sábado, 17 de setembro de 2011

O distrito da Pipa, as praias e seus nomes primitivos


DUNAS DA DIVISA TIBAU/PIPA

Quem se desloca da cidade de Tibau do Sul para a praia da Pipa utilizando a antiga estrada carroçável por cima das falésias, logo vai passar por duas grandes dunas de areia postadas uma ao lado da outra. Tradicionalmente são essas dunas, que estabelecem o limite entre a praia de Tibau do Sul e Pipa. O local é de fácil identificação, pois é lugar de parada obrigatória, aos que querem apreciar uma das mais belas vistas daquele litoral.

Nessa área a falésia é desprovida de qualquer vegetação e sua constituição mistura-se entre a argila vermelha, que predomina toda a região, e a argila de cor branca, mais presente especificamente nesse local.
Ao descer a falésia encontramos a primeira das 11 praias que compõe o complexo de praias do distrito da Pipa. O nome Cacimbinhas vem de antigas cacimbas de água doce que se localizavam próximas as falésias. Bastava cavar um pouco e logo a água doce e cristalina aflorava com facilidade.

Em seguida vem a praia do Madeirinho. O nome esta diretamente ligado a próxima praia, denominada Madeiro, por ter as mesmas características geográficas, porém em tamanho reduzido.

PRAIA DO MADEIRO

Já a praia do Madeiro recebeu esse nome em virtude da existência de uma baía de águas calmas no lado norte da falésia. Era lá onde os franceses ancoravam suas naus e abasteciam com o nosso pau-brasil. A madeira conseguida através de escambo se destinava ao continente europeu onde era vendida a peso de ouro para ser utilizada como corante nas indústrias de tecidos.


PRAIA DO CURRAL DO CANTO

A seguir, na outra ponta da enseada, localiza-se a praia do Curral do Canto, ou praia do Canto ou ainda como é conhecida atualmente, Baía dos Golfinhos.
Circulando a falésia que se projeta em direção ao mar, chega-se a praia da Baixinha. Essa praia é muito freqüentada por veranistas e turistas quando acontecem marés baixas, ocasião em que diversas piscinas ficam à mostra em meio aos recifes de coral. Além do banho maravilhoso, não é difícil o freqüentador ser contemplado com a visão de alguns animais marinhos, além de pequenos peixes multicor, que habitam aquelas piscinas.

PRAIA DA BAIXINHA

Prosseguindo, chega-se a praia do Porto de Baixo contígua à praia do Porto, onde são ancoradas as embarcações. Por ocasião das marés de vazante, os recifes de coral ficam à mostra impedindo a entrada dos barcos no porto. Então as embarcações que precisam chegar ao ancoradouro utilizam a rota do porto de baixo, onde parte dos recifes ficam submersos, permitindo a navegação com segurança.
Chega-se então a praia do Centro onde se localizam a maioria das casas de veraneio e o comercio a beira mar.

PRAIA DO PORTO

Após a praia do Centro que se estende até o morro do Castelo (nome do antigo proprietário) chega-se a praia denominada Poço das Mulheres. Esse local recebeu essa denominação, pois em épocas passadas, era onde as mulheres da comunidade utilizavam para toma banho. Como não conheciam roupas apropriadas, tomavam banho completamente despidas. O local era bastante deserto e raramente alguém se aventurava por lá.
A próxima praia é Afogados. Nesse local o mar é aberto e não existem as formações de recifes de coral. A praia é muito freqüentada principalmente por turistas. A constância das fortes ondas impulsionadas pelos ventos advindos de sua localização atrai praticantes de esportes náuticos, principalmente o surf.

PRAIA DO CENTRO

De lá podemos avistar a praia do Moleque marcada pela sua famosa pedra, que contornada pelas falésias que compõe o Chapadão, nos propicia uma visão espetacular daquela pequena baía, ornada por coqueiros e pequenas dunas que se formam na beira mar. Em seguida vêm as praias mais desertas e consequentemente menos freqüentadas. Cancelas, que recebeu esse nome por sua formação geográfica, praia das Minas, por apresentar algumas inscrições rupestre e por último a praia de Pedra d’água que se limita com o distrito de Sibaúma. O nome vem de antigas poças de água de chuva que se formavam nas pedras existentes no local.

PRAIA AFOGADOS E ENSEADA DA PRAIA DO MOLEQUE

Esse artigo tem por finalidade resgatar, para que não sejam esquecidos, os nomes primitivos dessas praias. Como podemos observar, todas elas foram denominadas pelos ancestrais da comunidade, que utilizaram para isso razões lógicas, como foram descritas. Portanto, comete-se grande injustiça com a própria história do lugar, quando por simples vaidade ou o afã de agradar alguém ou alguns, se comete semelhante desatino. Tem se tornado comum em nosso Estado a constante mudança dos nomes de praças, logradouros e até mesmo de cidades, num constante desrespeito aos seus habitantes, maculando e empobrecendo cada vez mais a nossa história.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

DO LIVRO "A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS"

Morre o mestre Francisquinho


Em 1939, chegou a Praia da Pipa, vindo do norte, mais precisamente da Praia de Galinhos-RN, Francisco Caetano do Nascimento, mais conhecido por Francisquinho. Aos 16 anos de idade, o jovem pescador veio acompanhando seu tio, mestre de um barco, para uma temporada de pesca da albacora. A Pipa vinha se tornando famosa pela grande quantidade de peixes que se capturavam em suas águas, atraindo pescadores de várias praias do nosso estado e até mesmo de outros vizinhos, como Paraíba e Ceará.
Ao retornar para Galinhos, após o final da safra de albacora, Francisquinho informou a sua mãe que tinha gostado muito do lugar e que voltaria para morar. Então, no mesmo ano, o adolescente chegou a Pipa e, dessa vez, para ficar.
No início, começou a pescar em barcos de outras pessoas e, como já entendia um pouco da carpintaria naval, aventurou-se no conserto de botes. Em Galinhos, onde morava, costumava realizar pequenos consertos em embarcações que chegavam avariadas. Posteriormente, veio a se tornar o maior carpinteiro naval das praias do Litoral Sul, como são conhecidas as praias que se situam à direita da cidade de Natal.
Anos depois, Francisquinho conheceu a viúva Maria da Conceição Borges e com ela se casou. Dessa união tiveram cinco filhos, sendo dois homens, três mulheres e um sexto filho que foi adotado.


Os dois primeiros botes que construiu foram: “Taubaté” e “Baluarte”. A partir daí, até o último bote construído, “Malembá II”, foram mais de quinhentas embarcações, entre botes a pano, a motor e jangadas de compensado naval. Eu, juntamente com meu irmão, Dante, tivemos a oportunidade de, em 2004, ter uma dessas jangadas construída por ele.

O Malembá II, a última e maior embarcação que construiu, tinha 16,5m x 6,5m e destinava-se ao transporte de turistas em passeios pelas praias do norte. Foi projetado para levar 150 passageiros, em dois andares.
O proprietário desta embarcação dizia que, se por acaso, não desse o resultado esperado com os passeios turísticos, o barco seria destinado ao transporte de cargas para a ilha de Fernando de Noronha. Fui informado que se encontra no Norte, na praia de Galinhos... Fazendo o quê? Não sei.

MALEMBA II

Por muitos anos, o estaleiro de Francisquinho funcionou na Praia da Pipa, próximo à casa onde morava, na rua de cima. Com o tempo e a fama de bom construtor, aqui chegavam, de várias regiões, pessoas interessadas em contratar a construção de barcos no estaleiro do mestre. Essa fama perdurou enquanto esteve à frente da administração do seu estaleiro.
No início, a construção de um bote levava muitos dias, pois faltavam ferramentas e havia a dificuldade em conseguir a principal matéria prima: a madeira. As árvores eram retiradas das matas que ficavam a uma boa distância da praia. Dependendo da sua utilização, elas podiam ser cortadas de maneira bastante rudimentar.
Este material era transportado em lombo de animais ou na cabeça dos homens. O machado era utilizado para derrubar a árvore escolhida e depois dois homens operavam um grande serrote para abrir a madeira em pranchas que mediam três polegadas de espessura. Levavam-se dias para transformar em pranchas uma árvore de bom porte. Abertas em forma de pranchas ou moldadas em “cavernas”, as peças em forma de “U”, que juntamente com a quilha formam o esqueleto do bote, muitas vezes eram lavradas na própria mata. Quando transportadas para o estaleiro, já estavam no ponto de acabamento. O processo era concluído com a ajuda de plainas e enxós. O trabalho era penoso. Conseguiam moldar peças enormes de madeira bruta em robustas “cavernas”, dando-lhes as formas necessárias, utilizando apenas o machado e a enxó.
Para armar o bote era preciso primeiro situar a quilha. Depois a roda de proa, a espinha e em seguida a colocação do cavername. Após a colocação das “cavernas”, seguia o terço de proa e o terço de popa. O próximo passo era “envedubar” o barco, ou seja, dar a forma que vai ficar depois de pronto. Em seguida, vinha o “enlatamento” – operação que consiste em pregar barrotes, ligando as duas extremidades das “cavernas”, em preparação para o tabuamento do convés. Essa operação era realizada logo que aprontavam as escotilhas de porão. Somente na fixação das tábuas do convés é que utilizavam pregos. Nas outras operações, como também no tabuamento dos costados, eram utilizadas cavilhas. Em seguida, eram feitos as bordas e os corrimãos de bordas. A última operação antes da pintura era o calafetamento, que é a vedação do barco. Para isso eram utilizadas estopas feitas com a casca da sapucaia.

Procurei aqui, da melhor forma que me foi possível, descrever o que foi, para o mestre Francisquinho, a paixão de toda sua vida: construir barcos. Para exercer tão nobre profissão teve que passar por muitos desafios que lhe foram impostos durante o tempo em que pôde manobrar com maestria as ferramentas que lhe permitiam, usando somente a intuição e a vontade de vencer desafios. Ao longo de sua vida, o mestre produziu verdadeiras obras de arte da nossa construção naval, de pequeno porte.
No último dia 22 de maio, descansou para sempre o mestre Francisquinho. Acometido de vários derrames, viveu recluso os últimos anos em seu sítio, nos arredores da Pipa. Tinha perdido a condição de falar e andava com muita dificuldade. Mas, quando encontrava os amigos, seus olhos miúdos brilhavam de satisfação e felicidade, diziam o que sua voz, levada pela doença, já não lhe permitia dizer. Morreu o homem, o profissional, o mestre, o amigo, o religioso e o pai de família que soube criar os seus filhos com dignidade. Teve ainda, junto com sua esposa, espaço em seu coração para o sublime ato de amor ao próximo, a adoção. Descanse em paz, amigo.

Natal, junho de 2009.