ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG, membro da UBE-RN e do IHGRN)
www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br
PUBLICADA EM “O JORNALDEHOJE” EDIÇÃO DE 28 DE MAIO DE 2010.
Pipa e seus personagens
O LINDO OLHAR
Nos idos dos anos 90, o nosso querido vizinho estado da Paraíba, mais uma vez, nos envia outro de seus filhos. Desta vez foi o cidadão do mundo, João Batista Gomes, conhecido internacionalmente por “Lindo Olhar”. Chegou à Pipa como ajudante de cozinha, fazendo parte de uma equipe de profissionais encarregados de abrir um restaurante especializado em frutos do mar. A Pipa começava a ficar famosa também por sua diversidade culinária. O dono do restaurante, com matriz em João Pessoa, enxergou naquela praia a possibilidades de realizar bons negócios. O fluxo turístico era intenso e nos fins de semana, várias pessoas se deslocavam, tanto de Natal como de cidades vizinhas, somente para provar sua famosa gastronomia e aproveitavam para curtir as agitadas noites daquele balneário, com suas ruas estreitas apinhadas de gente de todas as idades e nacionalidades.
João Batista, quando morava em sua terra natal, costumava fazer “bicos” nas areias das praias de Tambaú, Cabo Branco e Bessa. Nessa época atendia pelo cognome de “Pantera”, em alusão ao personagem do desenho animado “A Pantera Cor de Rosa”, devido a sua aparência física e caricata. Tempos depois, muito magro e com boa estatura, especializou-se em dançar para atrair turistas aos locais que trabalhava ao longo das praias. Com essa nova performance, logo lhe apelidaram de “Mastruz com Leite”, nome do um grupo musical cearense especializado em forró eletrônico.
Certo dia na praia de Tambaú, atuando como propagandista de um dos restaurantes na orla marítima, ofereceu e um casal de turistas os serviços culinários. Conversa vai conversa vem, ele tira os óculos escuros, que usava na ocasião, disse ele, pra melhor encarar a vítima. Foi aí que o turista notou certo estrabismo naquele dedicado funcionário e disse de chofre: “Ei cara! Você está com um olho para mim e o outro pra minha esposa. Você tem mesmo um “lindo olhar”!” Entre negativas e desculpas, ainda conseguiu levar o incauto cliente para degustar as maravilhas daquela cozinha, que afirmava ter cardápio internacional.
Quando resolveu mudar de cidade, deixou pra trás o emprego no restaurante, sua cidade natal, os amigos e colegas de profissão, mas não o apelido, do qual muito se orgulha.
Na Pipa, trabalhou por um tempo nesse restaurante, mas teve problemas com a cozinheira que, mesmo não sendo correspondida, nutria por ele uma paixão avassaladora. Frustrada por não ter conseguido namorar aquele “belo espécime da raça humana”, vingou-se de maneira sórdida virando o jogo a seu favor. Comunicou ao patrão que estava sendo assediada pelo colega. Diante disso, este não teve alternativa a não ser despedir o inocente Lindo Olhar.
Desempregado e enfrentando dificuldade para conseguir novo emprego, em momento algum se deixou abater e foi à luta. Seu olho aguçado de sobrevivente urbano, logo enxerga uma possibilidade de conseguir ganhar alguns trocados. A ladeira que desce para a praia sempre foi ponto de estacionamento de carros. Nessa época, ainda não havia aparecido por aquelas bandas os famigerados “flanelinha” e ele aproveitou essa brecha para faturar algum.
Adquiriu flanela e balde e passou a lavar os carros sem que os proprietários solicitassem. Como não cobrava pelo serviço, as pessoas quando retornavam da praia e encontravam seus carros lavados, sentiam-se na obrigação de recompensá-lo. Muito comunicativo fazia e faz amizade com extrema facilidade. Viveu assim por um curto período até que conseguiu outro emprego melhor remunerado e com direito a alimentação.
Certa noite, na boate “Calangos”, dançava e se exibia para a platéia quando uma “gringa” dele se aproximou. Encantada com as acrobacias daquele bailarino tupiniquim aproxima-se dele e, sem muito jeito, tentava acompanhá-lo naquela dança frenética. Depois de algum tempo de aprendizado, o convidou para ir até seu hotel. Com algumas caipirinhas na cabeça, a gringa via o dançarino, mas não via seu rosto, segundo ele, sua sorte foi que estava protegida pela luz negra da boate. O apaixonado casal chegou ao hotel entre beijos “calientes” e abraços apertados e logo foi barrado pelo porteiro.
A parceira protesta com veemência e disse que, como hospede daquele hotel tinha direito a adentrar com seu convidado. Com a presença do gerente, a questão foi devidamente resolvida e o apaixonado casal prosseguiu sua caminhada até o apartamento, passando a noite juntos. A companheira adormeceu, mas ele não conseguiu pregar olhos. Quando o dia amanheceu, Lindo Olhar se levantou da cama com todo cuidado pra não acordar sua deusa, a qal descreve-a como m “monumento”: corpo escultural, olhos azuis, talvez 20 anos de idade. Ele sentou-se na cadeira, retirou as dentaduras, superior e inferior, colocou-as em cima do criado mudo e ficou a admirá-la. Beliscou-se por várias vezes para ter certeza que não era sonho.
No meio dessa adoração, a parceira acordou. A princípio ela não acreditou no que esta vendo. Depois de esfregar os olhos por várias vezes até se conscientizar que aquilo não é um pesadelo, gritou desesperada: “Help! help! help! Policiiiia! Policiiia! Policiiiia!” O casal que estava no quarto ao lado, temendo tratar-se de um assalto, pulou da cama, e a encosto na porta, tentando dificultar a entrada do pseudo-ladrão e aflitos, aguardaram pelo pior.
O gerente chegou ao quarto e tentou acalmá-la, mas aos berros exigia a prisão do aterrorizado Lindo Olhar, que naquele momento acordava do seu devaneio, e deparava-se com a dura realizada. A moça, de pé em cima da cama, com olhos esbugalhados, apontava para o atônito parceiro, pensando tratar-se de um assaltante. Depois das devidas explicações do gerente, que ele estava ali com a sua devida e amorosa permissão, ela recusou-se terminantemente a acreditar. A única alternativa foi levá-la até a recepção e mostrar as gravações do apaixonado casal quando, naquela madrugada, adentrou no hotel aos beijos e abraços. Ao ver aquelas imagens a pobre moça põe as mãos na cabeça e exclama com um ar de desânimo e decepção: “Oh my God! Naw! Naw! Naw!”
No mesmo dia, pego suas malas e desaparece do hotel, levando a triste recordação das noites da Pipa, na agitada Boate Calangos, um anônimo dançarino e os efeitos das maravilhosas caipirinhas.
O bem humorado Lindo Olhar passou por um período, com sua vida meio desregrado. Consumia muito álcool e se acompanhara com pessoas de condutas duvidosas. Um dia desapareceu da Pipa sem que ninguém soubesse informar seu paradeiro. Alguns achavam que ele havia retornado para João Pessoa, outros diziam que havia mudado de praia, talvez ido para Canoa Quebrada, no Ceará.
Certo dia, um médico plantonista do Hospital Gizelda Trigueiro, freqüentador da Pipa, o reconheceu em uma de suas visitas de rotina aos enfermos. Indagado porque estava naquele hospital ele relatou que havia sido internado a princípio no Hospital Colônia, depois de sofrer uma violenta crise que precisou inclusive, de camisa de força para ser contido. A tal crise aconteceu logo depois de ter ingerido um copo de refrigerante, dado por antigos amigos, depois de ter se recusado a acompanhá-los no consumo de outras bebidas alcoólicas. Passou alguns dias no Hospital Colônia,e como não apresentava nenhum sinal de demência, foi transferido para o Hospital Giselda Trigueiro, dado ao seu precário estado de saúde e visível debilitação. O tal médico por ser seu conhecido, encarregou-se de tratá-lo pessoalmente até que se recuperasse totalmente de sua enfermidade.
Q
uando retornou a Pipa, resolveu que mudaria de vida e entregando-se a Jesus. Passou a freqüentar a Assembléia de Deus, tornou-se ardoroso seguidor de seus preceitos, tendo mudado radicalmente seus hábitos, e principalmente suas amizades.
Na busca de outra atividade para complementar sua renda, fez curso “por correspondência” e especializou-se em massagem de pés e mãos. Durante o dia trabalha nas areias da praia e tem clientela fiel com agenda e tudo. Para atrair novos clientes, recita quando transita por entre as barracas repletas de turistas, recita o se próprio slogan: “Massagem nos pés e nas mãos, acima dos tornozelos, somente o maridão...”
À noite, trabalha como panfletista na rua de cima, onde se concentra o agitado comércio local. Nessa função que exerce com notório profissionalismo, circula pela Rua Bahia dos Golfinhos, distribuindo, panfletos, sorrisos, boas conversas e sobretudo, um lindo olhar.
Pipa, fevereiro/2010
sexta-feira, 28 de maio de 2010
segunda-feira, 24 de maio de 2010
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS
sábado, 22 de maio de 2010
domingo, 16 de maio de 2010
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS
Meu caro Ormuz,
Talvez vc não se lembre de mim, mas estudamos juntos no Ginásio Arquidiosesano, quando eu era seminarista, onde vocês me chamavam de "Bedel".
Temho acompanhado seus artigos no JH do qual sou assinante. Tenho gostando bastante das histórias contadas sobre A PIPA. Esta do surfista que fugira com o barco e do indio que resolvera também permanecer nesta bela praia à seguir no circo. Parabenizo sua forma de narrar todas estas para quem não conhece esta famosa prais e seus habitantes.
Um abraço fraternal do amigo
Xavier de França
Talvez vc não se lembre de mim, mas estudamos juntos no Ginásio Arquidiosesano, quando eu era seminarista, onde vocês me chamavam de "Bedel".
Temho acompanhado seus artigos no JH do qual sou assinante. Tenho gostando bastante das histórias contadas sobre A PIPA. Esta do surfista que fugira com o barco e do indio que resolvera também permanecer nesta bela praia à seguir no circo. Parabenizo sua forma de narrar todas estas para quem não conhece esta famosa prais e seus habitantes.
Um abraço fraternal do amigo
Xavier de França
sexta-feira, 14 de maio de 2010
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS
ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG, membro da UBE-RN e do IHGRN)
www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br
PUBLICADA EM “O JORNALDEHOJE” EDIÇÃO DE 14 DE MAIO DE 2010.
Pipa, personagens que marcaram sua história I
De tempos em tempo, “encalha” na praia da Pipa criaturas que terminam por fazer parte de sua história. Na década de 70 costumava chegar à Pipa, surfistas que vinham de diversos lugares do Brasil, atraídos por suas ótimas ondas para a prática do esporte. Ao contrário dos muitos que apareciam por aqui e logo partia, um deles resolveu ficar por mais tempo. Certa vez, um nativo precisou tomar uma injeção e não havia quem a aplicasse. Logo foi surpreendido pelo tal surfista, que dizendo ter essa habilidade, executou a tarefa sem maiores dificuldades. A partir desse dia ganhou o pitoresco apelido de “Farmácia”.
Morou na Pipa por vários anos. Como não tinha profissão, fazia um pouco de tudo para sobreviver. Certo dia resolveu que mudaria de vida e escolheu para essa mudança a nobre profissão de pescador. Por entender que antes de tudo, precisava adquirir um bote, foi bater as portas do BNCC - Banco Nacional de Crédito Cooperativo. Mesmo não tendo nenhum conhecimento da arte da pesca, nem nada que o ligasse a atividade, e pasmem com aquela aparência de “menino do Rio”, conseguiu sem maiores problemas o financiamento para construir na Pipa, uma enorme embarcação movia à vela e a motor, novidade para a época.
Contratou imediatamente o estaleiro do mestre Francisquinho para a construção. Ninguém acreditava que aquele sofista que passava seus dias “pegando ondas” ou mesmo “jiboiando” à sombra dos coqueiros, iria mudar de vida e ganhar o seu sustento com o trabalho duro dos que pescam em alto mar. Só quem acreditou nesses bons propósitos foi o gerente do BNCC.
Lembro bem o dia em que o bote foi colocado n’água. Feito pelo próprio Francisquinho era tão grande que teve dificuldade para chegar até a praia. Foram preciso mais de cinqüenta homens e um trator para arrastá-lo do estaleiro, que ficava na rua de cima, até a beira da praia. Foi uma verdadeira festa. Amarraram aquela enorme estrutura de madeira com grossos cabos feitos de agave - sisal – terminando com duas filas de homens que ao comando de mestre Francisquinho, puxavam o barco por entre ruas estreitas em direção ao mar. Nessa época, como ainda não havia calçamento, as ruas eram cobertas com palhas de coqueiros e paus para facilitar o deslizamento da quilha na areia. Parecia cena de filme do antigo império romano, quando hordas de escravos, sob a chibata dos algozes, arrastavam aquelas enormes estruturas. Na Pipa, a simbólica chibata era substituída por algumas garrafas de cachaça, que a cada parada para descanso, eram prontamente esvaziadas.
Nesse transporte, a maior dificuldade era quando chegava à ladeira que descia até a praia. Todas as forças agiam no sentido contrário impedindo que o barco tomasse velocidade mais que o estritamente necessário e fugisse do controle dos homens. Nesse dia, ao chegar à praia, o barco ficou estacionado nas areias, vizinho a minha casa, esperando que a maré enchesse, para poder ser introduzido na água.
Pescou por uns dois meses no mar da Pipa, com a tripulação formada por nativos. Certo dia o “mestre Farmácia” viajou em busca de peixes maiores em mares distantes e nunca mais voltou.
O Banco, naturalmente, não recebeu nenhuma das prestações programadas e o gerente ficou literalmente “a ver navios”. Certo dia o tal gerente recebeu uma ligação da Guiana Francesa. Do outro lado da linha Farmácia informava que havia se deslocado para aquela região em busca de trabalho que lhe rendesse mais que a pesca. A embarcação estava sendo utilizada para o transporte de cargas e mercadorias e que logo regressaria para liquidar o débito. O barco nunca retornou e a dívida, como sempre, foi paga pelo contribuinte.
Outro encalhe da Pipa foi o índio potiguar apelidado de “Come Fogo”. No início dos anos 80 chegou a essa comunidade um circo mambembe. Pobre, como a grande maioria dos circos que se apresentam nessas pequenas comunidades, tinha sua lona rasgado, poucas tábuas no “poleiro” e alguns artistas. O dono do circo além de anunciar os “espetáculos”, também fazia um número no trapézio. Tinha um mágico que tirava coelhos e pombos de sua surrada cartola. Dois palhaços que em seu número encenavam brigas que sempre terminava com um deles ao chão, depois de atingido por certeira bofetada. Esses palhaços além de suas apresentações também tinham a função de, ao chegar às comunidades, anunciarem o espetáculo. A frente de um bando de crianças e vestidos a caráter gritavam: Hoje tem espetáculo? E as crianças em couro respondiam aos gritos: Tem sim senhor!!! Aqueles que mais gritassem ganhariam logo mais à noite, uma entrada grátis. E os palhaços continuavam: Eu vou ali e volto já... E as crianças aos gritos respondiam: Vou comer maracujá. Pompeu, Pompeu, tua mãe morreu...
Completava o pitoresco elenco um índio que “comia fogo”. O seu bem elaborado número, consistia em borrifar com sua enorme boca, porções de querosene em direção a chama de uma velha lamparina, provocando enormes labaredas de fogo que eram dirigidas para a excitada platéia.
Um dia o circo partiu em sua difícil e constante luta pela sobrevivência, levando alegria as pobres cidadezinhas do interior, mas perdeu para a Pipa sua principal atração: o índio Come Fogo. Ficou conhecido por essa alcunha, pois nunca soubemos seu verdadeiro nome. Dizia ter gostado do lugar, da sua gente, do mar e principalmente da cachaça que os “amigos” lhe ofereciam de graça.
Era um homem alto de físico avantajado, pele morena e praticamente sem barba, sinal bem característico de nossos indígenas. Tinha uma força descomunal. Certa vez, praticamente sozinho, conseguiu desatolar uma camioneta que ficara presa nas areias em frente à igreja, na época sem calçamento. Nasceu em uma tribo de índios Potiguares, possivelmente na Baía da Traição, no nosso vizinho estado da Paraíba. Por aqui ficou alguns anos. Fazia pequenos serviços para ganhar seu sustento. Entretanto o vício pela bebida foi mais forte e aos poucos reduzindo a trapos aquele homem que era admirado pela sua aparência e força física.
Nos últimos anos já não conseguia mais trabalho, pois passava a maior parte do dia embriagado. Era triste vê-lo na sarjeta submetido à indiferença daqueles que outrora foram seus amigos e companheiros de copo. Aqueles que antes lhe franqueavam gratuitamente bebidas, nos últimos tempos já lhe negavam até mesmo restos de comida.
Então certo dia, para seu descanso, foi encontrado morto em uma casa abandonada onde se refugiava à noite pra dormir. Morreu consumido pelo álcool e certamente pelo abandono. Seu corpo foi sepultado em uma cova anônima no cemitério local.
Pipa, março/2010.
www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br
PUBLICADA EM “O JORNALDEHOJE” EDIÇÃO DE 14 DE MAIO DE 2010.
Pipa, personagens que marcaram sua história I
De tempos em tempo, “encalha” na praia da Pipa criaturas que terminam por fazer parte de sua história. Na década de 70 costumava chegar à Pipa, surfistas que vinham de diversos lugares do Brasil, atraídos por suas ótimas ondas para a prática do esporte. Ao contrário dos muitos que apareciam por aqui e logo partia, um deles resolveu ficar por mais tempo. Certa vez, um nativo precisou tomar uma injeção e não havia quem a aplicasse. Logo foi surpreendido pelo tal surfista, que dizendo ter essa habilidade, executou a tarefa sem maiores dificuldades. A partir desse dia ganhou o pitoresco apelido de “Farmácia”.
Morou na Pipa por vários anos. Como não tinha profissão, fazia um pouco de tudo para sobreviver. Certo dia resolveu que mudaria de vida e escolheu para essa mudança a nobre profissão de pescador. Por entender que antes de tudo, precisava adquirir um bote, foi bater as portas do BNCC - Banco Nacional de Crédito Cooperativo. Mesmo não tendo nenhum conhecimento da arte da pesca, nem nada que o ligasse a atividade, e pasmem com aquela aparência de “menino do Rio”, conseguiu sem maiores problemas o financiamento para construir na Pipa, uma enorme embarcação movia à vela e a motor, novidade para a época.
Contratou imediatamente o estaleiro do mestre Francisquinho para a construção. Ninguém acreditava que aquele sofista que passava seus dias “pegando ondas” ou mesmo “jiboiando” à sombra dos coqueiros, iria mudar de vida e ganhar o seu sustento com o trabalho duro dos que pescam em alto mar. Só quem acreditou nesses bons propósitos foi o gerente do BNCC.
Lembro bem o dia em que o bote foi colocado n’água. Feito pelo próprio Francisquinho era tão grande que teve dificuldade para chegar até a praia. Foram preciso mais de cinqüenta homens e um trator para arrastá-lo do estaleiro, que ficava na rua de cima, até a beira da praia. Foi uma verdadeira festa. Amarraram aquela enorme estrutura de madeira com grossos cabos feitos de agave - sisal – terminando com duas filas de homens que ao comando de mestre Francisquinho, puxavam o barco por entre ruas estreitas em direção ao mar. Nessa época, como ainda não havia calçamento, as ruas eram cobertas com palhas de coqueiros e paus para facilitar o deslizamento da quilha na areia. Parecia cena de filme do antigo império romano, quando hordas de escravos, sob a chibata dos algozes, arrastavam aquelas enormes estruturas. Na Pipa, a simbólica chibata era substituída por algumas garrafas de cachaça, que a cada parada para descanso, eram prontamente esvaziadas.
Nesse transporte, a maior dificuldade era quando chegava à ladeira que descia até a praia. Todas as forças agiam no sentido contrário impedindo que o barco tomasse velocidade mais que o estritamente necessário e fugisse do controle dos homens. Nesse dia, ao chegar à praia, o barco ficou estacionado nas areias, vizinho a minha casa, esperando que a maré enchesse, para poder ser introduzido na água.
Pescou por uns dois meses no mar da Pipa, com a tripulação formada por nativos. Certo dia o “mestre Farmácia” viajou em busca de peixes maiores em mares distantes e nunca mais voltou.
O Banco, naturalmente, não recebeu nenhuma das prestações programadas e o gerente ficou literalmente “a ver navios”. Certo dia o tal gerente recebeu uma ligação da Guiana Francesa. Do outro lado da linha Farmácia informava que havia se deslocado para aquela região em busca de trabalho que lhe rendesse mais que a pesca. A embarcação estava sendo utilizada para o transporte de cargas e mercadorias e que logo regressaria para liquidar o débito. O barco nunca retornou e a dívida, como sempre, foi paga pelo contribuinte.
Outro encalhe da Pipa foi o índio potiguar apelidado de “Come Fogo”. No início dos anos 80 chegou a essa comunidade um circo mambembe. Pobre, como a grande maioria dos circos que se apresentam nessas pequenas comunidades, tinha sua lona rasgado, poucas tábuas no “poleiro” e alguns artistas. O dono do circo além de anunciar os “espetáculos”, também fazia um número no trapézio. Tinha um mágico que tirava coelhos e pombos de sua surrada cartola. Dois palhaços que em seu número encenavam brigas que sempre terminava com um deles ao chão, depois de atingido por certeira bofetada. Esses palhaços além de suas apresentações também tinham a função de, ao chegar às comunidades, anunciarem o espetáculo. A frente de um bando de crianças e vestidos a caráter gritavam: Hoje tem espetáculo? E as crianças em couro respondiam aos gritos: Tem sim senhor!!! Aqueles que mais gritassem ganhariam logo mais à noite, uma entrada grátis. E os palhaços continuavam: Eu vou ali e volto já... E as crianças aos gritos respondiam: Vou comer maracujá. Pompeu, Pompeu, tua mãe morreu...
Completava o pitoresco elenco um índio que “comia fogo”. O seu bem elaborado número, consistia em borrifar com sua enorme boca, porções de querosene em direção a chama de uma velha lamparina, provocando enormes labaredas de fogo que eram dirigidas para a excitada platéia.
Um dia o circo partiu em sua difícil e constante luta pela sobrevivência, levando alegria as pobres cidadezinhas do interior, mas perdeu para a Pipa sua principal atração: o índio Come Fogo. Ficou conhecido por essa alcunha, pois nunca soubemos seu verdadeiro nome. Dizia ter gostado do lugar, da sua gente, do mar e principalmente da cachaça que os “amigos” lhe ofereciam de graça.
Era um homem alto de físico avantajado, pele morena e praticamente sem barba, sinal bem característico de nossos indígenas. Tinha uma força descomunal. Certa vez, praticamente sozinho, conseguiu desatolar uma camioneta que ficara presa nas areias em frente à igreja, na época sem calçamento. Nasceu em uma tribo de índios Potiguares, possivelmente na Baía da Traição, no nosso vizinho estado da Paraíba. Por aqui ficou alguns anos. Fazia pequenos serviços para ganhar seu sustento. Entretanto o vício pela bebida foi mais forte e aos poucos reduzindo a trapos aquele homem que era admirado pela sua aparência e força física.
Nos últimos anos já não conseguia mais trabalho, pois passava a maior parte do dia embriagado. Era triste vê-lo na sarjeta submetido à indiferença daqueles que outrora foram seus amigos e companheiros de copo. Aqueles que antes lhe franqueavam gratuitamente bebidas, nos últimos tempos já lhe negavam até mesmo restos de comida.
Então certo dia, para seu descanso, foi encontrado morto em uma casa abandonada onde se refugiava à noite pra dormir. Morreu consumido pelo álcool e certamente pelo abandono. Seu corpo foi sepultado em uma cova anônima no cemitério local.
Pipa, março/2010.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS
Valeu Ormuz. Ri muito com o "cu de pinto"...coisas daquele tempo ne? A sua adolecencia/juventude, foi muito parecida com a minha...tinhamos brincadeiras semelhantes, roubando coco e galinhas...bebendo vodka com crush, rumerino e bacardi com coca...nos "assustandos" da vida, ora na casa de um ou de outro...e ainda nas festas dos estudantes, na saudosa AABB da Deodoro, por sinal a rua em que vc morou por muito tempo ne?
Gostei muito de sua cronica...nela da para se ver que de fato o homem passa a ser o produto do meio...se ele não podia pescar ou trabalhar na lavoura, passou a aprender as lides domesticas, desempenhando muito bem suas atividades...o DEDA foi realmente uma pessoa que não teve preconceitos com nada, pelo que se vê; trabalhou e ajudou a todos não é mesmo?
abraços e bom final de semana
Felipe.
Natal/RN
Gostei muito de sua cronica...nela da para se ver que de fato o homem passa a ser o produto do meio...se ele não podia pescar ou trabalhar na lavoura, passou a aprender as lides domesticas, desempenhando muito bem suas atividades...o DEDA foi realmente uma pessoa que não teve preconceitos com nada, pelo que se vê; trabalhou e ajudou a todos não é mesmo?
abraços e bom final de semana
Felipe.
Natal/RN
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS
Ô tempo bom, pena que nossos filhos já não conviveram mais com esses tipos de bricadeiras, ficando já ligados apenas as coisas da informática e perdendo
o contato com o ser humano, fortalecendo amizades verdadeiras e deixando um bocado de recordações que com certeza vão deixar muitas histórias para se contar aos filhos e netos.
Carlos Cabral de Freitas
Natal/RN
o contato com o ser humano, fortalecendo amizades verdadeiras e deixando um bocado de recordações que com certeza vão deixar muitas histórias para se contar aos filhos e netos.
Carlos Cabral de Freitas
Natal/RN
A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS
Caro amigo;
Com tantos minuciosos detalhes, garanto que o narrador tem participação ativa no crime da carne. Quanto a o de o visitante comeu, só posso garantir que da carne é que não foi.
Gostei muito da narrativa, um grande abraço do amigo.
Frederico Calafange
Natal/RN
Com tantos minuciosos detalhes, garanto que o narrador tem participação ativa no crime da carne. Quanto a o de o visitante comeu, só posso garantir que da carne é que não foi.
Gostei muito da narrativa, um grande abraço do amigo.
Frederico Calafange
Natal/RN
sábado, 1 de maio de 2010
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