Recordo do sorveteiro, empurrava seu carrinho de madeira, pintado com cores alegres. Na frente, dois espelhinhos redondos, imitavam os faróis de um carro. Entre eles, duas flâmulas: uma do ABC e outra do América. Não revelava o time do coração, nem sob tortura. Tinha medo de perder os fregueses adversários. Num dos braços do carro, uma buzina tipo “fom, fom” era acionada para chamar a atenção da clientela. Naquela época o sorvete era feito em casa, e os sabores pouco mudavam: coco, coco- queimado, chocolate feito com toddy, morango (utilizava essência, pois a fruta só conhecíamos por foto) e algumas frutas sazonais.
Sem horário nem dia definidos para sua aparição, ouvia-se também o grito do vendedor de cestos e espanadores. Vendia inclusive um espanador em miniatura que era comprado para as crianças brincar. Era um homem ainda jovem, porém sempre o via descansando à sombra dos enormes fícus- benjamina, que outrora arborizavam a Avenida Deodoro.
Havia ainda os vendedores de serviços. O funileiro, que consertava panelas, caçarolas e toda a tralha utilizada nas cozinhas, inclusive o velho bule de café, feitos de ágata ou alumínio, substituídos que fora pelas garrafas térmicas. Às vezes sinto saudade daquele antigo bule sempre cheio de um gostoso café, torrado em casa, descansando sobre a chapa quente do fogão de lenha, na fazenda do meu pai. Os pequenos consertos que utilizava solda branca ou cravo eram realizados no local. Para isso utilizava uma pequena lamparina à base de álcool, que não deixa tisna, para aquecer o ferro de solda. Quando estava trabalhando, geralmente era acompanhado por olhos atentos e curiosos da meninada que em volta, cravava o homem das mais diversas perguntas. Ele pacientemente ia respondo a todos, enquanto trabalhava.
Outro vendedor de serviço era o sapateiro que também acumulava a função de engraxate. Usava a mesma caixa de madeira com escovas, flanela e graxa nugette e mais as ferramentas necessárias aos consertos. Saltos e salteiras de couro e borracha, cola, que ficou conhecida como “cola de sapateiro”, biqueiras de aço, muito requisitada pelos jovens, brochas de diversos tamanhos, agulha grossa, um carretel de linha “urso” e cera de carnaúba que passava na linha para torná-la mais resistente. Trazia ainda, uma peça de sola enrolada em baixo do braço, além de uma pequena faca muito afiada que usava tanto no corte da sola como no arremate dos solados. No ombro, enganchado em um dos lados, um “pé de ferro” peça imprescindível nos consertos dos sapatos e sandálias, principalmente no brocheamento. Apregoava seus serviços geralmente a uma clientela cativa, já que naquela época, os calçados eram utilizados até a total impossibilidade de novo conserto. Seu grito ecoava pelas ruas feito um lamento: sapateeeeiro! solado, meia-sola, salteiras e costuras. Sapateeeeiro!
Por fim, me vem à figura do confeiteiro Mané Anão. Impávido, junto ao tabuleiro sortido de buzis, torrões, drops dulcora, chicletes Adams - aquele que trazia um pequeno número numa das orelhas, quando a caixinha era aberta -, o chiclete de bolas ping pong, que acompanhava figurinhas infantis, as coloridas jujubas, confeitos (balas) de mel e hortelã, além das desejadas barras de chocolate Diamante Negro, para nós, de valor inalcançável. Tinha a prerrogativa de ser o único vendedor em frente ao Cine Rio Grande, sob as bênçãos do seu proprietário Dr. Moacir Maia, corroborada por “Seu Antônio”, o temido administrador do cinema, sempre de prontidão impedindo a entrada dos garotos, que sonhavam em assistir filmes impróprios para sua idade.
Todos esses saudosos personagens ainda continuam desfilando nas minhas lembranças de garoto, morador da Avenida Deodoro.
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