sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ACTA DIURNA - DENDÉ ARCOVERDE - PARTE II

De estatura acima da mediana, robusto e bem conformado, Dendé Arcoverde tinha os ombros amplos e o torax saliente. Dispunha de fôrça incrível, cavaleiro emérito e ati­rador maravilhoso. Pulava agilmente uma janela, de costas. A barba negra curta, rente a face vermelho-clara, fazia res­saltar a dentadura perfeita, branca como côco ralado. A voz é alta, estertórica, audível a distâncias que as lendas multi­plicam. Os olhos rasgados, enormes, negros e luminosos, faiscavam de irritação contínua. A esclerótíca, raiada de san­gue, é um distintivo que transmitiu aos seus bastardos.

Morou sempre em Cunhaú onde tinha uma "parte" .herdada de sua Mãe, cujo inventário é de 1846. Só arrendou as "partes" de seu tio, o Capitão-Mór André "de Estivas" e de seu primo, o Comendador André d'Albuquerque Maranhão, ·"de Itapecerica", em 1851. Cunhaú estava no centro das suas terras. Englobavam-se nelas a "usina Maranhão", "Bom Pas­sar", "Torre", "Antônio Freire", "Areré", "Mangueira", "Cruzeiro", "Estrela". Tudo era Cunhaú, até a extensão verdejante do "sítio Estrela" se incluía na denominação do engenho tra­dicional. Derredor dessa região rodava o Mêdo ...

Criminoso que tocasse, ao menos tocasse, uma estaca de Cunhaú, estava valido. Não havia "força do Governo" que se atrevesse a perseguí-lo. A casa-grande ficava circundada de choupanas onde se acoitavam os "fora da lei", fanáticos pelo brigadeiro, sombras do seu braço.

Depois do jantar, até ás trindades, o Brigadeiro, todo ­vestido de branco, passeava ao escurecer na calçada imensa da residência. Quem tinha negócio e não era pessôa de merecimento, alinhava-se, junto aos outros pretendentes, espe­rando que um olhar casual do Brigadeiro pousasse nele. Nin­guém ousava dirigir-lhe a palavra e sim responder. Mas, fosse como fosse, não deixavam de ter negócio e "trato" com ele. Não perdoava dívidas nem ficava devendo.
Foi o vingador de André d'Albuquerque, seu tio, assassinado em abril de 1817. Voltando d'Europa e sabendo mínuciosamente a morte do parente, inqueriu da vida do matador. Disseram que uma tentativa a tiro havia falhado. Dendé reprovou a técnica.

- Qual tiro! Tiro faz barulho e assombra a caca. Vamos á faca. É silencioso e seguro.
Procurou informar-se. Apontararm vários nomes como responsáveis João Álvares do Quental esporeára o cadáver. Francisco Felipe da Fonseca Pinto, o alfaiate Costa Bandeira. Falaram no tenente-coronel Antônio José Leite do Pinho.

- Eu não quero saber dos outros acusados. Ferissem ou não, certamente ficaram com medo da vingança. O que eu desejo saber é quem pregou uma medalha no peito e cercou as ,mangas de galões por ter assassinado um Cunhauzeiro. Quem aproveitou do crime é que é o principal criminoso.
Mandou um negro e um caboclo matarem á faca o coronel Leite do Pinho. Entregou-lhes facas de prata, dizem que envenenadas. Prometeu que nunca mais teriam necessidade de cousa alguma se trouxessem as orêlhas do coronel.

Os dois mandatários espreitaram Leite do Pinho durante horas.
Numa tarde de procissão terminada a cerimônia, o coronel deitou-se num tapete diante da casa, na atual Praça 7 de Setembro, em Natal, tomando fresco, e brincando com um neto. Os dois enviados de Cunhaú caíram sobre ele numa luta feroz e rápida. Não lhe poderam cortar a orêlha mas deixaram as facas enterradas no ferido, e fugiram. Leite do Pinho faleceu na madrugada de 15 de março de 1834.

Dendé recompensou seriamente aos dois asseclas Mandou sepultar o negro, vivo, perto da Casa-Grande de Cunhaú, e plantou um coqueiro em cima do túmulo. O caboclo foi em­palado na Mata das Varas e o corpo mumificado, até poucos anos espavoria os lenhadores. Cumprira a promessa. Caboclo e negro nunca mais tiveram necessidade de cousa alguma . . .
É façanha mais antiga de Dendé, sua "entrada" solene no memorial truculento em que é recordado ...

Ignoro a origem do seu tratamento de "Brigadeiro" De­balde, a meu pedido, o saudoso general Luíz Sombra rebuscou arquivos militares no Rio de Janeiro. Não há o menor vestí­gio de razão nesse título altissonante correspondente ao nos­so "General de Brigada". Mas "Brigadeiro" é como Dendé Ar­coverde é citado em toda região de seu prestigioso renome. Substitui quase o nome. Dizem, comumente "o Brigadeiro", e já se sabe que a evocação se refere ao impetuoso senhor de Cunhaú. De onde, e porque lhe veio o tratamento militar, quaís os serviços para merecê-la, em que época recebeu a mercê honorária, não sei. Não foi possível, apesar das pesquisas, saber.



Arma encontra-se no Instituto Hostórico e Geogrpafico do RN.


(Esta arma pretenceu ao negro Simplício, apelidado de "Cobra Verde", homem de confiança do "Brigadeiro"Dendé Arcoverde, impetuoso senhor de Cunhaú(1830). Era um atirador perfeito. Não errando um tiro. Sua espingarda foi batizada por "meio berro" porque matara uma novilha antes do animal acabar o berro iniciado)


O homem de confiança do Brigadeiro Dendé Arcoverde era o negro Simplício, conhecido por "Cobra Verde", alto, magro, sério como um ídolo, e agil como o vento. Era o melhor atirador dos arredores e nunca errou um tiro. Sua ar­ma especial era uma carabina Minié batizada por "Meio berro", porque matara uma novilha antes do. animal acabar o berro iniciado. Um bastardo de Dendé, Afonso Arcoverde, presenteou a arma ao Cel. Felipe Ferreíra, de "Mangabeira" e este ofereceu-m'a. Dei-a ao Instituto Histórico do Rio Gran­de do Norte, onde se encontra.


(Ormuz Simonetti segura a carabina "meio berro" no IHGRN)


O negro Simplício depois da morte do Brigadeiro, dei­xou a Província e se instalou numa casa que erguera no meio do mato, como um bicho saudoso da solidão e do mistério. Não admitia visitas e andava sempre armado. Jamais falava no nome do amo, a quem adorava. Morreu no dia do Natal de 1896, quando completava cem anos, data predita por ele como sendo de sua morte. Está sepultado em Mataraca, na Paraíba.


(Capela onde foi enterrado André de Albuquerque Maranhão Arcoverde)


(08.05.1941)

-Continua . . .

Um comentário:

  1. Possivelmente, foi com "meio berro" que "Cobra Verde" matou meu bisavô paterno VICENTE FERREIRA DE PAIVA, que vivia no ENGENHO TAMATANDUBA, vizinho ao ENGENHO CUNHAÚ, a mando de sanguimário Dendé... Aconteceu no dia 3 de fevereiro de 1842, em PEDRAS de FOGO, na Paraiba...

    Meu bisavô era pai de Professor (em Vila Flor) Antônio Pereira de Brito Paiva ao qual Dendé Arcoverde perseguia...

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