quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
CARTA AO AMIGO – NOTÍCIAS DA PIPA (Primeira parte)
Foi com imensa alegria que ontem, dia 24, recebi uma ligação telefônica de um amigo, de quem há anos não tinha notícia. Ele informou ter-me localizado através do blog (www.ormuzsimonetti.blogspot.com), quando navegava pela Internet, fazendo um tour pelas praias no Nordeste – um dos seus passatempos preferidos. Leu algumas das minhas crônicas sobre a Praia da Pipa e resolveu entrar, de imediato, em contato comigo.
Em 1988, aqui esteve, quando visitava o Rio Grande do Norte. A meu convite, passou alguns dias em nossa casa na Pipa, tempo suficiente para lhe apresentar a praia de Norte a Sul.
Ficou encantado com a geografia do lugar. Naquela época a praia, ainda um tanto “selvagem”, transmitia àquele carioca, que até então só conhecia as praias de sua região, ares de mistério e aventura. A beleza das falésias, a alvura da areia em contraste com a cor negra dos arenitos ferruginosos, a calidez das águas e sua infinita transparência lhe deixaram deveras impressionado.
Decorridos alguns minutos de animada conversa em que tivemos a oportunidade de reviver velhas lembranças da época que trabalhamos juntos no Banco do Brasil em sua cidade, percebi que havia uma mistura curiosidade e saudade do tempo em que nos visitou, e que essas reminiscências continuavam bem vivas em sua memória. Ao se despedir, cantarolou um trecho da música “Samba em Orly”, de Chico Buarque de Holanda, em alusão aos “anos de chumbo”, época em que participávamos de movimentos estudantis na Cinelândia: “...Vê como é que anda aquela vida à toa e se puder me mande uma notícia boa”. Antes que desligasse o telefone, fez-me prometer que lhe escreveria contando mais notícias desse paraíso – como classificou nossa praia.
Praia da Pipa, 25 de janeiro de 2012.
Meu caro amigo,
Como prometi, seguem notícias desse veraneio, já quase no apagar das luzes, na nossa velha e querida Praia da Pipa.
A quarta-feira iniciava com uma manhã morna e preguiçosa, não obstante as chuvas caídas durante madrugada, anunciando o final da temporada do veraneio de 2012. A maré de vazante mostrava-se ideal para uma caminhada. A preamar tinha ocorrido às 4:56h e a baixa-mar estava prevista para às 11:02h. Lá pelas 10h da manhã, como de costume, minha esposa, uns amigos e eu saímos para fazer nossa caminhada diária. Rumamos para o Norte, em direção à praia do “Curral do Canto”, hoje mais conhecida como “Baía dos Golfinhos”, pois sabíamos que o tempo para ir e voltar seria suficiente até que as águas da maré enchente encobrissem as pedras espalhadas no caminho entre as praias do Porto e do Curral do Canto.
Nesses locais, quando a maré enche, as pedras ficam encobertas pela água, criando grande dificuldade para transpô-las. Quando isso ocorre, não raro alguém sofre pequenos machucados.
Ao contrário da caminhada no sentido Sul, em direção à “Pedra do Moleque” – um dos locais que mais lhe encantou, o trecho da travessia com pedras é bem maior, já o espaço livre desses obstáculos, onde se pode caminhar, é visivelmente menor. Nessa época do ano, o lado Norte tem menos pedras no caminho. Entre a ponta da falésia do Curral do Canto, que se projeta mar adentro, e a Ponta do Madeiro, que tem o mesmo arquétipo, a praia é totalmente livre. Tal situação torna a caminhada segura e prazerosa. Porém, nesse local, o passeio só pode ser realizado com a maré baixa. Para se chegar lá, precisamos atravessar grande quantidade desses “arenitos ferruginosos” que, como já foi dito, estende-se pelas praias do Porto, Porto de Baixo, Baixinha até o início da Praia do Curral do Canto.
Se por acaso o indivíduo, por mera distração ou falta de conhecimento do local e do movimento das marés, demore mais do que é necessário para retornar, certamente, encontrará dificuldades para transpor a faixa de pedras.
As praias situadas no distrito da Pipa têm como principal característica sua proximidade com o mar, por isso, todas as vezes, por ocasião da preamar, as ondas, ao se esparramarem na praia, chegam com facilidade ao sopé das falésias. Ultimamente, com o famigerado aquecimento global, é notório o avanço do oceano em direção ao continente, principalmente na costa nordestina, e isso tem causado muita devastação em diversas praias, inclusive nas praias do distrito da Pipa.
Quem mais sofre com isso são as falésias que, por serem constituídas de material argiloso, não resistem ao impacto das vagas que provocam erosão em suas bases e o seu consequente desmoronamento.
A falésia do Curral do Canto – uma das que mais sofreram com o fenômeno, recebeu, ainda, uma “ajuda extra”: o desmatamento para a construção de um hotel em sua parte superior fez infiltrar as águas de chuva e servidas, o que contribuiu e contribui sobremaneira para o seu constante desmoronamento. Calculo que, nos últimos vinte anos, essa falésia já perdeu mais de 30 metros da parte que se projeta mar adentro.
Em 2009, a força das marés de janeiro provocou na Praia do Madeiro, pelo lado Norte, acentuada devastação. Árvores foram tombadas e algumas construções edificadas indevidamente em seu sopé também foram destruídas.
O mesmo fenômeno ocorre também na Praia do Centro, onde se concentra a maioria das casas de veranistas. Nesse caso, não houve danos, visto que a arrebentação das ondas é contida pelos inúmeros quebra-mares construídos em frente às residências.
A partir do mês de novembro, como é tradição dos antigos veranistas, iniciei uma pequena reforma na nossa velha casa, que ainda guarda alguns traços das antigas construção de taipa. Essa casa é a mesma que você se hospedou quando aqui esteve nos anos 80. Em época remota pertenceu a um pescador nativo da região.
Quebra aqui, conserta acolá, e a pequena reforma logo se tornara grande, com todos os problemas advindos desse tipo de labor.
Como você sabe, parte de minha casa ainda guarda traços da antiga construção, por exemplo: algumas paredes permanecem de taipa e parte da casa ainda era coberta com telhas feitas nas antigas olarias de Aracati. Precisando colocar uma janela numa dessas paredes, ao quebrar parte dela, as madeiras que compunham a estrutura de taipa começaram a aparecer. Os esteios de pau-ferro traçados com varas, amarradas de cipós e cobertas com barro batido, ainda encontravam-se em perfeito estado de conservação. Imaginem que essa construção é de 1920, portanto, com quase 100 anos.
Pude, então, mais uma vez, constatar a segurança e a durabilidade desse tipo de construção, tão comum em toda a zona rural do Nordeste do país.
A reforma me obrigou a ir além do que eu esperava, e as mudanças levaram-me a substituir pelo menos quatro mil dessas telhas. Eram telhas magníficas. Lembro que elas logo chamaram a sua atenção quando aqui esteve. De cor branca, medindo 60cm de comprimento e pesando em média 1,5kg, cada, foram produzidas artesanalmente nas olarias de Aracati – cidade litorânea do vizinho Estado do Ceará. Chegaram aqui no início do século XX, nos porões dos botes dos próprios pescadores que velejavam até o Estado vizinho para adquirir esse material.
Telhas feitas nas olarias de Aracati-CEEmbora na região agreste de nosso Estado já se fabricasse telhas em diversas olarias, o transporte até a Praia da Pipa era muito precário. Como não existia estrada, o único meio de transporte era o lombo de animais de carga, o que, certamente, tornava impraticável o transporte desse material, devido à pequena quantidade de peças que eles eram capazes de transportar por viagem. Restava-lhes, apenas, o transporte pelo mar que, apesar da distância, era economicamente o mais indicado, pois tinham a seu favor o tempo e o vento.
Nos anos 60 e 70, esse tipo de telha cobria a maioria das casas da nossa pequena comunidade. Com a modernidade das construções, aos poucos foram sendo substituídas por telas vermelhas adquiridas nas cerâmicas de Goianinha e adjacências. A nossa casa era uma das últimas a utilizar, em parte de sua cobertura, esse tipo de telha. Obrigado a substituí-las em virtude da reforma, ofereci-as primeiramente à igreja católica, que, em recente reforma, fora coberta com telhas de cimento amianto, as quais, no meu entender, constitui verdadeira agressão à preservação histórica daquele monumento construído na década de 40.
Infelizmente, a doação foi recusada. Sem alternativa, optei por doá-las a um nativo de poucas posses. Para meu regozijo, hoje elas cobrem a choupana onde ele se abriga juntamente com sua família.
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