Sou um genealogista – mas acalmem-se,
pois não é contagioso. No fundo, a gente queria que fosse, mas não é. Um
genealogista é um sujeito que resolve desenterrar toda a história familiar para
descobrir quem eram e o que faziam os seus antepassados mais remotos. Um doido,
portanto. Para conseguir isso, ele mexe em todos os papéis velhos da família –
aqueles que você acha que não valem nada, mas que ele dará um grito de
satisfação quando encontrar. Fará perguntas insistentes a cada membro da
família.
Quer saber os mínimos detalhes de
coisas que você com certeza não se lembra. É capaz de passar horas metido em um
cartório, casa paroquial ou arquivo histórico remexendo livros velhos,
amarelados e cheio de fungos. Isso porque ele PRECISA esclarecer algum mistério
na história da sua família e assim descobrir quem foram realmente as pessoas
que o antecederam.
Esta é uma imagem digna de nota: o
genealogista, em uma sala silenciosa, absolutamente concentrado em sua
pesquisa. Eis que de repente ele vislumbra um registro e pensa: “Será
possível?”. Excitado, confere de novo. Sim, ele achou exatamente aquilo que
procurava. É nesse momento que todos os genealogistas têm vontade de gritar a
plenos pulmões “ACHEI, ACHEI! EUREKA!” – muitos se contém, mas é exatamente
isso o que ele murmuram para si mesmos. E se alguém estiver perto e quiser
saber o que o sujeito descobriu, provavelmente vai se decepcionar ao ver que
foi apenas um registro de casamento super antigo que deu a ele o nome de quatro
novos octavós ou coisa do tipo.
Aos poucos, o genealogista vai
montando a sua árvore genealógica. Descobre antepassados que ninguém da sua
família fazia a menor ideia que tivesse. No começo, ele conta as suas
descobertas com entusiasmo. Alguns parentes demonstram certo interesse – e em seguida
esquecem absolutamente tudo o que o genealogista disse.
Para uma pessoa normal, qualquer
coisa acontecida há cem anos foi praticamente na pré-história. E então o
genealogista despeja em cima dela informações de 1800, 1700, 1600… É quando vem
a famosa frase, que todo genealogista um dia ouve: “Você vai acabar chegando no
Adão!”.
Com o tempo, o genealogista percebe
que sua paixão é solitária. Não há registro de um casal de genealogistas, por
exemplo. E seria até temário pensar em algo assim, pois eles certamente se
esqueceriam de viver. Em geral, o genealogista não encontra no dia a dia quem
lhe compreenda. Há parentes distantes que acham estranho esse interesse pelo
passado da família e insinuam que o genealogista está de olho em alguma
herança. Felizmente há a internet, e nela o genealogista encontra outros
genealogistas, e eles se juntam em grupos de cooperação mútua, mais ou menos
como os alcoólicos. Nessa troca de informações, conseguem verdadeiros
prodígios, e se não chegam mesmo até o Adão não é por falta de esforço.
Os nossos Sherlocks ainda precisam
lidar com garranchos, registros omissos ou contraditórios entre si, além de
dificuldades no acesso a documentos. Parafraseando Einstein: perto do que foi o
passado, aquilo que o genealogista consegue descobrir é algo de tosco e
primitivo – mas é também aquilo que temos de mais precioso sobre ele.