sábado, 30 de junho de 2012

PRIMEIRAS FONTES D'ÁGUA - CACIMBAS

                                             Tela - acrílico e bico de pena - Levi Bulhões

Na Pipa daquela época, tanto a água para beber quanto para os gastos domésticos era retirada das chamadas “cacimbas”. Essas fontes nada mais eram que olhos d’água localizados próximo ao mar; afloravam da terra. As pessoas cavavam em círculos e ampliavam a área de captação da água. Como ficava exposta, e era comum ser utilizada por animais, a água destinada para beber tinha que ser retirada com cuidados especiais.   

Posteriormente, as cacimbas foram cavadas em locais previamente determinados, geralmente nos quintais das casas. Esse outro tipo de cacimba, mais moderno, constituía-se de um buraco escavado no chão, com largura variando entre 70cm e 1m. Era então revestida com tijolos até a borda, geralmente ficava acima do solo e era coberta com uma tampa de madeira. Como o lençol freático naquela área era muito superficial (e ainda hoje o é), ao perfurar de dois a três metros o solo, já se podia encontrar água abundante e de boa qualidade.

A água retirada das cacimbas era transportada em cabaças, potes ou galões para as casas. A primeira, lagenaria siceraria, tinha diversas utilidades ligadas ao uso da água. As cabaças tinham tamanhos e formas diversificados, dependendo da variedade e do momento da colheita. Servia para transportar água, roupas após a lavagem; como vasilha nas refeições, pratos, copos e cuias para retirar alimentos; como moringa, acondicionando água para os trabalhadores que iam para os roçados, pescadores, quando se aventuravam no mar adentro, e, principalmente, por viajantes, nos seus deslocamentos, geralmente feitos a pé, para Vila Flor, Goianinha, Ares, Barra de Cunhaú etc. Além disso, essas cabaças serviam também como instrumentos musicais.

Os potes e galões, por serem menores e bem mais maneiros, eram conduzidos na cabeça das mulheres, apoiados em uma rodilha, nome dado a um pano que depois de bem torcido é enrolado em círculo. A rodilha tem a função de evitar o incômodo contato direto do fundo do pote com a cabeça de quem o transporta, além de melhorar o equilíbrio do mesmo. Tornou-se comum em nossa região o ditado: “Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”. Isso significa dizer que o indivíduo que não pode assumir determinado compromisso ou realizar alguma tarefa não deve se comprometer, pois, com os mesmos.

O galão, ainda hoje muito utilizado para transportar água nas cidades do interior do Nordeste, era feito com duas latas de 20 litros cada. Essas latas chegavam à praia trazidas pelos comerciantes que vendiam o querosene. Ainda hoje, lembro-me da única logomarca, Esso Jacaré. Este produto era utilizado para a iluminação das casas, abastecendo lamparinas, candeeiros e lampiões. Tempos depois, utilizou-se o óleo diesel, popularmente chamado de “gás óleo”.

As latas eram presas por cordas de agave (sisal) a um barrote de madeira. O transportador o carregava depois de bem dividir em seu ombro os quarenta litros de água que comportava o galão. Essa água era colocada em jarras de barro que ficavam localizadas nas cozinhas, para o preparo dos alimentos, lavagem de pratos etc.

A água destinada ao consumo dos moradores era colocada em potes e quartinhas, e estas, por serem menores, eram geralmente colocadas nas janelas para que, em contato com o vento, esfriassem a água armazenada nelas.

Os utensílios de barro, como jarras, potes, quartinhas, pratos e panelas, eram todos adquiridos nas feiras de Vila Flor, Canguaretama e Goianinha. Essas peças eram feitas de um tipo de barro especial, denominado “barro de louça”, que não existia nas regiões próximas ao mar.

Antes de a água ser colocada nas jarras, amarrava-se na “boca” das mesmas um pano muito fino, geralmente feito de morim. Esse pano ou coador, como também era conhecido, servia para evitar a entrada de pequenas raízes de árvores próximas das cacimbas, assim como também algumas impurezas que o tal pano conseguisse reter. Colocavam-se, dentro delas, algumas pedras de enxofre para evitar o aparecimento de “martelos”, como regionalmente conhecemos as larvas de mosquitos.
               Jarras de cerâmica e seus guardiões - Faz. Lagoa Nova


Foram essas jarras nossas primeiras geladeiras. No “pé” da jarra, eram depositadas: frutas, verduras e raízes que eram consumidas durante a semana. Devido à umidade existente nesses locais, os alimentos se conservavam saudáveis por mais tempo, não obstante à companhia de algum teimoso sapo cururu. Esse indesejável inquilino que, sem qualquer cerimônia, instalava-se ali, junto aos alimentos, para aproveitar aquele friozinho durante o dia. À noite, aventurava-se em volta de lampiões, candeeiros e lamparinas, à cata de algumas desprevenidas mariposas.

As mais famosas cacimbas da Praia da Pipa eram a Cacimba do Comum, localizada ao lado da atual igreja onde hoje é a casa que pertenceu a Maria Gadelha, e a Cacimba de Zé de Tereza, onde hoje é o restaurante Peixada da Pipa e a Cacimba de Vicência Torres, onde fica a casa de Honório Grilo. Outra cacimba famosa era a Cacimba do Beco da Peixeira, considerada “assombrada”. Esse beco era uma passagem que existia próximo à casa que hoje pertence a Luiz Carvalho. Estórias passadas de pai para filho diziam que as pessoas evitavam passar à noite nesse beco, pois ouviam saindo da tal cacimba o som de músicas ou de pessoas cantando.

Com a chegada da água encanada, em abril de 1983, as cacimbas foram aos poucos sendo desativadas. Algumas, depois de anos fornecendo de suas entranhas água doce e saudável, tiveram destino menos nobre, mas de extrema importância – foram transformadas em fossas sépticas, e continuaram servindo à saúde da comunidade.