pequeno recôndito, iluminando as suas saudosas noites escuras. Esta era sua missão maior: iluminar. Não só simbolicamente com as luzes dos lampiões de gás, mas com a alegria que lhe era tão peculiar, a intrínseca e obcecada amizade aos seus, tanto familiares, quanto amigos, a pronta solidariedade, a firmeza de caráter, de valores morais e de fé, adjetivos que lhe imortalizou em meu coração e na minha alma. A saudade do meu Pai é companheira compreensível, em todos os instantes do meu viver. Em tudo o que faço e que sou, há um muito dele.
É, Ormuz, você me levou ao misterioso mundo das lágrimas, pelas muitas lembranças trazidas à tona, no precioso compêndio que há de concluir, com a destreza que lhe é tão própria, afim de que muitos como eu, possam fazer a viagem de volta ao tempo e se identificar com a saudade gostosa dos momentos que experimentamos com muita propriedade no aconchego familiar a felicidade, na Pipa encantada dos seus contos, com a especial bênção do seu padroeiro, São Sebastião.

Natal, 10 de outubro de 2009.
VENEIDE BARBALHO DE MEDEIROS