Antônio Sérgio Medeiros da Silveira.
Entre
todos os povos, as lendas formam a tradição viva do pensamento primitivo.
Constituem a base dos contos populares, são transmitidas oralmente e
conservadas pelo costume. Elas crescem com os conhecimentos diários e se
incorporam à vida cotidiana.
Em Ceará-Mirim, esse patrimônio de tradições é fruto de inúmeras estórias
cultuadas por gerações e gerações. Refletem o desenvolvimento sócio-econômico e
cultural de seu povo e se vinculam ao florescer da atividade agro açucareira no
vale. São relatos contados nas dependências dos velhos engenhos. Com o passar
do tempo, foram sendo adoçados e se transformando noutros, misturando-se a
elementos que expressam a formação étnica de seu povo.
Narram os antigos que em um dos engenhos se cometiam perversidades tais que
causavam repulsa até mesmo aos outros proprietários do vale. Eram episódios que
manchavam de vergonha, tamanha a sua crueldade, mesmo numa época em que era
comum a aplicação de castigos físicos aos escravos. Tais castigos, para alguns,
se assemelhavam ao próprio inferno vivenciado na terra.
Dizem que num túmulo do cemitério velho de Ceará-Mirim vive uma gigantesca
serpente, que seria a personificação da antiga senhora desse engenho. Trata-se
da lenda da mulher que virou serpente. Falecida repentinamente, como forma de
tocar o coração do seu esposo e a pedido dos deuses, seu corpo teria se
transformado numa grande serpente que devia ser contida. Seu túmulo foi
concretado e acorrentado devido às grandes rachaduras ali surgidas.
Para os dogmas cristãos, essa transformação traduz a incessante luta entre o
Bem e o Mal. Nos livros do Gênesis e de Isaías o Mal é textualmente chamado de
Serpentem Tortuosum. Ele age em forma de serpente, representando as forças
subterrâneas, misteriosas e identificadas como sendo o espírito das trevas. Por
outro lado, essa manifestação reproduz o pecado original com todas as suas
desastrosas conseqüências: o Tentador, a Tentação, a Queda e o Castigo, como se
refere a Bíblia: Callidis Simum Omnium Animatium.
O senhor desse engenho exigia de seus escravos cega obediência e eles faziam de
tudo para servi-lo. Segundo Madalena Antunes, no seu livro de memórias,
Oiteiro, “quem tinha negro ruim, vendia ao dono daquele engenho ou, quando
muito, uma simples ameaça era o suficiente para o infeliz, amedrontado, logo
melhorar a conduta”.
Conta-se, ainda, que até os animais reclamavam dos abusos ali praticados. Das estórias narradas, uma se faz presente no cotidiano popular: “o boi que teria falado”. Num certo dia, como noutro qualquer naquele engenho, cansado da lida, um boi teria exclamado: “Não é possível que nem na sexta-feira santa se descanse nessa propriedade”.
Conta-se, ainda, que até os animais reclamavam dos abusos ali praticados. Das estórias narradas, uma se faz presente no cotidiano popular: “o boi que teria falado”. Num certo dia, como noutro qualquer naquele engenho, cansado da lida, um boi teria exclamado: “Não é possível que nem na sexta-feira santa se descanse nessa propriedade”.
Também faz parte do imaginário popular de Ceará-Mirim a estória da baleia que
estaria dormindo num gigantesco berço posto em baixo do altar-mor da matriz.
Conta-se que, após uma salutar disputa entre Santa Águeda e Nossa Senhora da
Conceição, pela escolha da Padroeira da Cidade, Santa Águeda, derrotada, teria
invocado a Deus que aprisionasse aquele animal, libertando-o somente quando as águas
do Rio Ceará-Mirim banhassem a calçada da Matriz.
A lenda da Cabaça é outra narração que faz parte da imaginação popular, sendo
alimentada pela existência de um grande rio subterrâneo que corta a cidade de
ponta a ponta. Segundo os moradores do município, ao se mergulhar um porongo no
Rio do Mudo, na Jacoca, ele é levado pelas águas, surgindo no Olheiro Pedro II,
próximo à estação ferroviária da cidade. Conta-se que esse rio é a fonte
principal a alimentar os olhos d’água do município.
- Fonte: Ceará-Mirim Tradição, Engenho e Arte - UFRN/SEBRAE/Prefeitura de Ceará-Mirim - 2005.