sábado, 5 de maio de 2012

OS JOGOS DE CARTAS - Coisas daquele tempo

Tela do artista plástico Levi Bulhões, ilustrador do livro

DO LIVRO “A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS”


         Nas longas noites dos meses de janeiro, sempre estávamos descobrindo coisas para matar o tempo. Vez por outra organizávamos um jogo de cartas no alpendre da casa de alguém. Esses carteados eram bastante concorridos, pois o número de “perus” era bem maior que o de jogadores. Um dos jogos mais comuns entre nós eram o pif-paf e o poker, efêmeros, deixavam os que jogavam muito excitados.

 A peruada sempre ficava de prontidão para sacanear os que perdiam. Os jogadores preocupavam-se por estar arriscando algum dinheiro e principalmente por temerem a gozação, caso alisasse e perdesse todo o dinheiro – o que sempre acontecia com alguém.


No caso dos perus, durante as partidas ficavam de boca calada, sob pena de serem escorraçados do local ou até mesmo levar umas “bolachas” do perdedor inconformado.


O jogo dos adultos, que sempre acontecia na casa de tio Aguinaldo, também era muito movimentado. O tio tinha por característica falar muito alto e querer ter razão em tudo. Aplicava a velha técnica conhecida por “ganhar no grito”. Quando Edinaldo, seu filho (que tinha o mesmo temperamento e lições apreendidas com o pai), estava presente à mesa, não havia a menor dúvida: o jogo terminaria em briga. A plateia se encarregava de atiçar. No outro dia, pazes feitas, começavam tudo novamente.

Participavam dessa mesa o próprio tio Aguinaldo, Jaime Simonetti (Soberano), Georgenor Barbalho, João Primênio Simonetti, Dante Simonetti e muitos outros.
Numa dessas noites, também participou do jogo o Dr. Djalma Marinho. No Natal Clube, onde sempre frequentava quando estava na terra, era tido como “doador de sangue” daquele que sempre perdia. Quando ganhava – o que era raro –, gozava os adversários.


Tinha ido a convite do meu pai, Arnaldo Simonetti (então sogro de seu filho Valério Marinho), passar um fim de semana na longínqua Praia da Pipa daqueles anos 70. 
Naquela noite, a concorrência no “pano verde” era enorme. Todos queriam jogar com o visitante ilustre, e o carteado estendeu-se madrugada adentro.


Do saudoso Djalma contam a seguinte história: quando retornava para sua querida Natal, nos intervalos de suas atividades em Brasília, onde exercia o mandato de deputado federal, gostava de uma partidinha de pif-paf no Natal Clube, ponto de encontro de políticos da época. Aproveito o ensejo para lembrar alguns dos seus amigos, frequentadores assíduos daquela casa, que lá compareciam para jogar um carteado e também “traçar os destinos do nosso Estado”. O anfitrião era João Medeiros, proprietário do local. Frequentavam também, Leonel Mesquita, o major Theodorico Bezerra, Luiz de Barros, Jessé Pinto Freire, João Aureliano (Coleguinha), Jarbas Bezerra, Roberto Freira, Sandoval Capistrano, Romildo Gurgel, Joca Melo e tantos outros. Além de se divertir no jogo, tinha a oportunidade de encontrar com amigos e correligionários.


Certa vez, em um desses carteados, em que sempre rolava muito dinheiro, lá estava um costumado “peru”, do tipo extremamente nervoso. De pé, por trás da cadeira de Djalma, estava pondo à prova uma das principais características do velho parlamentar: a paciência. O jogo, embora entre amigos, era disputado sempre com gordas quantias de dinheiro. O “peru”, estrategicamente sentado por trás de sua cadeira, cada vez mais demonstrava toda sua inquietação e descontrole com o desenrolar das partidas, principalmente quando as apostas subiam e a mesa ficava repleta com fichas de alto valor. O experiente Djalma, querendo se livrar daquele incômodo encosto preparou-lhe uma surpresa. Lá pelo meio de uma disputada partida, estava armado, ou seja, com dois jogos feitos e o terceiro faltando apenas uma carta para bater. Naquela ocasião, estava em jogo uma grande quantidade de dinheiro. As fichas se multiplicavam em cima da mesa e o “peru”, por conhecer o jogo de Djalma, suava em bicas. Quase perdendo o controle, com os olhos colados à mesa, aguardava a carta que dava a Dr. Djalma o direito a por a mão em toda aquela bolada. Naquele momento, o parceiro ao lado descartou justamente aquela que completaria seu jogo. O silêncio era sepulcral! Ninguém ousava emitir qualquer ruído, pois outras pessoas que acompanhavam o jogo sabiam da situação privilegiada de Djalma. Então, aconteceu o que ninguém esperava: com toda a calma que lhe era peculiar, não pegou a carta que lhe daria a vitória naquela partida. Bem devagar, olhava por trás dos óculos para as cartas que tinha na mão e em seguida para o baralho, dando a impressão que não havia percebido a carta solta pelo parceiro, o que provocou o “peru”, de respiração presa, esperando o grande desfecho. Em seguida, foi ao baralho e, bem devagar, puxou uma carta que, por sinal, não completou o par que tinha na mão. Naquele momento regozijou-se de toda aquela tormenta. Rejeitou ganhar a partida e todo aquele dinheiro, simplesmente para dar uma lição no inconveniente peru. Este por sua vez, não aguentou a pressão, caiu desmaiado. O chilique rendeu aos frequentadores do Natal Clube vários meses de total ausência daquele inconveniente peru. Depois do acontecido, com toda calma, explicou: perdi a parada, mas me livrei do peru!


Houve época em que o jogo mais comum entre nós era o king. Esse jogo nos foi ensinado pelo saudoso João Primênio Simonetti, também mestre nas cartas e frequentador do Natal Clube. Às vezes reunia os sobrinhos em sua casa para se divertir jogando o king ou mesmo um pif- paf.


Davi Simonetti ficou de tal maneira viciado nesse jogo que, quando não arranjava parceiros, dispunha-se a fazer alguns agrados aos que concordassem em participar do jogo. Embora não fumasse, oferecia cigarros de graça para os que fumavam e até emprestava dinheiro aos que não tinham na ocasião, contanto que formasse uma mesa com os quatro participantes. Graças a Deus, esse “vício” ficou adormecido na Pipa daquela época. 

Pipa, fevereiro de 2010.