terça-feira, 21 de janeiro de 2014
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
CARTAS DE COTOVELO 2014 (6)
Estou desconfiando que já vivi demais, pois todos os livros de reminiscências
que tenho lido nos últimos tempos, me encontro na história ou na paisagem.
A coincidência mais recente ocorreu com a pequena obra ‘Confraria de Floriano’,
que recebi de presente de um dos seus integrantes, o amigo e escritor Ormuz
Barbalho Simonetti.
O livro apresenta registros emocionais e emocionados de alguns dos meninos
protagonistas dos acontecimentos marcantes dos anos 60 e 70, numa velha bodega
na esquina das Ruas Princesa Isabel e Apodi nº 160, de propriedade de Floriano
(Jordão de Andrade), de tradicional família macaibense, onde foi fundada a Confraria
de adolescentes, compartilhando com o Mercadinho de Pedro David, no outro lado
da rua.
As narrativas evocam os anos dourados em Natal, um verdadeiro ‘tempo dos
pardais no verde dos quintais’, onde o medo se chamou ‘jamais’.
Não participei dessa Confraria, mas de outra que se reunia na Rua Ceará Mirim,
no Baldo, mas a bodega era também eventual pouso de nossa turma quando se
dirigia para a diversão nos mesmos lugares rememorados dos cinemas Rex, Rio
Grande e Nordeste, com algumas incursões no Poti e certamente nos filmes de
faroeste e seriados(Legião do Zorro, O Homem Fioguete, Flaxh Gordon, Tarzan,
Rock Lane, Roy Rogers, Gene Autry, Cavaleiro Negro) dos cinemas São Luiz e São
Pedro, estes no Alecrim, tendo por transporte o velho ‘bonde’, de saudosa
memória. Ainda tenho guardada uma substancial coleção de revistas em quadrinhos
daquele tempo, iniciada desde 1948 em Macaíba e adquiri praticamente todas as
séries em cópias reproduzidas em DVD,s.
Lembro-me bem que comprávamos cigarros, que eram acesos em uma lamparina
permanente acesa, escondida em um pequeno caixote de madeira, com um orifício
na parte superior e lá éramos abastecidos com uma guaraná ou, às vezes, algo
mais ‘substancioso’ para nossas folias.
Recordo dos polis fabricados em casa, dos lanches no ‘Dia e Noite,
Espaguetilândia, Caldo de Cana Orós, dos porres de lança perfume, da cuba
libre, da vodka com laranjada, do cuscuz da Mata, naqueles taboleiros de metal
com duas tampas e da correria dos vendedores para atrair clientes, do
verdureiro trazendo os seus produtos nos ombros (caçoás), do pão vendido em
cestos por Seu Pedro do pão, no lombo de animais, a velha da carimã, pirulito,
cocada, rolete de cana, cavaco chinês(está de volta), dos velhos carnavais das
‘bagunças’ e dos bailes na Assen, Aéro, América e ABC. Não conheci o ‘Coice de
Mula’, mas lembro dos ‘Tora da linha’.
As peladas tinham o mesmo ardor, em quintais diferentes no Barro Vermelho ou na
própria rua Ceará Mirim, como igualmente a escolha das nossas musas.
Porém aquela vida pacífica e alegre era comum, algumas vezes perigosa, nos
banhos proibidos do poço do dentão ou dos jogos nas lojas de bilhar da Ribeira,
com portas fechadas por conta do juizado de menores.
É claro que havia alguma variação nas preferências, mas a atmosfera era a
mesma. Até as alcunhas ou apelidos se pareciam – Zezé, Cacá, Gordo, Magro,
China, Bob, Xuba, Lula, Baiá, Bel, Baíto, os Pelados, Dôta, Beto, Gasolina, Gás
óleo, Chico. Tivemos as nossas perdas pranteadas, mas nenhuma em decorrência
das torturas de um regime de força. Quando muito tivemos vizinhos que
responderam processos nos idos de 1964, como Renê, Juarez, Romeiro.
Posso até ter notado aquela molecada em suas reuniões, mas lhes dei atenção,
pois já estava num patamar de idade, pelo menos, em dez anos à frente, onde as
diversões eram mais variadas ‘e o buraco era mais embaixo’.
Recordar é viver, diz um velho ditado; recordar é sofrer, as sombras do
passado; de sonho que viveu em nossos corações ou de um amor que morreu
deixando uma cruel paixão. Crer num sonho de ilusão, ver na imaginação ...
Basta, a garganta já está embargada!
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
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