segunda-feira, 27 de junho de 2011
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS - ILUSTRAÇÃO
Mais uma tela do artista plástico Levi Bulhões, que faz parte da ilustração do livro "A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS", que será lançado em outubro/2011. O artista utiliza a técnica mista da pintura acrílica com o bico de pena. A ilustração refere-se à crônica "A AGRICULTURA E O FRIVILHADO", que dentre outras coisas relata a vida dos pescadores que também eram agricultores, e a criação do famoso frivilhado, espécie de beiju de sabor agradável que teve sua origem na Praia da Pipa.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
TRIBUTO AO AMIGO BARTOLOMEU CORREIA DE MELO
Nos últimos dias tenho lido e ouvido muitas histórias sobre o escritor, o pai de família, o poeta, o contista, o professor, o lutador obstinado, enfim o meu amigo Bartolomeu Carreia de Melo, o meu amigo Bartola. Por minha vez, quero deixar registrado apenas a história de nossa amizade, que teve seu começo num dia de carnaval.
Corria o ano de 1962 e ao entardecer do dia 7 de março, a Av. Deodoro se enchia de alegria. Apinhada de foliões, vestidos de rei, piratas ou de jardineira. Desfilavam, também, os tradicionais pierrôs, colombinas e arlequins, além dos conhecidos papangus, cobertos com trapos coloridos. Esses personagens perambulavam pelas ruas de então, num frenético vai e vem, alegrando e divertindo os espectadores que tomavam as calçadas ao longo de toda a avenida. Grandes máscaras com motivo carnavalesco pendiam presas aos postes de ferro que iluminavam a cidade daquela época, enfeitando o corredor da folia. Os pés de ficus benjamim, iluminados com lâmpadas coloridas e cobertos por serpentinas de todas as cores, davam uma visão lúdica aquele ambiente que se preparava para mais uma noite de folia.
Foi nesse ocasião que voltei minha atenção para um dos foliões que por ali passava. Aquela figura me chamou a atenção “pelo conjunto da obra”. Alto, magro, óculos fundo de garrafa, calças faroeste e camisa bem colorida, típica da ocasião. Com passos miúdos e arrastados, acompanhava no andar, a cadência que vinha das troças e bandinhas de frevo que passavam na ocasião. Usava um chapéu de abas curtas e no canto da boca pendia um cachimbo à moda Sherlock Holmes, de onde retirava, a todo instante, grandes baforadas de fumaça que enchiam o ar com o cheiro característico do fumo Bulldog, coisa muito chique para os padrões da época. Aquela figura era o amigo Bartola, que misturado a multidão acompanhava as inúmeras “troças” que enchiam a avenida. Não sei por que, mas nunca me esqueci daquela cena. Aquele dia ficou gravado para sempre em minha memória. Certa vez tive oportunidade de lhe falar sobre esse dia e demos boas risadas. Ele, naturalmente, não se lembrou da ocasião.
Daí por diante, passei a encontrá-lo com mais freqüência. Naquela época, nossa aldeia ainda muito pequena, as pessoas tinham mais facilidade de se conhecerem. Mesmo que não se cumprimentassem, sabiam de quem se tratava. Não obstante ser ele um conhecido professor, profissão que amou durante toda sua existência, logo fizemos os primeiros contatos. Por ser cinco anos mais velho que eu, via-o com certa reserva, pois quando se é jovem, esses anos significam uma considerável distância, principalmente no trato intelectual. Com o passar dos anos, essa diferença tende e se extinguir. Daí por diante passamos a nos encontrar pelas ruas da cidade, bares, sorveterias, cinemas e outros pontos, para onde convergiam os jovens daquela época.
Após sua formatura na UFRN, mudou-se para São Paulo onde fez mestrado em química, disciplina que elegeu para sua carreira profissional, só retornando a Natal, alguns anos depois. Como um abnegado e apaixonado pelo que fazia, passou anos a fio repassando seus conhecimentos a várias gerações de estudantes em nossa cidade. É difícil encontrar um colegial daquela época que não tenha tido o privilégio de um dia ter sido aluno do professor Bartola.
Na década de 80, voltamos a nos encontrar. Dessa vez, em virtude da amizade do casal Bartola eVerônica, com minha cunhada Glicia Galvão Damasceno, que também fazia parte do departamento de Química da UFRN. Desde esse dia, cresceu e se afirmou entre nós, o mais puro sentimento de amizade fraternal. Tive oportunidade de passar momentos em agradáveis conversas, onde a tônica era o humor. Nunca conseguimos conversas por mais de meia hora sem que surgisse uma piada ou uma história pitoresca que tivesse acontecido com alguém.
Na praia da Pipa, onde nos visitou por muitas vezes, passávamos horas escutando suas piadas. Quando se tratava dessa arte, era imbatível. Tinha na ponta da língua, uma anedota para cada situação que alguém abordasse. Se não as tinha, criava na hora, pois sendo inteligente e espirituoso, nunca perdia a oportunidade de dar boas risadas.
Certa vez, me deslocava pela Rua João Pessoa e ao passar na calçada do Centro Cearense, vi que Bartola caminhava bem à minha frente. Com passos largos e braços em franco movimento como se quisesse voar, andava com a cadência de um dobrado militar. Na sua frente, nessa mesma passada, também caminhava uma jovem senhora de quadris avantajado que balançava feito um pudim, ao sabor de suas firmes e elegantes passadas. Vendo aquela cena, não resisti. Apressei o passo e perguntei: “Bartola, prá onde você está indo??” E ele com aquele sorriso maroto respondeu de chofre: “eu vou aqui no vácuo dessa jamanta, até onde, não sei!”. Dito isso foi uma risada só, tanto dele como a minha e dos passantes que ouviram o diálogo entre nós. Assim era ele, espirituoso ao extremo e sempre pronto a provocar risos com suas tiradas maravilhosas.
De outra feita, quando ele estava internado na UTI do Hospital do Coração, onde convalescia de mais uma de suas constantes crises respiratória, tivemos o seguinte diálogo. Ao me aproximar do seu leito, ele olhou pra mim e com visível dificuldade na voz perguntou: Ormuz, você pensa quando vai respirar? Eu ainda surpreso pela pergunta respondi: Não! Ninguém pensa! Então ele me disse: pois eu penso. A todo instante eu penso se vou conseguir respirar mais uma vez. Foi aí que me dei conta de sua pergunta e entendi o sofrimento pelo qual ele estava passando.
Vendo meu constrangimento, deu mais uma prova de sua grandeza e de humor apurado, virtudes que manteve até o fim de seus dias, e relatou um acontecimento hilário.
Contou-me que no dia anterior, a enfermeira cumprindo sua rotina de trabalho, chegou para medir sua pressão. E manteve o seguinte diálogo. - Bom dia seu Bartolomeu!. - Bom dia, essa menina. - O senhor dormiu bem? - Assim, assim! Após os movimentos característicos do tensiômetro, a moçinha, olha pra mim com ar de preocupação, e disse: seu Bartolomeu sua pressão esta muito alta!! E ele pra não perder a oportunidade, saiu-se com essa: também essa menina! Você fica o tempo todo alisando meu braço, e ainda não quer ela suba? Talvez esse diálogo na realidade nunca tenha acontecido, mas foi a maneira gentil que encontrou de me deixar mais à vontade e tornar mais alegre aquele ambiente de sofrimento.
Recentemente quando fundamos a ACLA – Academia Cearamirinense de Letras e Artes, fui convidá-lo para participar da Instituição, pois dela faziam parte grandes amigos de sua época de adolescente em Ceará-Mirim, todos ligados a arte e a literatura. Esses amigos se propunham a iniciar um grande movimento em prol da cultura daquela cidade. Novamente ele fez uso de seu humor, dizendo: “Ormuz, eu estou muito mais para patrono”- risos.
Era imbatível, mesmo nas piores situações que enfrentou durante todos os anos que lutou contra a doença devastadora que aos poucos lhe tirava as forças, mas não conseguia lhe tirar o humor, nem a vontade de viver. Sempre esteve pronto a transformar a dor e o sofrimento em esperança e alegria. Nesses últimos anos que lutou bravamente contra sua enfermidade, nunca vi em seus olhos o menor sinal de medo ou desespero. Pelo contrário, sempre o encontrei com um semblante sereno e pronto pra dar uma gostosa risada ao menor sinal de uma boa piada.
Por natureza, sempre foi um vencedor. Amigo de todas as horas nunca se furtou a ajudar aos que lhe procuravam. Quando me iniciei na literatura, já cinqüentão, como foi o seu caso, encontrei nele a força necessária de um grande colaborador sempre disposto a me ajudar, orientando-me para melhorar, cada vez mais, aquilo que me propunha escrever.
Quase que diariamente nos falávamos por telefone e com freqüência eu lhe visitava em sua casa. Durante esse período, jamais deixou transparecer qualquer sentimento de revolta em virtude de sua precária saúde ou o mais tênue sinal de medo do que estava por vir, pois sendo católico fervoroso sabia que o amanhã pertence ao Criador.
Perdi um grande amigo, e o país perdeu um excelente contista que fez história, pois conseguiu recuperar para sempre, grafada em suas obras, como: Lugar de Estórias, e Estórias Quase Cruas, com linguagem característica do caboclo do nordeste do Brasil, principalmente da regido canavieira do século passado.
Todos sabem que sua ausência será muito sentida. Entretanto, ficam presentes as boas lembranças guardadas no lado esquerdo do peito, como diz a canção.
Pipa, madrugada de 23 de junho de 2011.
Corria o ano de 1962 e ao entardecer do dia 7 de março, a Av. Deodoro se enchia de alegria. Apinhada de foliões, vestidos de rei, piratas ou de jardineira. Desfilavam, também, os tradicionais pierrôs, colombinas e arlequins, além dos conhecidos papangus, cobertos com trapos coloridos. Esses personagens perambulavam pelas ruas de então, num frenético vai e vem, alegrando e divertindo os espectadores que tomavam as calçadas ao longo de toda a avenida. Grandes máscaras com motivo carnavalesco pendiam presas aos postes de ferro que iluminavam a cidade daquela época, enfeitando o corredor da folia. Os pés de ficus benjamim, iluminados com lâmpadas coloridas e cobertos por serpentinas de todas as cores, davam uma visão lúdica aquele ambiente que se preparava para mais uma noite de folia.
Foi nesse ocasião que voltei minha atenção para um dos foliões que por ali passava. Aquela figura me chamou a atenção “pelo conjunto da obra”. Alto, magro, óculos fundo de garrafa, calças faroeste e camisa bem colorida, típica da ocasião. Com passos miúdos e arrastados, acompanhava no andar, a cadência que vinha das troças e bandinhas de frevo que passavam na ocasião. Usava um chapéu de abas curtas e no canto da boca pendia um cachimbo à moda Sherlock Holmes, de onde retirava, a todo instante, grandes baforadas de fumaça que enchiam o ar com o cheiro característico do fumo Bulldog, coisa muito chique para os padrões da época. Aquela figura era o amigo Bartola, que misturado a multidão acompanhava as inúmeras “troças” que enchiam a avenida. Não sei por que, mas nunca me esqueci daquela cena. Aquele dia ficou gravado para sempre em minha memória. Certa vez tive oportunidade de lhe falar sobre esse dia e demos boas risadas. Ele, naturalmente, não se lembrou da ocasião.
Daí por diante, passei a encontrá-lo com mais freqüência. Naquela época, nossa aldeia ainda muito pequena, as pessoas tinham mais facilidade de se conhecerem. Mesmo que não se cumprimentassem, sabiam de quem se tratava. Não obstante ser ele um conhecido professor, profissão que amou durante toda sua existência, logo fizemos os primeiros contatos. Por ser cinco anos mais velho que eu, via-o com certa reserva, pois quando se é jovem, esses anos significam uma considerável distância, principalmente no trato intelectual. Com o passar dos anos, essa diferença tende e se extinguir. Daí por diante passamos a nos encontrar pelas ruas da cidade, bares, sorveterias, cinemas e outros pontos, para onde convergiam os jovens daquela época.
Após sua formatura na UFRN, mudou-se para São Paulo onde fez mestrado em química, disciplina que elegeu para sua carreira profissional, só retornando a Natal, alguns anos depois. Como um abnegado e apaixonado pelo que fazia, passou anos a fio repassando seus conhecimentos a várias gerações de estudantes em nossa cidade. É difícil encontrar um colegial daquela época que não tenha tido o privilégio de um dia ter sido aluno do professor Bartola.
Na década de 80, voltamos a nos encontrar. Dessa vez, em virtude da amizade do casal Bartola eVerônica, com minha cunhada Glicia Galvão Damasceno, que também fazia parte do departamento de Química da UFRN. Desde esse dia, cresceu e se afirmou entre nós, o mais puro sentimento de amizade fraternal. Tive oportunidade de passar momentos em agradáveis conversas, onde a tônica era o humor. Nunca conseguimos conversas por mais de meia hora sem que surgisse uma piada ou uma história pitoresca que tivesse acontecido com alguém.
Na praia da Pipa, onde nos visitou por muitas vezes, passávamos horas escutando suas piadas. Quando se tratava dessa arte, era imbatível. Tinha na ponta da língua, uma anedota para cada situação que alguém abordasse. Se não as tinha, criava na hora, pois sendo inteligente e espirituoso, nunca perdia a oportunidade de dar boas risadas.
Certa vez, me deslocava pela Rua João Pessoa e ao passar na calçada do Centro Cearense, vi que Bartola caminhava bem à minha frente. Com passos largos e braços em franco movimento como se quisesse voar, andava com a cadência de um dobrado militar. Na sua frente, nessa mesma passada, também caminhava uma jovem senhora de quadris avantajado que balançava feito um pudim, ao sabor de suas firmes e elegantes passadas. Vendo aquela cena, não resisti. Apressei o passo e perguntei: “Bartola, prá onde você está indo??” E ele com aquele sorriso maroto respondeu de chofre: “eu vou aqui no vácuo dessa jamanta, até onde, não sei!”. Dito isso foi uma risada só, tanto dele como a minha e dos passantes que ouviram o diálogo entre nós. Assim era ele, espirituoso ao extremo e sempre pronto a provocar risos com suas tiradas maravilhosas.
De outra feita, quando ele estava internado na UTI do Hospital do Coração, onde convalescia de mais uma de suas constantes crises respiratória, tivemos o seguinte diálogo. Ao me aproximar do seu leito, ele olhou pra mim e com visível dificuldade na voz perguntou: Ormuz, você pensa quando vai respirar? Eu ainda surpreso pela pergunta respondi: Não! Ninguém pensa! Então ele me disse: pois eu penso. A todo instante eu penso se vou conseguir respirar mais uma vez. Foi aí que me dei conta de sua pergunta e entendi o sofrimento pelo qual ele estava passando.
Vendo meu constrangimento, deu mais uma prova de sua grandeza e de humor apurado, virtudes que manteve até o fim de seus dias, e relatou um acontecimento hilário.
Contou-me que no dia anterior, a enfermeira cumprindo sua rotina de trabalho, chegou para medir sua pressão. E manteve o seguinte diálogo. - Bom dia seu Bartolomeu!. - Bom dia, essa menina. - O senhor dormiu bem? - Assim, assim! Após os movimentos característicos do tensiômetro, a moçinha, olha pra mim com ar de preocupação, e disse: seu Bartolomeu sua pressão esta muito alta!! E ele pra não perder a oportunidade, saiu-se com essa: também essa menina! Você fica o tempo todo alisando meu braço, e ainda não quer ela suba? Talvez esse diálogo na realidade nunca tenha acontecido, mas foi a maneira gentil que encontrou de me deixar mais à vontade e tornar mais alegre aquele ambiente de sofrimento.
Recentemente quando fundamos a ACLA – Academia Cearamirinense de Letras e Artes, fui convidá-lo para participar da Instituição, pois dela faziam parte grandes amigos de sua época de adolescente em Ceará-Mirim, todos ligados a arte e a literatura. Esses amigos se propunham a iniciar um grande movimento em prol da cultura daquela cidade. Novamente ele fez uso de seu humor, dizendo: “Ormuz, eu estou muito mais para patrono”- risos.
Era imbatível, mesmo nas piores situações que enfrentou durante todos os anos que lutou contra a doença devastadora que aos poucos lhe tirava as forças, mas não conseguia lhe tirar o humor, nem a vontade de viver. Sempre esteve pronto a transformar a dor e o sofrimento em esperança e alegria. Nesses últimos anos que lutou bravamente contra sua enfermidade, nunca vi em seus olhos o menor sinal de medo ou desespero. Pelo contrário, sempre o encontrei com um semblante sereno e pronto pra dar uma gostosa risada ao menor sinal de uma boa piada.
Por natureza, sempre foi um vencedor. Amigo de todas as horas nunca se furtou a ajudar aos que lhe procuravam. Quando me iniciei na literatura, já cinqüentão, como foi o seu caso, encontrei nele a força necessária de um grande colaborador sempre disposto a me ajudar, orientando-me para melhorar, cada vez mais, aquilo que me propunha escrever.
Quase que diariamente nos falávamos por telefone e com freqüência eu lhe visitava em sua casa. Durante esse período, jamais deixou transparecer qualquer sentimento de revolta em virtude de sua precária saúde ou o mais tênue sinal de medo do que estava por vir, pois sendo católico fervoroso sabia que o amanhã pertence ao Criador.
Perdi um grande amigo, e o país perdeu um excelente contista que fez história, pois conseguiu recuperar para sempre, grafada em suas obras, como: Lugar de Estórias, e Estórias Quase Cruas, com linguagem característica do caboclo do nordeste do Brasil, principalmente da regido canavieira do século passado.
Todos sabem que sua ausência será muito sentida. Entretanto, ficam presentes as boas lembranças guardadas no lado esquerdo do peito, como diz a canção.
Pipa, madrugada de 23 de junho de 2011.
domingo, 19 de junho de 2011
BARTOLOMEU CORREIA DE MELO
REUNIÃO DA UBE-RN NO MEMORIAL VICENTE DE LEMOS EM NATAL RN
O ESCRITOR CEARAMIRINENSE "BARTOLOMEU CORREIA DE MELO" MORREU NA TARDE DESTE SÁBADO, 18 DE JUNHO DE 2011, EM NATAL/RN-BRASIL
O velório será no Centro de Velórios da Rua São José-Natal e o enterro será NESTE DOMINGO no Cemitério de Ceará-Mirim, às 10 horas.
É do nosso costume afirmar que certas pessoas que se vão para outra dimensão do espaço são insubstituíveis. Com “Bartola” esse dizer é verdadeiro, pois foi nosso maior prosador do tempo presente, a par de ser uma pessoa objetiva, corajosa, agradável em todos os sentidos. Realmente vai ser difícil superar esse talentoso escritor e esse amigo de uma fidelidade marcante. DEUS, certamente, o acolherá no lugar dos justos.
RESUMO BIOGRÁFICO DE
BARTOLOMEU CORREIA DE MELO
(O BARTOLA):
Nascido em Natal/RN (1945), criado no Ceará-Mirim (RN), terra de engenhos, cenário temático dos seus escritos. Educado por padres salesianos e irmãos maristas, dedicou-se ao magistério. Graduado em Farmácia (UFRN) e pós-graduado em Físico-Química (UFPE e USP). Adotou agropecuária (Fazenda Aliança) como segunda atividade e literatura como primeiro lazer. Aposentado (UFRPe e UFRN) como professor de Química. Obteve com “Lugar de Estórias”, seu primeiro livro, o prêmio nacional “Joaquim Cardozo”(1997), da União Brasileira de Escritores (UBE). Seu segundo livro, “Estórias Quase Cruas” (2002) foi igualmente bem recebido. Publicou também a estória infantil “O Fantasma Bufão” (2004). Recentemente (2010), teve lançados “Tempo de Estórias”,seu terceiro livro de contos e “A Roupa da Carimbamba”, segundo livro infantil, todos pelas “Edições Bagaço” (Recife).
Fonte: site da UBERN e NOTÍCIAS DA LUSOFONIA, DE CEICINHA CÂMARA.
H O M E N A G E N S
BARTOLOMEU CORREIA DE MELO Maior revelação do conto potiguar, nas últimas três décadas. Bartolomeu Correia de Melo surgiu cinquentão, quando já bastante conhecido como pesquisador e professor de Química.
Seu livro de estréia - "Lugar de estórias" foi laureado com o prêmio Joaquim Cardozo/1977, da União Brasileira de Escritores, e teve duas edições, quase simultâneas - EDUFRN, Editora da UFRN, Natal, 1988 e Xeroz do Brasil, Recife, 1998.
Desde 1966,BCM vinha escrevendo, nas horas vagas, histórias várias, que engavetavasem pensar em publicá-las. Até que, como ele prórpio disse, com muito senso de humor, "se viu na vez de mal-aposentado (ETFRN, UFPE e UFRN). Aí, por tristeza e descostume de vadiagem quase-quase amofinou-se. Ser biscateiro ou vereador, desapetecia. Cuidar da fazendola "Águas de Março", enchia o tempo sem encher a cabeça.
Então, palpitou desencavar a retraçar alguns contos cometidos no correr da vida, afagando as saudades do Ceará-Mirim. Daí que apareceu "Lugar de Estórias" (...)
Ceará-Mirim é o seu país sentimental, fonte inesgotável de inspiração. Nas terra dos canaviais, de tantas tradições, o autor encontraráos cenários e os personagens de sua infância, com os quais contrói suas estórias simples, que o autor sabe explorar como poucos.
Bartolomeu Correia de Melo nasceu em Natal, no dia 7 de março de 1945. "Foi uma criança terrível e adolescente abominável". Confessa e acrescenta: "Desasnado por padres salesianos e formatado por irmãos maristas, logo cedo, coitado, converteu-se ao Magistério".
É graduado em Farmácia (UFRN), com pós-graduação em Físico-química (UFPE e USP). Escreveu trabalhos científicos e pedagógicos, publicados em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras.
Quando lançou seu livro de estréia, jurou ser "primeiro e derradeiro". Felizmente, quebrou a jura. Em 2002, publicou nova coletânea - "Estórias Quase Curtas" Edições bagaço, Recife), de grande unidade temática e formal, como a anterior, e dentro do mesmo universo ficcional.
Bartololeu Correia de Melo é casado com Verônica Marques, com quem teve três filhos, Bruno, Ana Cláudia e Ruth.
(Manoel Onofre Jr. in Contistas Potiguares, Sebo Vermelho edições, 2003)
BARTOLOMEU CORREIA DE MELO
Por Franklin Jorge
Seu defeito mais evidente resulta antes da ingratidão do destino do que de uma deficiência própria; do destino, seja dito, que o fez nascer em Natal, terra de muro baixo que não consagra nem desconsagra ninguém, embora o gentio cultive o hábito de gastar duzentos para impedir que alguém embolse vinte.
Refiro-me, está claro, ao escritor Bartolomeu Correia de Melo, artífice e mestre na arte do ficcionismo que, no presente caso, tem fundas raízes plantadas no chão do Ceará-Mirim, onde viveu os anos inaugurais de sua vida à sombra benfazeja de uma avó sertaneja.
Escritor sofisticado, sua química literária inscreve-o numa espécie particular de barroquismo traduzido em coloquialismo que contém toda uma cultura baseada em ancestralidade que remonta à Idade dos Nomes.
Estórias quase cruas, que leio oito anos depois do seu lançamento (2002) é, em sua genuína virtuosidade estilistica e pujança lingüística uma dessas obras significativas de toda uma cultura eivada de vida e vigor. Sem dúvida um escritor do mesmo naipe de Carmo Bernardes e João Guimarães Rosa, porém marcado pela fatalidade de ser potiguar.
********************
DAS FALASTRIAS: ESCRITOR BARTOLOMEU CORREIA DE MELO DISCURSA NA UBE/PE(1)
Prêmio Literário Nacional Joaquim Cardozo
(Discurso na União Brasileira de Escritores )
Bartolomeu Correia de Melo
“No entanto, quem me descobre,
eu que sou triste e sou pobre,
vai me achar bem desigual.”
Joaquim Cardozo
NAQUELES quandos de quando somente os dizeres aliviam o ardume dos pensares – ano sim, oito não – batia vontade de escrever. Então, quietinho num canto, feito menino surrado, escrevia; escrevia como cochichando desabafos. “Umas linhas de tinta amorosa, de tinta sincera e banal.” (1) Porém, os aboios da vida tangiam pra outros que-fazeres, obrigando a engavetar tais rascunhadas fantasias. E assim, escrevivendo, aforei trintena de anos. Acomodado a vasqueiras alegrias, benvindas mas passageiras, que nem chuvas-de-caju.
Sou daqueles acanhados, que se satisfazem por escrevinhar pra seus próprios olhos, contando coisas do seu próprio umbigo. Nunca palpitei que alguém, não sabedor dos meus jeitos, chegasse a apreciar e preferir minhas estórias. Muito-que-muito honrado fico, por tal dote de valia; bem maior do que me atreveria a merecer. Assim, regavo e alardeio todo louvor de minha sempre obrigada gratidão.
Hora destas, aqui assim perante, me ponho meio encabulado, quase medroso em dividir quantos sentires. Embora agradecido e carinhoso, desconjuro dos amigos que nisto me atiçaram. Mas tudo de bom tem seu pior: Agora, todo-mundo aqui esperançando de escutar minhas sabenças. Não fosse um enorme respeito por esta casa, disto me escafederia, jurando deslavado algum malentendido.
Nada mais sou que um contador de estórias; não muito desigual de tantos, que nunca tiveram vez de assentar em papel suas doces mentiras.
“Conversas compridas são parecidas!…” Diz Chico Piaba, cristão nascido e aprendido nalgum lugar de estórias. Pois, justo cuidando neste dito – assim destraquejado pra oratórias – nem-sei-que-diga. E cá então me eis: “Entre o gesto e a palavra, território onde as idéias se escondem e os pensamentos se perdem.” (1)
Não que não tivesse algum porém a referir. Só que seriam assim coisas bem minhas, eu mais prosista do que prosador. Pois, sendo doutras lavras e leituras, meus saberes comuns aqui não bastam. Mas tenho ciência duma verdade enxuta: “Escrever de Joaquim Cardozo só pode quem conhece…” (2) E além de minhas securas – tão esquisitas que me desagüento – somente malinformo quanto a métricas de átomos e ritmos de moléculas. Belezas outras que, neste agora, talvez ficassem meio descabidas. Afinal, não tenho mestrias de calcular poemas em concreto nem consigo luzes pra bem-comparar treliças de ponte com rosas de ferro.
Mas, embora diversos, em prosas ou versos, gentis ou perversos; todos gostam, todos mostram seus escritos. E se cada escrever tem sua receita, da minha não faço segredo: Talvez, por obra do velho ofício de boticário, me resulte prazeroso misturar tinta e papel com sonho e saudade; das minhas mais gratas “sustanças.” Tais porções de espírito, mesmo assim tão desafins, findam ligadas nas muitas fervuras vividas. E desta desusada combinação, aqui-acolá, decanto estórias; meio cruas mas quase puras. Afianço que santo remédio pra quantos crônicos pesares. Pois que, agindo no fundo do peito, depuram humores anêmicos e desentrevam emoções reumáticas. Pondo crença em simpatias, bastam quinze pingos, em água de quartinha serenada – gosto limpo de infância – benzida por cantos-de-galo dalgum já longe amanhecer.
Que tipo de escritor seria? Resposto sem pedância: Não me decifro quando penso, nem me destrincho quando escrevo. Só sei que letrado nas letras não sou. Nem modernista nem regionalista; sou abecedista. Na minha província natal, de cada esquina um poeta, de cada rua um jornal, diz-que cientista está mais pra louco que pra intelectual.
Assim, não me arvoro; quem nasce artesão não morre artista. Meus toscos escritos não escondem mensagens, apenas contam. Não mostram beletrices, apenas contam. Não revoejam metafísicas nem ruminam filosofias, apenasmente contam. Tudinho estórias do meu lugar, nos falares da minha gente; quase nada restando de minha real pertença. Apenas recolho palavras de engenho, brotadas no aceiro das conversas, como flores sem dono beirando caminhos. Estórias com começo, meio e fim; dando pra rir ou chorar, que nem as coisas bestas deste mundo. Estórias ditas compridas pra curtos gostos de agora. Talvez espichadas assim no justo tamanho das puídas esperanças dos seus moradores.
Quem lendo sentir boniteza, inveja não sentirá.
Conto casos, como conta o povo; no velho estilo de antigos contares, que os modismos nunca encantaram. Pois que conta com jeito formoso, nos repentes sestrosos dos como-dizeres; singelos mas precisos, como versos de Joaquim Cardozo: “Em vez de dizer: falar, prefiro dizer: cantar. Um canto triste e fecundo.”
Povo conta como entoa seus cantares, na riqueza lírica das suas rimas pobres. Contares lavrados na franca linguagem do meu recanto – chão de poetas – lugar bonito onde o verde é sentimento. Entalhe caprichoso de palavras que se bastam, sem nada carecer comprar dos gringos. Linguajar livre e sadio que, por desilustrado, sobrevive assim teimoso; ignorando o vai-e-vem dos quantos “ismos”. Aliás, parecendo malagouro, não conhece nem padece da finura sonsa de tais fins-de-palavra. E sendo assim, por natureza, como graça descuidosa de criança malfalando, nossa língua nordestina periga na desgraça do desprezo. Finar-se desfigurada, à míngua de ternuras, pela peste finória do neoliberalismo. Pois, cantando a aldeia-global, qualquer macunaíma vira universal, desaprendido de escrever em brasileiro português.
Aqui, por sorte trazido em mãos amigas, assim diante de tão lordes presenças, muito me regalo e envaideço. Se bem que, feito cambiteiro em salão de casa-grande, no descostume de recitar mesuras, por vezes quase-quase me abestalho. E pra não fazer feiúra, até que me valeria da manhosa singeleza do pouco falar. Talvez, pra parecer mais sabido ou, por tão insosso, sem malbondades. Pois, quase calando, nem diriam que qualidade de falastrão papa-jerimum andou por estas bandas com pantins de escritor. Mas, agora é tarde; findei demasiando o palavrório. Já desconfiam que igualmente me queixo de useiros cacoetes e vezeiros maldefeitos. Rogo assim que relevem meus tronchos badalares. “E que de tanto dizer fique o silêncio, que é cinza das palavras e que vence o surto de inverdades tentadoras.”
(1)
Recife / 1998
Fonte: site da UBERN
(Do BLOG de Carlos Roberto de Miranda Gomes)
sábado, 18 de junho de 2011
COISAS DE NOSSA TERRA
Muito bom. Você está fazendo um resgate importante para a memória natalense. Parabéns.
Um abraço
Carlos Gomes
Natal/RN
Um abraço
Carlos Gomes
Natal/RN
sexta-feira, 17 de junho de 2011
COISAS DE NOSSA TERRA
DE VOLTA AO PASSADO IV – OS DESVALIDOS
Maria Mula Manca era uma mendiga que percorria as ruas de Natal apoiada em um grande cajado. Em virtude de uma anomalia em sua perna, mancava ao andar. Além disso, sofria de uma deficiência na espinha que a obrigava a caminhar curvada para frente e a cada passo tinha que se apoiar no cajado, não obstante seu deslocamento ser feito com certa agilidade. Tinha na ponta da língua, para pronta entrega, um repertório dos mais diversos e ferinos palavrões. Era só ouvir o seu apelido – Mula Manca – e num arroubo de raiva, imediatamente começava o recital, não importando quem estivesse presente ou mesmo por quem fosse ouvido.
DJALMA ARNAHA MARINHO - 1960
ALUISIO ALVES
Dinartista doente - expressão usada para os admiradores e seguidores do ex-governador Dinarte de Medeiros Mariz - arrumou muitas brigas com os simpatizantes do também ex-governador Aluisio Alves, na campanha de 1960, ocasião que disputavam o governo do Estado, Djalma Aranha Marinho, então candidato do então Governador Dinarte Mariz e pela oposição, Aluizio Alves.
CAMPANHA PARA GOVERNADOR DO RN EM 1960
Com a vitória de Aluísio, ficou a exaltada eleitora sem condições de sair às ruas para continuar com sua mendicância, único meio de sobrevivência. Tinha tanta certeza da vitória de seu candidato que havia prometido por onde andava, que se ele não fosse eleito, iria embora e nunca mais retornaria a Natal. O então governador Dinarte Mariz, vendo ter se multiplicado o infortúnio de sua fiel aliada, apiedou-se daquela criatura, já tão maltratada pela vida, e enviou-a para morar em Brasília. Terminou seus dias numa terra onde viveu com dignidade onde era simplesmente Maria, uma mulher que merecia viver como outra qualquer, no lugar onde ninguém a conhecia, e assim seu apelido foi esquecido para sempre.
POSSE DO GOVERNADOR DINARTE DE MEDEIROS MARIZ
Outro mendigo famoso era Alicate. O apelido originou-se do formato arqueado de suas pernas. Conheci-o já velho. Andava com um saco nas costas onde colocava as doações. Vez por outra, parava em baixo dos pés de ficus Benjamin, que arborizava a Avenida Deodoro, onde se sentava pra fazer uma “boquinha”. Nessa hora, se tivesse de bom humor, era possível se aproximar dele e puxar conversa. Contava que veio do interior pra “Capitá” fugindo da seca braba e foi ficando, ficando e nunca mais voltou. Mesmo com o retorno das chuvas em sua terra, recusava-se a retornar alegando que ali, pelo menos, nunca mais tinha passado fome. Sempre havia uma alma caridosa para lhe dar um pouquinho de sobra de comida e outras esmolas que levava para o rancho onde morava lá para as bandas do Paço da Pátria, bem na beira do rio Potengi. Contava que quando partiu deixou mulher e filhos e desde então nunca mais teve notícias da família.
Afora dessas conversas, quando caminhava pelas ruas esmolando de porta em porta, ficava igualmente furioso se alguém o chamasse pelo apelido. Corria atrás dos meninos e atirava pedras em sua direção. Como era conhecido no bairro e também conhecia a maioria dos garotos, algumas vezes ia reclamar diretamente na casa de seus pais. Quando isso acontecia o castigo era certo, normalmente éram privados por alguns dias de brincar nos pés de ficus e até mesmo de sair de casa. Mas, quando terminava o castigo, não resistiam à passagem do infeliz e disparavam a toda altura: ALICATE!!!!!
Naquela época as esmolas eram sempre doadas em alimentos. Banana, algumas frutas sazonais, pão e farinha eram os mais comuns. A farinha por ser a esmola mais recebida, os mendigos a colocava num saco menor para não misturá-la com os outros alimentos. Se passasse após o almoço, era comum se doar um prato de comida. Primeiro ouvia-se as palmas. . . e, em seguida, a chamada característica. . . “Ô de casa!” Depois com voz comovente disparava: “Dona, hoje tem uma sobrinha de comida?” Às vezes vinha lá de dentro o que mais temiam ouvir: “Perdoe por hoje, passe amanhã!” Lembro-me de uma vizinha de nacionalidade polonesa que sempre repetia essa mesma frase: “Perdoe por hoje, passe amanhã!” Vivi muitos anos como seu vizinho e nunca a vi dar uma esmola a um pedinte.
Outro mendigo da época era Tubiba. Por ser muito valente, só era seguro chamá-lo pelo apelido guardando certa distância. Apesar de idoso, já havia conseguido pegar alguns garotos mais lerdos e amedrontá-los. Muitos anos depois descobri a origem de seu apelido. Tubiba é um tipo de abelha sem ferrão (Melipona tubiba). Na década de 80quando trabalhava como fiscal de operações rurais do Banco do Brasil, visitei um pequeno e isolado povoado, no município de Touros-RN, com o nome de Tubibau. É bem possível que nosso personagem tenha tido sua origem nessa localidade.
Outro pedinte tinha o pitoresco apelido de Garapa. A meninada para aperreá-lo gritava: “Água!” Em seguida outro gritava: “Açúcar!” Ele fingia que não era com ele a provocação e prosseguia seu caminho. Lá na frente às mesmas palavras: “Água! Açúcar!” Quando ele não suportava mais o deboche dizia colérico: “Misture filho da p...!”
Assim eram nossos mendigos. Cada um com sua história de vida, seus infortúnios e suas lembranças. Viviam perambulando pelas ruas da cidade em sua constante mendicância. Os que não tinham para onde retornar dormiam onde melhor lhe abrigasse. Geralmente escolhiam as marquises das lojas do centro da cidade. Não temiam ser maltratados, espancados, queimados vivos ou simplesmente assassinados como atualmente acontece por esse Brasil a fora, e a freqüência desses atos bestiais tendem perigosamente a banalizar o sentimento de indignação.
Os vários governos civis que sucederam a ditadura militar, não dispensaram a devida atenção para as políticas publicas e como conseqüência, tivemos boa parte das classes menos favorecidas empurrada para a condição de pobreza extrema, resultando numa horda de miseráveis que invadem nossas ruas, sinais de trânsito, vãos de viadutos etc. À noite, em busca de repouso, esses homens, mulheres e até mesmo crianças, enchem as marquises das casas comerciais onde conseguem se abrigar do frio e da chuva ou buscam outros locais insalubres, onde se escondem de sua própria miséria. Mesmo assim, ainda são alvo dos que eles chamam de pleyboys.
Esses jovens, embora oriundos de “boas famílias” e de condição financeira privilegiada, são verdadeiros delinqüentes, pois durante a madrugada quando retornam das baladas em seus belos e confortáveis automóveis, adotam como diversão, atirar pedras e cometer outros tipos de agressão gratuita a esses pobres e infelizes desvalidos.
Maria Mula Manca era uma mendiga que percorria as ruas de Natal apoiada em um grande cajado. Em virtude de uma anomalia em sua perna, mancava ao andar. Além disso, sofria de uma deficiência na espinha que a obrigava a caminhar curvada para frente e a cada passo tinha que se apoiar no cajado, não obstante seu deslocamento ser feito com certa agilidade. Tinha na ponta da língua, para pronta entrega, um repertório dos mais diversos e ferinos palavrões. Era só ouvir o seu apelido – Mula Manca – e num arroubo de raiva, imediatamente começava o recital, não importando quem estivesse presente ou mesmo por quem fosse ouvido.
DJALMA ARNAHA MARINHO - 1960
ALUISIO ALVES
Dinartista doente - expressão usada para os admiradores e seguidores do ex-governador Dinarte de Medeiros Mariz - arrumou muitas brigas com os simpatizantes do também ex-governador Aluisio Alves, na campanha de 1960, ocasião que disputavam o governo do Estado, Djalma Aranha Marinho, então candidato do então Governador Dinarte Mariz e pela oposição, Aluizio Alves.
CAMPANHA PARA GOVERNADOR DO RN EM 1960
Com a vitória de Aluísio, ficou a exaltada eleitora sem condições de sair às ruas para continuar com sua mendicância, único meio de sobrevivência. Tinha tanta certeza da vitória de seu candidato que havia prometido por onde andava, que se ele não fosse eleito, iria embora e nunca mais retornaria a Natal. O então governador Dinarte Mariz, vendo ter se multiplicado o infortúnio de sua fiel aliada, apiedou-se daquela criatura, já tão maltratada pela vida, e enviou-a para morar em Brasília. Terminou seus dias numa terra onde viveu com dignidade onde era simplesmente Maria, uma mulher que merecia viver como outra qualquer, no lugar onde ninguém a conhecia, e assim seu apelido foi esquecido para sempre.
POSSE DO GOVERNADOR DINARTE DE MEDEIROS MARIZ
Outro mendigo famoso era Alicate. O apelido originou-se do formato arqueado de suas pernas. Conheci-o já velho. Andava com um saco nas costas onde colocava as doações. Vez por outra, parava em baixo dos pés de ficus Benjamin, que arborizava a Avenida Deodoro, onde se sentava pra fazer uma “boquinha”. Nessa hora, se tivesse de bom humor, era possível se aproximar dele e puxar conversa. Contava que veio do interior pra “Capitá” fugindo da seca braba e foi ficando, ficando e nunca mais voltou. Mesmo com o retorno das chuvas em sua terra, recusava-se a retornar alegando que ali, pelo menos, nunca mais tinha passado fome. Sempre havia uma alma caridosa para lhe dar um pouquinho de sobra de comida e outras esmolas que levava para o rancho onde morava lá para as bandas do Paço da Pátria, bem na beira do rio Potengi. Contava que quando partiu deixou mulher e filhos e desde então nunca mais teve notícias da família.
Afora dessas conversas, quando caminhava pelas ruas esmolando de porta em porta, ficava igualmente furioso se alguém o chamasse pelo apelido. Corria atrás dos meninos e atirava pedras em sua direção. Como era conhecido no bairro e também conhecia a maioria dos garotos, algumas vezes ia reclamar diretamente na casa de seus pais. Quando isso acontecia o castigo era certo, normalmente éram privados por alguns dias de brincar nos pés de ficus e até mesmo de sair de casa. Mas, quando terminava o castigo, não resistiam à passagem do infeliz e disparavam a toda altura: ALICATE!!!!!
Naquela época as esmolas eram sempre doadas em alimentos. Banana, algumas frutas sazonais, pão e farinha eram os mais comuns. A farinha por ser a esmola mais recebida, os mendigos a colocava num saco menor para não misturá-la com os outros alimentos. Se passasse após o almoço, era comum se doar um prato de comida. Primeiro ouvia-se as palmas. . . e, em seguida, a chamada característica. . . “Ô de casa!” Depois com voz comovente disparava: “Dona, hoje tem uma sobrinha de comida?” Às vezes vinha lá de dentro o que mais temiam ouvir: “Perdoe por hoje, passe amanhã!” Lembro-me de uma vizinha de nacionalidade polonesa que sempre repetia essa mesma frase: “Perdoe por hoje, passe amanhã!” Vivi muitos anos como seu vizinho e nunca a vi dar uma esmola a um pedinte.
Outro mendigo da época era Tubiba. Por ser muito valente, só era seguro chamá-lo pelo apelido guardando certa distância. Apesar de idoso, já havia conseguido pegar alguns garotos mais lerdos e amedrontá-los. Muitos anos depois descobri a origem de seu apelido. Tubiba é um tipo de abelha sem ferrão (Melipona tubiba). Na década de 80quando trabalhava como fiscal de operações rurais do Banco do Brasil, visitei um pequeno e isolado povoado, no município de Touros-RN, com o nome de Tubibau. É bem possível que nosso personagem tenha tido sua origem nessa localidade.
Outro pedinte tinha o pitoresco apelido de Garapa. A meninada para aperreá-lo gritava: “Água!” Em seguida outro gritava: “Açúcar!” Ele fingia que não era com ele a provocação e prosseguia seu caminho. Lá na frente às mesmas palavras: “Água! Açúcar!” Quando ele não suportava mais o deboche dizia colérico: “Misture filho da p...!”
Assim eram nossos mendigos. Cada um com sua história de vida, seus infortúnios e suas lembranças. Viviam perambulando pelas ruas da cidade em sua constante mendicância. Os que não tinham para onde retornar dormiam onde melhor lhe abrigasse. Geralmente escolhiam as marquises das lojas do centro da cidade. Não temiam ser maltratados, espancados, queimados vivos ou simplesmente assassinados como atualmente acontece por esse Brasil a fora, e a freqüência desses atos bestiais tendem perigosamente a banalizar o sentimento de indignação.
Os vários governos civis que sucederam a ditadura militar, não dispensaram a devida atenção para as políticas publicas e como conseqüência, tivemos boa parte das classes menos favorecidas empurrada para a condição de pobreza extrema, resultando numa horda de miseráveis que invadem nossas ruas, sinais de trânsito, vãos de viadutos etc. À noite, em busca de repouso, esses homens, mulheres e até mesmo crianças, enchem as marquises das casas comerciais onde conseguem se abrigar do frio e da chuva ou buscam outros locais insalubres, onde se escondem de sua própria miséria. Mesmo assim, ainda são alvo dos que eles chamam de pleyboys.
Esses jovens, embora oriundos de “boas famílias” e de condição financeira privilegiada, são verdadeiros delinqüentes, pois durante a madrugada quando retornam das baladas em seus belos e confortáveis automóveis, adotam como diversão, atirar pedras e cometer outros tipos de agressão gratuita a esses pobres e infelizes desvalidos.
terça-feira, 14 de junho de 2011
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS - ILUSTRAÇÃO
Mais uma BELÍSSIMA tela, desse excelente artista. Uma grande homenagem, a um mestre carpinteiro...O seu livro,Ormuz, já "atrai" pelo título, com as ilustrações, mais dá vontade que venha logo à luz...
Lúcia Bezerra de Paiva
Fortaleza/CE
Lúcia Bezerra de Paiva
Fortaleza/CE
segunda-feira, 13 de junho de 2011
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS - ILUSTRAÇÃO
Mais uma tela do artista plástico Levi Bulhões, que faz parte da ilustração do livro "A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS", que será lançado em outubro/2011. O artista utiliza a técnica mista da pintura acrílica com o bico de pena. A ilustração refere-se à crônica "MORRE O MESTRE FRANCISQUNHO",que dentre outras coisas relata a vida do carpinteiro naval Francisquinho, que foi o maior construtor de barcos da região.
COISAS DE NOSSA TERRA
Ormuz,
As "COISAS DE NOSSA TERRA", tem muito de semelhantes,nas cidades nordestinas..muitas vezes só muda de nome. O cavaco-chinês, por exemplo, em Fortaleza chama-se "chegadinha", a descrição é a mesma que você faz. Fiz um poemeto, dedicado à terra amada, Fortaleza, que publiquei em meu blog, Da Cadeirinha de Arruar, no dia 13de abril último, no qual pergunto por algumas "coisas da nossa terra"...-"Cadê, a chegadinha musical, regada simplesmente a triângulo ?"...mais adiante respondo : "Só restou a chegadinha, rareando na calçada"...
Neste poema, falo de alguma coisas, que o "tempo levou"...como "o puxa-puxa da Tereza", "o cruzeata na hora"...nossos vendedores ambulantes...no passado...
Excelente, a sua postagem. Gosto disso...
Um abraço
Lúcia Bezerra de Paiva
Fortaleza/CE
As "COISAS DE NOSSA TERRA", tem muito de semelhantes,nas cidades nordestinas..muitas vezes só muda de nome. O cavaco-chinês, por exemplo, em Fortaleza chama-se "chegadinha", a descrição é a mesma que você faz. Fiz um poemeto, dedicado à terra amada, Fortaleza, que publiquei em meu blog, Da Cadeirinha de Arruar, no dia 13de abril último, no qual pergunto por algumas "coisas da nossa terra"...-"Cadê, a chegadinha musical, regada simplesmente a triângulo ?"...mais adiante respondo : "Só restou a chegadinha, rareando na calçada"...
Neste poema, falo de alguma coisas, que o "tempo levou"...como "o puxa-puxa da Tereza", "o cruzeata na hora"...nossos vendedores ambulantes...no passado...
Excelente, a sua postagem. Gosto disso...
Um abraço
Lúcia Bezerra de Paiva
Fortaleza/CE
COISAS DE NOSSA TERRA
ORMUZ,
EM CADA ESCRITO SEU, VEM A POESIA DAQUELA HORA. NÃO POSSO DEIXAR DE FAZER UMA VÊNIA AO GRANDE MEMORIALISTA, O ESCRITOR PRIMOROSO, GUARDADOR DAS MELHORES LEMBRANÇAS DE TEMPOS RECUADOS.
PARABÉS!
LUCIA HELENA PEREIRA
NATAL/RN
EM CADA ESCRITO SEU, VEM A POESIA DAQUELA HORA. NÃO POSSO DEIXAR DE FAZER UMA VÊNIA AO GRANDE MEMORIALISTA, O ESCRITOR PRIMOROSO, GUARDADOR DAS MELHORES LEMBRANÇAS DE TEMPOS RECUADOS.
PARABÉS!
LUCIA HELENA PEREIRA
NATAL/RN
COISAS DE NOSSA TERRA
Caro amigo Ormuz:
Acompanhei pelo Jornal de Hoje a trilogia “De Volta ao Passado III – Vendedores Ambulantes”. Parabéns pela análise lúcida e pelo resgate humano e social dos fatos e personagens.
Abraço,
VALÉRIO MESQUITA
Natal/RN
Acompanhei pelo Jornal de Hoje a trilogia “De Volta ao Passado III – Vendedores Ambulantes”. Parabéns pela análise lúcida e pelo resgate humano e social dos fatos e personagens.
Abraço,
VALÉRIO MESQUITA
Natal/RN
sábado, 11 de junho de 2011
COISAS DE NOSSA TERRA
DE VOLTA AO PASSADO III- VENDEDORES AMBULANTES
O cavaco-chinês é uma massa feita com farinha de trigo e açúcar, de sabor agradável e que se dissolve com facilidade na boca. Muito fino e quebradiço, o biscoito de formato arredondado, tem o tamanho de um prato, mais ou menos 20 centímetros. São transportados dentro de uma espécie de baú cilíndrico, feito de flandre ou alumínio, que o vendedor traz preso às costas atado por uma arreata de couro. Muito embora tendo o nome de chinês, a guloseima teve sua origem na Índia. É praxe dos vendedores de cavaco chinês percorrer vários quilômetros no desempenho do seu ofício. Partiam de fabriquetas que ficavam em bairros mais afastados, e caminhavam até os bairros da Cidade Alta, Tirol e Petrópolis, onde residia a maioria dos seus fregueses.
O percurso era marcado pelo compasso do toque estridente do triangulo de ferro, característica desses profissionais. Tilingue, tilingue tingue, tilingue, tilingue tingue. Bastava ouvir esse toque que todos já sabiam quem vinha passando. A meninada que dispusesse de alguns trocados, não exitavam e logo aparecia nas portas ou janelas a gritar: cavaco! cavaco!
RAFAEL-VENDEDOR DE CAVACO CHINÊS - FOTO EM FRENTE A PGE
Atualmente os vendedores de cavaco chinês ainda podem ser encontrados nas ruas de Natal. O triangulo de ferro, o toque, o baú, tudo continua igual. Apenas a embalagem modificou. Agora são servidos acondicionados em um saco plástico, como infelizmente quase tudo que compramos hoje em dia, com 10 unidades, ao módico preço de R$ 1,00 (Um real).
Havia também o vendedor de geléia de coco, um doce feito a base de açúcar mascavo, mocotó e pedaços de coco. A iguaria era muito apreciada por jovens e adultos, porém igualmente temido para os que se utilizavam de dentaduras postiças. Todo cuidado era pouco na hora de apreciar a guloseima, em virtude de sua consistência. Bastava um descuido na hora de mastigar e a “perereca” ficava agarrada do doce deixando o incauto cidadão em situação vexatória.
Outro personagem que deixou sua marca indelével na memória dos freqüentadores do Cine Rio Grande foi Mané Anão, um vendedor de confeito, como era chamado na época. Em seu tabuleiro havia uma diversidade de balas, drops Dulcora, torrão, buzi, chicletes Adams, pirulito, pastilha Garoto, chiclete de bola ping-pong, e outras bugigangas. Bem antes de iniciar as seções, lá vinha ele com o tabuleiro na cabeça, e andar gingado, peculiar dos que sofrem de nanismo. A mercadoria que ele trazia em consignação da Confeitaria Cirne, do Sr. Múcio Miranda, que ficava no Grande Ponto, onde ao final do dia retornava para guardar seu tabuleiro. Mané Anão era natural de Lajes-RN. Quando o conheci já era um homem de seus 40 anos. Todavia, sempre que não estava trabalhando gostava de tomar umas e outras e embriagava-se com facilidade.
Certa vez, junto com os motoristas da praça de carros de aluguel que ficava no canteiro central em frente à Praça Pio X, hoje a nova Catedral, tomou uma carraspana tão grande que desfaleceu. Seus amigos motoristas, que gostava de fazer gozação com o indefeso anão, lá pela madrugada, colocou Mané completamente despido dentro de um dos cestos de arame que ficava preso ao poste de ferro, onde se colocava o lixo varridos das ruas do centro.
Quando o dia amanheceu e os primeiros trabalhadores passavam pela Deodoro com destino aos seus locais de trabalhos, paravam para ver o “resultado” de uma noite de bebedeira. A cena era hilariante. O pobre anão dormia o sono dos inocentes, completamente despido dentro de um cesto de arame. A ressaca do inditoso vendedor durou quase um mês. Vencida a vergonha, retornou ao “gramado” e depois das pazes feita com os motoristas, tudo começou novamente como se nada tivesse acontecido.
Vez por outra também freqüentava naquelas ruas, o comprador de garrafas. Para transportar sua carga, adotava a mesma técnica dos verdureiros sendo que utilizava apenas um grande balaio em cada lado da peça de madeira – calão-, e ao invés de varas, os balaios eram presos por quatro pedaços de cordas ou arames. Nesses balaios eram distribuídos os produtos que comprava, sempre procurando o equilíbrio do peso em cada um deles.
Com seus passos ritmados que acompanhava o movimento dos balaios e facilitava sua caminhada, anunciava com fala quase musical: “garrafeeeeeiro, compro litro, meio-litro, garrafa, jornal, revista, lata de óleo, quem tiver eu compro!”. E assim passava o dia inteiro carregando sua cruz, para no final da tarde depois de percorrer léguas tirana, revender tudo que tinha conseguido comprar. A carga, geralmente bastante pesada, obrigava-o a conduzi-la em seus cansados e maltratados ombros, até os bairros da Ribeira ou Rocas onde ficavam os depósitos dos compradores desse tipo de mercadorias. Havia também aqueles que utilizavam apenas um grande balaio que transportava na cabeça. Todo esse esforço lhe rendia apenas alguns míseros trocados que dia a dia amealhava para o sustento de sua família.
(Imagem ilustrativa)
Outro famoso personagem que habita minha memória foi o gazeteiro Cambraia. Apelido que adquiriu por ter os cabelos pixains e muito brancos.
Era um homem negro, de estatura elevada, e tinha um vozeirão que chamava a atenção quando anunciava: ô lêlê, ô lêlê, jorná de Natá, ô lêlê, ô lêlê, jorná de Natá. O jornal que anunciava era o Diário de Natal. Tinha um jeitão desconjuntado, e uma voz enrolada que dificultava entender o que dizia. Somente os que o conhecia sabiam o produto que estava vendendo.
Para estimular os fregueses anunciava manchetes que não existiam, causando risos e facilitando a venda. Lembro de certa vez ele passou anunciando aos gritos: Ô lêlê Jorná de Natá, a muié de Batazar engoliu um canhão. E assim, com essa cantiga desengonçada, caminhava pelas ruas sempre se dirigindo para o Grande Ponto, confluência das Ruas João Pessoa com a Princesa Izabel e a Av. Rio Branco, local onde se reunia a intelectualidade da época, seja na calçada do Natal Clube, ou da Farmácia Santa Lygia.
Hoje, ao lembrar aqueles heróicos vendedores ambulantes, minha alma se enche de melancólico. Formavam, sem dúvidas, uma verdadeira instituição de valentes brasileiros que apesar de terem tido poucas oportunidades em suas vidas, mas cada um deles desempenhava seu papel na sociedade com seus trejeitos, suas habilidades, estratégias de venda e principalmente nos dava lição de luta honesta pela sobrevivência. Como admirava esses homens e essas mulheres! Por muito tempo habitaram a minha imaginação. Dentre outros grandes brasileiros, tornaram-se meus verdadeiros heróis, a quem presto meu reconhecimento e minha homenagem.
O cavaco-chinês é uma massa feita com farinha de trigo e açúcar, de sabor agradável e que se dissolve com facilidade na boca. Muito fino e quebradiço, o biscoito de formato arredondado, tem o tamanho de um prato, mais ou menos 20 centímetros. São transportados dentro de uma espécie de baú cilíndrico, feito de flandre ou alumínio, que o vendedor traz preso às costas atado por uma arreata de couro. Muito embora tendo o nome de chinês, a guloseima teve sua origem na Índia. É praxe dos vendedores de cavaco chinês percorrer vários quilômetros no desempenho do seu ofício. Partiam de fabriquetas que ficavam em bairros mais afastados, e caminhavam até os bairros da Cidade Alta, Tirol e Petrópolis, onde residia a maioria dos seus fregueses.
O percurso era marcado pelo compasso do toque estridente do triangulo de ferro, característica desses profissionais. Tilingue, tilingue tingue, tilingue, tilingue tingue. Bastava ouvir esse toque que todos já sabiam quem vinha passando. A meninada que dispusesse de alguns trocados, não exitavam e logo aparecia nas portas ou janelas a gritar: cavaco! cavaco!
RAFAEL-VENDEDOR DE CAVACO CHINÊS - FOTO EM FRENTE A PGE
Atualmente os vendedores de cavaco chinês ainda podem ser encontrados nas ruas de Natal. O triangulo de ferro, o toque, o baú, tudo continua igual. Apenas a embalagem modificou. Agora são servidos acondicionados em um saco plástico, como infelizmente quase tudo que compramos hoje em dia, com 10 unidades, ao módico preço de R$ 1,00 (Um real).
Havia também o vendedor de geléia de coco, um doce feito a base de açúcar mascavo, mocotó e pedaços de coco. A iguaria era muito apreciada por jovens e adultos, porém igualmente temido para os que se utilizavam de dentaduras postiças. Todo cuidado era pouco na hora de apreciar a guloseima, em virtude de sua consistência. Bastava um descuido na hora de mastigar e a “perereca” ficava agarrada do doce deixando o incauto cidadão em situação vexatória.
Outro personagem que deixou sua marca indelével na memória dos freqüentadores do Cine Rio Grande foi Mané Anão, um vendedor de confeito, como era chamado na época. Em seu tabuleiro havia uma diversidade de balas, drops Dulcora, torrão, buzi, chicletes Adams, pirulito, pastilha Garoto, chiclete de bola ping-pong, e outras bugigangas. Bem antes de iniciar as seções, lá vinha ele com o tabuleiro na cabeça, e andar gingado, peculiar dos que sofrem de nanismo. A mercadoria que ele trazia em consignação da Confeitaria Cirne, do Sr. Múcio Miranda, que ficava no Grande Ponto, onde ao final do dia retornava para guardar seu tabuleiro. Mané Anão era natural de Lajes-RN. Quando o conheci já era um homem de seus 40 anos. Todavia, sempre que não estava trabalhando gostava de tomar umas e outras e embriagava-se com facilidade.
Certa vez, junto com os motoristas da praça de carros de aluguel que ficava no canteiro central em frente à Praça Pio X, hoje a nova Catedral, tomou uma carraspana tão grande que desfaleceu. Seus amigos motoristas, que gostava de fazer gozação com o indefeso anão, lá pela madrugada, colocou Mané completamente despido dentro de um dos cestos de arame que ficava preso ao poste de ferro, onde se colocava o lixo varridos das ruas do centro.
Quando o dia amanheceu e os primeiros trabalhadores passavam pela Deodoro com destino aos seus locais de trabalhos, paravam para ver o “resultado” de uma noite de bebedeira. A cena era hilariante. O pobre anão dormia o sono dos inocentes, completamente despido dentro de um cesto de arame. A ressaca do inditoso vendedor durou quase um mês. Vencida a vergonha, retornou ao “gramado” e depois das pazes feita com os motoristas, tudo começou novamente como se nada tivesse acontecido.
Vez por outra também freqüentava naquelas ruas, o comprador de garrafas. Para transportar sua carga, adotava a mesma técnica dos verdureiros sendo que utilizava apenas um grande balaio em cada lado da peça de madeira – calão-, e ao invés de varas, os balaios eram presos por quatro pedaços de cordas ou arames. Nesses balaios eram distribuídos os produtos que comprava, sempre procurando o equilíbrio do peso em cada um deles.
Com seus passos ritmados que acompanhava o movimento dos balaios e facilitava sua caminhada, anunciava com fala quase musical: “garrafeeeeeiro, compro litro, meio-litro, garrafa, jornal, revista, lata de óleo, quem tiver eu compro!”. E assim passava o dia inteiro carregando sua cruz, para no final da tarde depois de percorrer léguas tirana, revender tudo que tinha conseguido comprar. A carga, geralmente bastante pesada, obrigava-o a conduzi-la em seus cansados e maltratados ombros, até os bairros da Ribeira ou Rocas onde ficavam os depósitos dos compradores desse tipo de mercadorias. Havia também aqueles que utilizavam apenas um grande balaio que transportava na cabeça. Todo esse esforço lhe rendia apenas alguns míseros trocados que dia a dia amealhava para o sustento de sua família.
(Imagem ilustrativa) |
(Imagem ilustrativa)
Outro famoso personagem que habita minha memória foi o gazeteiro Cambraia. Apelido que adquiriu por ter os cabelos pixains e muito brancos.
Era um homem negro, de estatura elevada, e tinha um vozeirão que chamava a atenção quando anunciava: ô lêlê, ô lêlê, jorná de Natá, ô lêlê, ô lêlê, jorná de Natá. O jornal que anunciava era o Diário de Natal. Tinha um jeitão desconjuntado, e uma voz enrolada que dificultava entender o que dizia. Somente os que o conhecia sabiam o produto que estava vendendo.
Para estimular os fregueses anunciava manchetes que não existiam, causando risos e facilitando a venda. Lembro de certa vez ele passou anunciando aos gritos: Ô lêlê Jorná de Natá, a muié de Batazar engoliu um canhão. E assim, com essa cantiga desengonçada, caminhava pelas ruas sempre se dirigindo para o Grande Ponto, confluência das Ruas João Pessoa com a Princesa Izabel e a Av. Rio Branco, local onde se reunia a intelectualidade da época, seja na calçada do Natal Clube, ou da Farmácia Santa Lygia.
Hoje, ao lembrar aqueles heróicos vendedores ambulantes, minha alma se enche de melancólico. Formavam, sem dúvidas, uma verdadeira instituição de valentes brasileiros que apesar de terem tido poucas oportunidades em suas vidas, mas cada um deles desempenhava seu papel na sociedade com seus trejeitos, suas habilidades, estratégias de venda e principalmente nos dava lição de luta honesta pela sobrevivência. Como admirava esses homens e essas mulheres! Por muito tempo habitaram a minha imaginação. Dentre outros grandes brasileiros, tornaram-se meus verdadeiros heróis, a quem presto meu reconhecimento e minha homenagem.
terça-feira, 7 de junho de 2011
sexta-feira, 3 de junho de 2011
COISAS DE NOSSA TERRA
DE VOLTA AO PASSADO II -VENDEDORES AMBULANTES
Nas minhas recordações da Av. Deodoro, lembro também dos vendedores ambulantes, muito comuns naquela época. Subindo a rua com seu andar vagaroso, lá vinha o verdureiro. Após se abastecer de frutas e verduras no velho mercado municipal que ficava na Av. Rio Branco onde hoje se localiza o Banco do Brasil, passava bem cedinho em frente às nossas casas. Sempre usando um chapéu de palha para se proteger do sol, andar ritimado como quem dança um xote, anunciava em voz dolente: verdureeeeiroo! Frutas e verduras fresquiiiinhas! Os produtos eram dispostos em três balaios que presos uns aos outros por varas, formavam uma espécie de prateleira. Os dois conjuntos de três cestos eram atrelados a uma madeira roliça, conhecida como calão, que o vendedor conduzia nos ombros. No primeiro cesto e consequentemente o maior de todos, eram arrumadas as mercadorias de maior porte como: Jerimum, mandioca, batata doce, inhame, banana, melancia, mamão e outras frutas, dependendo da sazonalidade.
Acima dele, num cesto de menor tamanho vinham os tomates, pimentões, molhos de feijão verde (ainda não se usava vender o feijão já debulhado e acondicionado em sacos plásticos), cebolas, batata inglesa etc. Por último, ficava o menor de todos, que se destinava ao chamado “tempero verde”. Nele eram colocadas as folhagens: couve, alface, cebolinha, coentro, etc. Também expunham penduradas as varas que uniam os cestos, belas tranças de alho, que era mercadoria de maior valor. Trazia ainda, se por encomenda, diversas raízes, ervas aromáticas e medicinais tais como: manjericão, erva doce, louro, hortelã pimenta, colorau, cravo da Índia, canela, pimenta do reino, cominho, gengibre etc.
As varas que prendiam os cestos partiam 10 centímetros abaixo do balaio maior, para impedir que o mesmo, quando retirado do ombro do verdureiro para servir a clientela, não tocasse no solo, preservando assim a qualidade dos alimentos, principalmente nas épocas chuvosas. O peso desse conjunto era distribuído proporcionalmente, de maneira a facilitar ao condutor o transporte da carga. Essa antiga maneira de carregar mercadorias que tem sua origem na China deve ter chegado ao Brasil trazido pelos colonizadores portugueses que mantinham diversas colônias no continente asiático.
Outros vendedores também desfilavam por aquelas ruas anunciando seus produtos. Gritavam a todos os pulmões, não obstante o grande esforço que fazia para dar um tom melódico a sua voz, prática comum aos vendedores ambulantes.
Cedo do dia, estrategicamente antes do café da manhã, e no fim da tarde, ouvíamos o vendedor de cuscuz que gritava: “cuscuz da mata bem fresquiiiiinho!” vamos Dona, compre um cuscuizinho pra comer com um café quentinho!!! Como se não bastasse todo esse anuncio, no intuito de despertar ainda mais a atenção das donas de casa, também batia com a espátula que usava para retirar o cuscuz, na perna do tabuleiro, provocando um barulho característico, aumentando ainda mais o poder de chamar a atenção dos possíveis compradores.
Por ali também passava uma senhora que, com voz trêmula e cansada, anunciava: “Carimãããããã novinha, vai passando a carimã!!”. Produto extraído a partir da raiz da mandioca que, após processo de fermentação, é utilizada para fazer bolos e biscoitos. Também é conhecida como puba ou mandioca mole.
Lembro bem da vendedora, uma senhora baixinha e carrancuda, que parecia ter uns 65 anos de idade. Tinha cabelos brancos prateados que após enrolados eram presos para trás e terminava num bem elaborado coque, que juntamente com a rodilha, dava apoio para o caixote onde trazia bem acondicionado, o seu produto. O caixote, coberto com um pano muito alvo, era equilibrado com muita habilidade em sua cabeça. Sua voz arrastada e seu semblante marcado com rugas do tempo denotavam cansaço.
Essa vendedora sempre andava com um porrete de madeira à mão. Pela idade avançada, o bastão lhe servia de bengala em suas caminhadas. Tinha também a função de se defender dos cães vadios que perambulavam pelas ruas a procura de alimentos nas latas de lixo. Porém, sua principal utilidade era “ameaçar” os garotos, que traquinos, sempre mexiam com a pobre senhora. Escondidos atrás dos pés de ficus esperavam sua passagem. Quando ela anunciava aos berros: “carimããããããñnnn, vai passando a carimãaaaannn!!” logo ouvia-se alguém gritar: A CARIMÃ ESTÁ PODRE!! Aí o tempo fechava. Disparava uma série de palavrões sempre dando maior ênfase, aqueles que atingiam a genitora do dono da voz, que oculto se divertia com o desfile das mais obscenas palavras, que ela guardava justamente para essas ocasiões. Se conseguisse ver o garoto, ameaçava alcançá-lo para lhe aplicar um corretivo. Mas a ameaça ficava apenas nos palavrões, pois sabia nunca conseguiria alcançá-lo, e resignada, seguia seu caminho, anunciando sua mercadoria.
Na esquina da Av. Deodoro com a Rua Ulisses Caldas, onde ainda hoje existe o Colégio da Imaculada Conceição, era “ponto comercial” de um vendedor de “poli”, uma espécie de picolé dos anos 60, muito apreciado naquela época. Há quem defenda que o nome “poli” teve sua origem nesse tal picolé que era vendido em frente ao cine Polytheama, que ficava na rua Chile, no Bairro da Ribeira, e foi o primeiro cinema de Natal. Daí a origem do nome, que por sinal só era conhecido em nossa cidade. O cinema foi inaugurado no dia 8 de dezembro de 1912, e seu proprietário era Petronilo Gomes de Paiva. O “poli” popularizou-se através de algumas pessoas que possuíam geladeira, não raro, também, o produziam tanto para consumo como também para venda. Eram conhecidos como “poli de caçamba” ou “poli de geladeira”. Ainda recordo as placas de madeira tosca que eram exibidas na frente de algumas casas com a inscrição: ”VENDE-SE POLI”
O tal vendedor era conhecido pelo carinhoso apelido de Prego. Nunca soubemos o seu verdadeiro nome. Tratava-se de um homem moreno, alto e magro, de meia idade. Tinha como atrativo para vender seu produto, uma enorme língua que apertava entre as gengivas, já que era desprovido de todos os dentes, ao tempo que fazia uma assustadora careta causando risos incontroláveis aos passantes.
Nessa mesma esquina, sem que houvesse concorrência ou disputa, também podiam ser encontrados vendedores de pitombas, roletes de cana-caiana, alfenim, e às vezes até o vendedor de cavaco chinês, acostumado a percorrer grandes distâncias no bom desempenho de seu ofício, ali se demorava um pouco por ocasião do término das aulas.
As crianças de hoje não puderam vivenciar todas essas passagens, exceto ao não menos famoso cavaco chinês que ainda hoje ouvimos o tilintar do seu triangulo e que permanece fazendo a alegria, tanto para as crianças, quanto para os pais que, revigorados, fazem uma viagem de volta ao passado.
Nas minhas recordações da Av. Deodoro, lembro também dos vendedores ambulantes, muito comuns naquela época. Subindo a rua com seu andar vagaroso, lá vinha o verdureiro. Após se abastecer de frutas e verduras no velho mercado municipal que ficava na Av. Rio Branco onde hoje se localiza o Banco do Brasil, passava bem cedinho em frente às nossas casas. Sempre usando um chapéu de palha para se proteger do sol, andar ritimado como quem dança um xote, anunciava em voz dolente: verdureeeeiroo! Frutas e verduras fresquiiiinhas! Os produtos eram dispostos em três balaios que presos uns aos outros por varas, formavam uma espécie de prateleira. Os dois conjuntos de três cestos eram atrelados a uma madeira roliça, conhecida como calão, que o vendedor conduzia nos ombros. No primeiro cesto e consequentemente o maior de todos, eram arrumadas as mercadorias de maior porte como: Jerimum, mandioca, batata doce, inhame, banana, melancia, mamão e outras frutas, dependendo da sazonalidade.
Acima dele, num cesto de menor tamanho vinham os tomates, pimentões, molhos de feijão verde (ainda não se usava vender o feijão já debulhado e acondicionado em sacos plásticos), cebolas, batata inglesa etc. Por último, ficava o menor de todos, que se destinava ao chamado “tempero verde”. Nele eram colocadas as folhagens: couve, alface, cebolinha, coentro, etc. Também expunham penduradas as varas que uniam os cestos, belas tranças de alho, que era mercadoria de maior valor. Trazia ainda, se por encomenda, diversas raízes, ervas aromáticas e medicinais tais como: manjericão, erva doce, louro, hortelã pimenta, colorau, cravo da Índia, canela, pimenta do reino, cominho, gengibre etc.
As varas que prendiam os cestos partiam 10 centímetros abaixo do balaio maior, para impedir que o mesmo, quando retirado do ombro do verdureiro para servir a clientela, não tocasse no solo, preservando assim a qualidade dos alimentos, principalmente nas épocas chuvosas. O peso desse conjunto era distribuído proporcionalmente, de maneira a facilitar ao condutor o transporte da carga. Essa antiga maneira de carregar mercadorias que tem sua origem na China deve ter chegado ao Brasil trazido pelos colonizadores portugueses que mantinham diversas colônias no continente asiático.
Outros vendedores também desfilavam por aquelas ruas anunciando seus produtos. Gritavam a todos os pulmões, não obstante o grande esforço que fazia para dar um tom melódico a sua voz, prática comum aos vendedores ambulantes.
Cedo do dia, estrategicamente antes do café da manhã, e no fim da tarde, ouvíamos o vendedor de cuscuz que gritava: “cuscuz da mata bem fresquiiiiinho!” vamos Dona, compre um cuscuizinho pra comer com um café quentinho!!! Como se não bastasse todo esse anuncio, no intuito de despertar ainda mais a atenção das donas de casa, também batia com a espátula que usava para retirar o cuscuz, na perna do tabuleiro, provocando um barulho característico, aumentando ainda mais o poder de chamar a atenção dos possíveis compradores.
Por ali também passava uma senhora que, com voz trêmula e cansada, anunciava: “Carimãããããã novinha, vai passando a carimã!!”. Produto extraído a partir da raiz da mandioca que, após processo de fermentação, é utilizada para fazer bolos e biscoitos. Também é conhecida como puba ou mandioca mole.
Lembro bem da vendedora, uma senhora baixinha e carrancuda, que parecia ter uns 65 anos de idade. Tinha cabelos brancos prateados que após enrolados eram presos para trás e terminava num bem elaborado coque, que juntamente com a rodilha, dava apoio para o caixote onde trazia bem acondicionado, o seu produto. O caixote, coberto com um pano muito alvo, era equilibrado com muita habilidade em sua cabeça. Sua voz arrastada e seu semblante marcado com rugas do tempo denotavam cansaço.
Essa vendedora sempre andava com um porrete de madeira à mão. Pela idade avançada, o bastão lhe servia de bengala em suas caminhadas. Tinha também a função de se defender dos cães vadios que perambulavam pelas ruas a procura de alimentos nas latas de lixo. Porém, sua principal utilidade era “ameaçar” os garotos, que traquinos, sempre mexiam com a pobre senhora. Escondidos atrás dos pés de ficus esperavam sua passagem. Quando ela anunciava aos berros: “carimããããããñnnn, vai passando a carimãaaaannn!!” logo ouvia-se alguém gritar: A CARIMÃ ESTÁ PODRE!! Aí o tempo fechava. Disparava uma série de palavrões sempre dando maior ênfase, aqueles que atingiam a genitora do dono da voz, que oculto se divertia com o desfile das mais obscenas palavras, que ela guardava justamente para essas ocasiões. Se conseguisse ver o garoto, ameaçava alcançá-lo para lhe aplicar um corretivo. Mas a ameaça ficava apenas nos palavrões, pois sabia nunca conseguiria alcançá-lo, e resignada, seguia seu caminho, anunciando sua mercadoria.
Na esquina da Av. Deodoro com a Rua Ulisses Caldas, onde ainda hoje existe o Colégio da Imaculada Conceição, era “ponto comercial” de um vendedor de “poli”, uma espécie de picolé dos anos 60, muito apreciado naquela época. Há quem defenda que o nome “poli” teve sua origem nesse tal picolé que era vendido em frente ao cine Polytheama, que ficava na rua Chile, no Bairro da Ribeira, e foi o primeiro cinema de Natal. Daí a origem do nome, que por sinal só era conhecido em nossa cidade. O cinema foi inaugurado no dia 8 de dezembro de 1912, e seu proprietário era Petronilo Gomes de Paiva. O “poli” popularizou-se através de algumas pessoas que possuíam geladeira, não raro, também, o produziam tanto para consumo como também para venda. Eram conhecidos como “poli de caçamba” ou “poli de geladeira”. Ainda recordo as placas de madeira tosca que eram exibidas na frente de algumas casas com a inscrição: ”VENDE-SE POLI”
O tal vendedor era conhecido pelo carinhoso apelido de Prego. Nunca soubemos o seu verdadeiro nome. Tratava-se de um homem moreno, alto e magro, de meia idade. Tinha como atrativo para vender seu produto, uma enorme língua que apertava entre as gengivas, já que era desprovido de todos os dentes, ao tempo que fazia uma assustadora careta causando risos incontroláveis aos passantes.
Nessa mesma esquina, sem que houvesse concorrência ou disputa, também podiam ser encontrados vendedores de pitombas, roletes de cana-caiana, alfenim, e às vezes até o vendedor de cavaco chinês, acostumado a percorrer grandes distâncias no bom desempenho de seu ofício, ali se demorava um pouco por ocasião do término das aulas.
As crianças de hoje não puderam vivenciar todas essas passagens, exceto ao não menos famoso cavaco chinês que ainda hoje ouvimos o tilintar do seu triangulo e que permanece fazendo a alegria, tanto para as crianças, quanto para os pais que, revigorados, fazem uma viagem de volta ao passado.
quarta-feira, 1 de junho de 2011
OS PÁSSAROS VOLTARAM
Do poeta Ciro Tavares inspirado na crônica Os Pássaros Voltaram
OS PÁSSAROS
Há sempre boas lembranças dos nossos dias,
recordações permanentes que só a morte abandona.
Regresso à antiga praça no meio das tardes estivais,
Meninos de calças curtas, suas bicicleta e patins.
Éramos muitos sem dar conta do avanço das horas.
Um dia, desses que não fogem, houve a magia do momento,
Que ficou na melancolia das retinas.
Súbito silêncio nos rondou, depois a ventania o pó das ruas
Finalmente a algazarra dos pássaros assombrando.
A revoada acinzentou o espaço onde o balé acontecia
por minutos incontáveis nosso alumbramento.
Foram-se com medo do poente que chegava,
e nunca mais voltaram aos saudosos olhos que voaram.
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