sexta-feira, 16 de março de 2012

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA . . .





O ditado é antigo, embora muitos ainda insistam em não levá-lo a sério e paguem caro por isso. Nesse caso específico, quem está pagando mais uma vez somos nós, indefesos contribuintes. Há anos que assistimos o nosso dinheiro ser literalmente jogado no mar. Na melhor das hipóteses, por incompetência dos nossos administradores ou, propositalmente, para que os serviços “ rendam um pouco mais”.
Embora não tenha formação em Engenharia, basta ser bom observador para constatar que os muros de arrimo construídos nas praias de nossa capital, com o intuito de proteger os calçadões contra a força das vagas nas grandes marés, não irão funcionar a contento, pois lhes falta um importante complemento para evitar um impacto das ondas diretamente no muro de arrimo.
O pouco espaço existente entre a preamar e os calçadões de nossas praias elimina qualquer possibilidade de construção de um “dissipador de energia” – bastante utilizado em outros Estados e com bons resultados, desde que exista espaço suficiente para sua edificação.
A construção do muro de arrimo poderá surtir efeito desejado, desde que seja complementada com a técnica do sistema de gabião, a exemplo do que vem sendo largamente utilizado nas casas de veraneio na Praia da Pipa, com excelentes resultados até os dias de hoje.
A complementação ao muro de arrimo ao sistema gabião – estruturas armadas, flexíveis, drenantes de grande durabilidade e resistência – as quais teriam entre 1,5 e 2 metros de largura, eliminaria definitivamente a destruição desses calçadões. Nos gabiões tradicionais são utilizadas telas de ferro galvanizado para acomodar as pedras, porém, nesse caso, por tratar-se de beira de praia, eles seriam construídos com toras de madeira de lei fixadas no solo e traspassadas horizontalmente com a mesma madeira, de menor espessura, ponteadas com varões de aço inoxidável, que têm grande durabilidade.
Essa grande “caixa de pedras” teria a função de amortecer o impacto das ondas, mesmo as de maior intensidade que, ao se chocarem com a caixa, apenas movimentariam pedras soltas que logo se acomodariam, evitando, assim, qualquer impacto direto no muro principal. Além disso, ainda teria a função de passeio, pois bastaria cobri-la com tábuas de assoalho em toda a largura e extensão, para aumentar o calçadão original.
Sabemos, por experiência própria, que o principal causador da destruição desses muros de arrimo feitos para conter a força das águas é, sem dúvidas, o seu próprio peso. No instante em que surge a primeira fissura ocasionada pelo impacto incessante das ondas, é exatamente o peso dessas estruturas que, convergindo para o mesmo ponto, contribui e apressa o desmoronamento da mesma.
Há vários anos, na Praia da Pipa, onde tenho uma casa de veraneio que é constantemente assolada pelas ondas por ocasião da preamar, fui responsável pela construção de pelo menos meia dúzia desses gabiões, inclusive o de minha casa. Alguns deles já contam mais de 15 anos. Até hoje, continuam exercendo sua função de conter a força das ondas, principalmente nas grandes marés, sem que estas tenham causado o menor dano às estruturas protegidas.
Certa vez, um grande navio encalhou próximo à Praia da Redinha, quando tentava manobra naquelas águas. Por várias semanas, rebocadores tentaram desencalhá-lo, porém, sem sucesso. Técnicos vindos da Alemanha, contratados pela empresa proprietária do navio, também estiveram no local e, entretanto, não conseguiram desencalhar a nave, que permanecia abatida, presa nas traiçoeiras areias submersas da Praia da Redinha. Na beira mar, um velho pescador,
sentado em um tronco de coqueiro, observava toda aquela movimentação. Pitando um cigarro de fumo de rolo, consertava sua rede de pesca. Suas mãos enrugadas trabalhavam com impressionante agilidade, enquanto seus olhos permaneciam fixos na embarcação encalhada. Em dado momento, comentou com um companheiro: “sei como desencalhar aquele navio”. A notícia chegou aos ouvidos do comandante da operação que, apesar de incrédulo, mandou chamar o “velho lobo do mar” para ouvir suas explicações. Este, numa simplicidade quase ingênua, disse: “Doutor, comece a esvaziar os tanques lastros – compartimentos especiais dos navios que se enchem de água para lastrear a embarcação quando sua carga é muito leve –, que quando a maré tiver na preamar, os rebocadores conseguem puxar o navio”. Na madrugada daquele mesmo dia, o navio foi desencalhado sem maiores problemas. Portanto, na maioria das vezes, as soluções estão nas coisas mais simples e baratas. Basta ouvir um pouco a população e tirar proveito de suas experiências.

Natal, março de 2012.

quinta-feira, 1 de março de 2012

CARTA AO AMIGO – NOTÍCIAS DA PIPA (Segunda parte)

Praia da Pipa - RN

Cheguei a Praia da Pipa, no dia 1 de janeiro, para iniciar o meu sexagésimo primeiro veraneio. Alguns veranistas aqui já se encontravam, pois vieram passar a virada do ano. Todos os finais de ano, jovens de vários Estados da federação e também de outros países, aqui aportam para passar o réveillon, o que transforma a praia num verdadeiro formigueiro humano. Quando os últimos minutos em que o ano velho agoniza, milhares de pessoas acorrem à beira da praia, para ver o espetáculo da queima de fogos. Essa grande concentração humana cria uma visão telúrica quando é iluminada pelo lume vindo dos fogos de artifício, disparados de cima do Morro de Vicência Castelo, ao tempo em que cria uma visão de rara beleza cênica.

Quando retornava da caminhada comecei a avaliar o que havia sido o meu veraneio até aquele dia. Nesses últimos 24 dias, consegui ler dois livros: um romance e outro de memórias. Fiz também inúmeras fotos de diversos locais da praia, destinadas à ilustração do livro sobre a Pipa.

Quando passava pela Praia do Porto, já alcançando as primeiras casas da Praia do Centro, observei a casa do saudoso Maurínio Sena. Depois que ele nos deixou, pouca coisa foi feita naquele velho casarão de tantas lembranças, e que na década de 70 pertenceu ao mestre carpina Francisquinho.


Casa de Maurínio Sena

Continuei minha caminhada e, em frente à Pedra do Santo, como a maré estava bem seca, pouca água havia em seu redor. Ao me aproximar, pude verificar restos de antigos pedestais tombados em épocas passadas e que repousavam submersos nas águas que, de tão transparentes, possibilitava vê-los em detalhes. Esses pedestais abrigavam no seu cimo a imagem de São Sebastião, que é padroeiro do Rio de Janeiro, sua cidade, e também de nossa pequena comunidade. Foram derrubados pelas violentas marés de janeiro. Sempre que ocorre a queda desses pedestais, outro é erguido em seu lugar e a imagem do Santo padroeiro retorna impávido ao seu lugar de origem. Em 2004, pagando promessa, tive a oportunidade de erguer um desses pedestais. Este se manteve até o ano passado.




Restos da casa de Odilon Barbalho

Desse mesmo local, olhando no sentido das casas, a imaginação me levou aos anos passados de minha infância. Pude ”ver”, com os olhos da memória, a casa de meu avô Odilon Barbalho, tal qual era naquela época. Restos da velha construção ainda permaneciam espalhados e meio encobertos pela areia da praia, dando testemunho de que um dia, naquele local, existiu uma das casas mais alegres que conheci. No alpendre apoiado por esteios de pau ferro, as redes armadas balançavam ao sabor do vento. Lá estavam algumas peças de roupa estendidas que tremulavam sem parar, presas em uma corda de agave (sisal) que traspassava de um esteio a outro. Quase cheguei a “ouvir” pessoas conversando alegremente naquele alpendre dos meus devaneios.






















Pousada localizada no antigo quintal da casa de Odilon Barbalho


Segui em frente. Observei casas de antigos veranistas, hoje transformadas em
restaurantes e hotéis. Esqueci um pouco o passado e cheguei à casa do meu irmão Dante Simonetti. Como de costume, subi até seu alpendre e aceitei, de bom grado, uma cerveja bem gelada, gentilmente oferecida por sua esposa e minha prima, Azelma Barbalho.


































Antiga casa de Célio Carvalho



Do seu alpendre, pude ver algumas casas de finados veranistas, atualmente ocupadas por seus descendentes, o que antigamente, em nossa família, era um processo natural – de pai para filhos. Porém, hoje, são exceções. Eles apenas têm conseguido, até então, resistir às ofertas tentadoras trazidas pela especulação imobiliária dos últimos tempos.




Antiga casa de Hilton Lisboa



Antiga casa de Felipe Ferreira




Atual casa de Dante Simonetti

Vi, também, quase escondida por entre tambores de lixo e grades de bebidas colocadas indevidamente no passeio público, a casa de minha querida e saudosa mãe. Gosto de passar em frente. Uma mistura de saudade e melancolia se apodera da minh’alma de maneira avassaladora e as lembranças me remetem aos dias em que conversávamos naquele alpendre ou, simplesmente, fazíamos companhia um ao outro.



Casa de D. Cirene Simonetti


Casa de D. Cirene Simonetti


Sempre me vem à mente sua imagem: deitada em uma rede feita do mais puro algodão do Seridó, estrategicamente armada ao lado Sul do alpendre, de onde o vento sudoeste sopra com mais intensidade nas manhãs abafadas de janeiro. De lá, ela podia, sem maior esforço, solicitar da barraca em frente os petiscos de que mais gostava: camarão no alho e óleo, tainha à milanesa ou uma boa posta de cavala bem acebolada, tudo regado a um bom suco de caju ou, ainda, por suculentas mangabas colhidas nos tabuleiros que, bem cedinho, eram trazidos pela costumeira vendedora. Nesse local, também passava o vendedor de castanha de caju. Embora proibida de comê-las, comprava a guloseima às escondidas. Enfiava tudo no bolso do robe e, aos poucos, sem que ninguém percebesse, devorava uma a uma. Nos lábios, aquele sorriso maroto de quem está fazendo algo proibido. Quando percebíamos a travessura, fazíamos vista grossa e ela ficava toda prosa achando que havia nos enganado. Que saudade!!! Tenho certeza de que essas recordações irão me acompanhar enquanto eu viver. São boas lembranças e eu gosto de tê-las, pois me ajudam a continuar. Jamais me permitirei olvidar de tão preciosas lembranças.

Cheguei a nossa casa e tudo continuava como no dia anterior. Afinal, os veraneios, atualmente, pouco lembram os de outrora, quando somente a família Barbalho/Simonetti veraneava por aqui. O convívio familiar era muito intenso. Não se trata de egoísmo, apenas de um incontrolável saudosismo. Saudade de um tempo quando éramos felizes e sabíamos, mesmo sem que percebêssemos a verdadeira dimensão dessa felicidade. Entretanto, nem tudo está totalmente perdido: quando a noite cai e as areias são envolvidas com seu manto negro, a praia volta às origens. Livre do frenesi de turistas e vendedores ambulantes, ela mergulha no mesmo silêncio de antigamente.

Os turistas e ambulantes já se deslocaram para a “Rua de Cima” onde se concentra os bares, restaurantes e boates. É esse momento sublime que eu gosto de apreciar. Da minha varanda contemplo a velha Pipa por inteiro entregue a exuberância da natureza, iluminada por estrelas ou pelo clarão das noites de lua cheia, quando esta se ergue por trás do morro Vicência Castelo.

Casa de Ormuz Simonetti

O silêncio nos permite escutar o murmúrio das ondas, o som característico do balançar das palhas dos coqueiros açoitadas pelo vento e a inevitável lembrança de velhas canções cantadas em serenatas.

Pois é caro amigo, a nossa praia mudou. O progresso trouxe melhorias, principalmente para os nativos, entretanto é enorme o preço pago pela comunidade. Todavia, suas belezas naturais continuam irretocáveis, principalmente para quem a olha com os olhos de antigamente.

Aqui me despeço, desejando-lhe saúde, ao tempo que renovo o convite para novamente nos visitar. Peço desculpa pelo relato um tanto saudosista, mas espero que tenha estimulado sua curiosidade. Até outra oportunidade ou quando a saudade me lavar a essa bela cidade, onde passei bons anos de minha vida.

Pipa, 26 de janeiro de 2012.