sexta-feira, 3 de junho de 2011

COISAS DE NOSSA TERRA

DE VOLTA AO PASSADO II -VENDEDORES AMBULANTES

Nas minhas recordações da Av. Deodoro, lembro também dos vendedores ambulantes, muito comuns naquela época. Subindo a rua com seu andar vagaroso, lá vinha o verdureiro. Após se abastecer de frutas e verduras no velho mercado municipal que ficava na Av. Rio Branco onde hoje se localiza o Banco do Brasil, passava bem cedinho em frente às nossas casas. Sempre usando um chapéu de palha para se proteger do sol, andar ritimado como quem dança um xote, anunciava em voz dolente: verdureeeeiroo! Frutas e verduras fresquiiiinhas! Os produtos eram dispostos em três balaios que presos uns aos outros por varas, formavam uma espécie de prateleira. Os dois conjuntos de três cestos eram atrelados a uma madeira roliça, conhecida como calão, que o vendedor conduzia nos ombros. No primeiro cesto e consequentemente o maior de todos, eram arrumadas as mercadorias de maior porte como: Jerimum, mandioca, batata doce, inhame, banana, melancia, mamão e outras frutas, dependendo da sazonalidade.



Acima dele, num cesto de menor tamanho vinham os tomates, pimentões, molhos de feijão verde (ainda não se usava vender o feijão já debulhado e acondicionado em sacos plásticos), cebolas, batata inglesa etc. Por último, ficava o menor de todos, que se destinava ao chamado “tempero verde”. Nele eram colocadas as folhagens: couve, alface, cebolinha, coentro, etc. Também expunham penduradas as varas que uniam os cestos, belas tranças de alho, que era mercadoria de maior valor. Trazia ainda, se por encomenda, diversas raízes, ervas aromáticas e medicinais tais como: manjericão, erva doce, louro, hortelã pimenta, colorau, cravo da Índia, canela, pimenta do reino, cominho, gengibre etc.

















As varas que prendiam os cestos partiam 10 centímetros abaixo do balaio maior, para impedir que o mesmo, quando retirado do ombro do verdureiro para servir a clientela, não tocasse no solo, preservando assim a qualidade dos alimentos, principalmente nas épocas chuvosas. O peso desse conjunto era distribuído proporcionalmente, de maneira a facilitar ao condutor o transporte da carga. Essa antiga maneira de carregar mercadorias que tem sua origem na China deve ter chegado ao Brasil trazido pelos colonizadores portugueses que mantinham diversas colônias no continente asiático.
Outros vendedores também desfilavam por aquelas ruas anunciando seus produtos. Gritavam a todos os pulmões, não obstante o grande esforço que fazia para dar um tom melódico a sua voz, prática comum aos vendedores ambulantes.



Cedo do dia, estrategicamente antes do café da manhã, e no fim da tarde, ouvíamos o vendedor de cuscuz que gritava: “cuscuz da mata bem fresquiiiiinho!” vamos Dona, compre um cuscuizinho pra comer com um café quentinho!!! Como se não bastasse todo esse anuncio, no intuito de despertar ainda mais a atenção das donas de casa, também batia com a espátula que usava para retirar o cuscuz, na perna do tabuleiro, provocando um barulho característico, aumentando ainda mais o poder de chamar a atenção dos possíveis compradores.

Por ali também passava uma senhora que, com voz trêmula e cansada, anunciava: “Carimãããããã novinha, vai passando a carimã!!”. Produto extraído a partir da raiz da mandioca que, após processo de fermentação, é utilizada para fazer bolos e biscoitos. Também é conhecida como puba ou mandioca mole.
Lembro bem da vendedora, uma senhora baixinha e carrancuda, que parecia ter uns 65 anos de idade. Tinha cabelos brancos prateados que após enrolados eram presos para trás e terminava num bem elaborado coque, que juntamente com a rodilha, dava apoio para o caixote onde trazia bem acondicionado, o seu produto. O caixote, coberto com um pano muito alvo, era equilibrado com muita habilidade em sua cabeça. Sua voz arrastada e seu semblante marcado com rugas do tempo denotavam cansaço.












Essa vendedora sempre andava com um porrete de madeira à mão. Pela idade avançada, o bastão lhe servia de bengala em suas caminhadas. Tinha também a função de se defender dos cães vadios que perambulavam pelas ruas a procura de alimentos nas latas de lixo. Porém, sua principal utilidade era “ameaçar” os garotos, que traquinos, sempre mexiam com a pobre senhora. Escondidos atrás dos pés de ficus esperavam sua passagem. Quando ela anunciava aos berros: “carimããããããñnnn, vai passando a carimãaaaannn!!” logo ouvia-se alguém gritar: A CARIMÃ ESTÁ PODRE!! Aí o tempo fechava. Disparava uma série de palavrões sempre dando maior ênfase, aqueles que atingiam a genitora do dono da voz, que oculto se divertia com o desfile das mais obscenas palavras, que ela guardava justamente para essas ocasiões. Se conseguisse ver o garoto, ameaçava alcançá-lo para lhe aplicar um corretivo. Mas a ameaça ficava apenas nos palavrões, pois sabia nunca conseguiria alcançá-lo, e resignada, seguia seu caminho, anunciando sua mercadoria.

Na esquina da Av. Deodoro com a Rua Ulisses Caldas, onde ainda hoje existe o Colégio da Imaculada Conceição, era “ponto comercial” de um vendedor de “poli”, uma espécie de picolé dos anos 60, muito apreciado naquela época. Há quem defenda que o nome “poli” teve sua origem nesse tal picolé que era vendido em frente ao cine Polytheama, que ficava na rua Chile, no Bairro da Ribeira, e foi o primeiro cinema de Natal. Daí a origem do nome, que por sinal só era conhecido em nossa cidade. O cinema foi inaugurado no dia 8 de dezembro de 1912, e seu proprietário era Petronilo Gomes de Paiva. O “poli” popularizou-se através de algumas pessoas que possuíam geladeira, não raro, também, o produziam tanto para consumo como também para venda. Eram conhecidos como “poli de caçamba” ou “poli de geladeira”. Ainda recordo as placas de madeira tosca que eram exibidas na frente de algumas casas com a inscrição: ”VENDE-SE POLI”















O tal vendedor era conhecido pelo carinhoso apelido de Prego. Nunca soubemos o seu verdadeiro nome. Tratava-se de um homem moreno, alto e magro, de meia idade. Tinha como atrativo para vender seu produto, uma enorme língua que apertava entre as gengivas, já que era desprovido de todos os dentes, ao tempo que fazia uma assustadora careta causando risos incontroláveis aos passantes.
Nessa mesma esquina, sem que houvesse concorrência ou disputa, também podiam ser encontrados vendedores de pitombas, roletes de cana-caiana, alfenim, e às vezes até o vendedor de cavaco chinês, acostumado a percorrer grandes distâncias no bom desempenho de seu ofício, ali se demorava um pouco por ocasião do término das aulas.

As crianças de hoje não puderam vivenciar todas essas passagens, exceto ao não menos famoso cavaco chinês que ainda hoje ouvimos o tilintar do seu triangulo e que permanece fazendo a alegria, tanto para as crianças, quanto para os pais que, revigorados, fazem uma viagem de volta ao passado.