Somos apenas a sombra
das nossas lembranças.
Ao longo dos anos, Natal ficou
conhecida por ter pontos tido comerciais como bares, cafés e lanchonetes, cujo
atrativo não justificavam a freguesia cativa que possuía. Eram locais de extrema
simplicidade, mas que prendiam seus fregueses pelo bom atendimento, um cardápio
simplificado que atendia ao paladar de todos, além de oferecer um ambiente
descontraído onde quase todo mundo se conhecia.
Procurando conhecer a origem desse
comércio – dia e noite mais promissor - , encontrei nos alfarrábios, textos que
lembram a nossa cidade numa data mito
recuada, quando verifica-se que tudo teve seu início com o surgimento de um bar
que foi pioneiro nesse setor. Este foi inaugurado na travessa Aureliano, na
Ribeira, com o nome de bar “Chile”, que serviu de modelo aos demais seguidores.
Bairro da Ribeira - Natal RN
Logo
depois, sequenciado pelo modismo que já existia à época, surgiu o bar “Antártica”,
ainda na Ribeira que depois de muito sucesso cedeu seu espaço físico ao “Cova
da Onça”, que já chegou aos nossos dias num estado agonizante.
Descobri
ainda, que na Cidade Alta, precisamente que na Rua Ulisses Caldas, foi inaugurado
o bar “Potiguarânia”, seguindo a mesma trilha de seus antecessores , fazendo
algumas inovações que caíram no gosto de seus frequentadores. Perdurou alguns
anos, até ser absorvido com toda sua estrutura pelo “Magestic”, que deu
continuidade ao mesmo estilo.
Confeitaria Cisne - Rua João Pessoa - Natal RN
Na Rua João Pessoa, - no Grande Ponto
do meu tempo – tivemos o café “Maia” de Rossini Azevedo. O “Vesúvio” de
Maiorana, o “Botijinha” de Jardelino Lucena, o bar e confeitaria “Cisne” de
Múcio Miranda e o “Dia e Noite” de Nilton Armando de Souza. Este, com larga vivência
no ramo – ex-garçom -, mas, sabia como ninguém, lidar com sua freguesia usando
a devida leveza, o prazer de servir e a
dignidade profissional que ostentava.
Esse bar, próximo aos outros na Rua João
Pessoa, ficava quase em frente à Caixa Econômica Federal, com seu espaço físico
sendo ocupado hoje por uma loja que vende óculos e outras bugigangas de somenos
importância. Abrigava uma pequena área delimitada por duas fileiras de mesas dispostas
paralelamente, e no meio, um corredor por onde transitava o garçom e os
convidados de ocasião. Lá no fundo, um balcão e por trás dele, a figura sempre presente de seu
proprietário que se atinha a tudo o que se passava no recinto. No final, existia uma
parede divisória e à sua direita, uma pequena abertura de forma semicircular
que servia de comunicação com a cozinha e por onde eram enviados os pedidos e comandas. No cardápio constavam os
mesmos itens desde sua inauguração e quando ocorria alguma alteração, era quase
sempre na ordem inversa de seus itens.
Entretanto, o seu ponto alto era o
garçom, vítima de todo tipo de gozação. Muito estimado por todos, atendia pelo
apelido de “Gazolina” e possuía o dom da tolerância, sem nunca ter revidado as
irreverências recebidas. Nunca perdia a fleuma, nem mesmo, quando os pedidos
estava inserido o duplo sentido, tais como: - “Gazolina, suspenda os ovos e passe a língua...”
E assim por diante.
Rua João Pessoa - Natal RN
Esse bar, que nunca fechava, razão do
nome – era também palco de muita confusão, principalmente nas madrugadas dos
fins e semana, quando as rixas iniciadas nos clubes sociais, terminavam quase
sempre no seu âmbito, ou nas circunvizinhanças. Os motivos? – Os mesmos de
sempre: o ciúme, a política, a polícia e o esporte. Havia ainda uma
particularidade pouco observada, que era a ausência do sexo feminino no seu
interior. Quando muito, elas eram atendidas em seus automóveis que ficavam nas
imediações do bar.
Ainda lembro de muitos que frequentavam
esse bar com certa assiduidade. Todos foram bem sucedidos nas escolhas profissionais que fizeram e houve quem
atingisse o topo na política, outros, nas empresas e os demais nas profissões
que abraçaram. Citarei o nome de alguns
para poupar os poucos leitores desse incômodo: Artuzinho, Hélio Santa Rosa, Sidney
e Ronald Gurgel, Haroldo e Franklin Bezerra, Marcos e Marciano Oliveira, Oscar
e Osmar Medeiros, José e Ivo Barreto, Diógenes da Cunha Lima, Syllos Carvalho, Fernando
Bezerra, Roberto Furtado, Lenilson Carvalho, Mário Sá Leitão, Waldemar Mattoso,
Bentinho, Murilo Concentino, Aldanir Araújo e Abreu Junior.
Não darei ênfase – como fazia antes -,
ao velho adágio que diz: “aqui tudo já teve”. Realmente, tivemos o “Dia e Noite”,
que sem a mínima pretensão, marcou sua presença na história da nossa cidade,
quando cativou pela plêiade de frequentadores que deu a ele o prestígio que
necessitava. Lembrar o “Dia e Noite” é massagear o ego de muitos que ainda
guardam em seus corações as lembranças desse tempo. Somos apenas a sombra das
nossas lembranças.
Jahyr Navarro – médico e escritor