segunda-feira, 8 de julho de 2013

ANTIGOS BLOCOS CARNAVALESCOS – Parte VI - VIVA O REI TATU


Foi no início dos anos 60 a época em que eram realizados os famosos “assaltos” na casa de Tatu, ou melhor, Mister Tátus, como Jorge Moura um dos integrantes da velha guarda do Lord’s gostava de reverenciá-lo, quando o visitava para combinar o dia do “assalto”, tratamento pomposo que o deixava extremamente envaidecido.

Tatu era uma pessoa muito conhecida no populoso bairro do Alecrim, principalmente na Rua Ary Parreiras, onde residia. Nunca eu soube do seu verdadeiro nome, pois todos só o chamavam pelo cognome. Entretanto, lembro-me bem de sua figura singular: moreno, baixo, gordo, olhos amendoados - daí seu apelido – e sempre risonho o que deixava os seus miúdos olhos praticamente fechados. Gostava de ostentava em torno de seu diminuto pescoço, uma grossa corrente de ouro que pendia por cima de sua farta barriga. Comerciante bem sucedido no ramo de “empréstimos a particulares”, modalidade atualmente muito utilizada por diversas casas bancárias e assemelhadas, que nos dias de hoje recebe o faustoso nome de factoring.

 Sua área de atuação era no bairro do Alecrim e tinha como seu principal reduto o entorno da Vila Naval. A marujada e os militares de menor patente constituíam os seus melhores fregueses, não obstante haver em sua organizada “carteira de clientes”, também alguns membros do oficialato. Não se sabe como, corria a boca pequena, que os juros advindos dos empréstimos concedidos aos militares, já vinham devidamente descontados em seus soldos, o que fazia suas operações financeiras com os militares, altamente seguras.   

Com essa bem sucedida atividade, o inesquecível Tatu ganhou fama e fortuna, motivo porque os “assaltos” em sua residência, sempre estiveram entre os melhores. Em todos os carnavais, invariavelmente, alguns privilegiados blocos de elite, que raramente se deslocavam até o distante bairro do Alecrim, desfrutavam desse privilégio. Recebia também em sua casa, com o mesmo espírito altaneiro e democrático, alguns blocos do próprio bairro compostos por troças, tribos de índios e até mesmo blocos de papangus, desde que devidamente organizados.

Quando o bloco surgia na Rua Ary Parreiras, lá estava Tatu de braços para o alto ostentando orgulhoso um copo de uísque na mão; sabia-se, porém, na maioria das vezes contendo apenas gelo e água. Em frente de sua casa e já rodeados de amigos e curiosos, Tatu recebia com desvelo quase paternal e largo sorriso no rosto bochechudo, os foliões que o saudavam com o grito de guerra: viva o rei Tatu!

Litros de Uisque Old Eight, Druriys, Vat 69, e Passeport do legitimo, pois, ainda não funcionava a famosa “fábrica no bairro de Igapó”, cervejas Brahama e Antártica - as únicas existentes na cidade -, além do rum Merino e aguardente Pitú, eram franqueados sem limites, tanto aos foliões, como aos amigos do anfitrião, que nessas ocasiões lotavam sua residência.

O horário do “assalto” era escolhido propositalmente próximo à hora do almoço, o que garantia aos foliões no final da tarde a participação no “corso” bem alimentados e com disposição para os bailes noturnos que aconteciam nas sedes sociais do América F.C. e no Aero Clube de Natal, com algumas escapadas para a ASSEN – Associação de Sargentos e Subtenentes de Natal. O tira-gosto à base de sarapatel, buchada de bode, panelada, feijão verde e assemelhados, eram servidos tanto aos foliões como também as convidados.

O assédio dos blocos à casa de Tatu era tanto, que não raro, por ocasião do “assalto”, percebíamos nas proximidades, outros blocos esperando sua vez de participar do deleitoso convívio residencial do alegre e bondoso Mister Tátus.

Entretanto, como tudo que é bom dura pouco, seu reinado começou a desmoronar após a revolução de 1964, quando foi perseguido pelos militares que consideraram ilegal sua “atividade empresarial.”. Uma das razões alegadas é que sua factoring cobrava extorsivos juros de até 10% a.m. Fico imaginando o que diriam esses revolucionários militares, se em seus mais tresloucados devaneios pudessem imaginar, que décadas depois, bancos e algumas operadoras de Cartões de Crédito chegaram a cobrar aos seus indefesos usuários, até 25% de juros a.m., e pasmem, tudo rigorosamente dentro da lei.

Aproveitando-se dessa inesperada e confortável situação, vários de seus fieis e cativos clientes, recusaram-se a liquidar suas dívidas o que tempos depois terminou por provocar, inevitavelmente a falência de sua atividade. Desaparecendo para sempre dos antigos carnavais, uma das figuras mais emblemáticas no patrocínio de “assaltos”, aos blocos carnavalescos de nossa Cidade.