Desfilavam pelas ruas da velha cidade outros saudosos pregoeiros.
A velhinha da carimã, uma espécie de broa feita de massa azeda de mandioca,
muito utilizada na confecção de bolos e biscoitos. Andava sempre com um porrete
na mão, para se defender dos cachorros vadios, mas também pra correr atrás dos
garotos traquinos que mexiam com ela gritando “carimã podre!”.
O vendedor de alfenim, um simpático velhinho que usava uma velha
sandália de rabicho feita de sola e caminhava lentamente com paços miúdos e
cadenciados, trazia em seu tabuleiro torrões de açúcar transformados em
miniaturas de bois, vacas, cachorros, galinhas e cavalos, tudo cuidadosamente pintados
com cores vivas e atraentes.
A vendedora de mangabas, negra alta e esbelta, equilibrava
na cabeça com graça e desenvoltura, um alguidar de barro cheio dessas frutinhas
genuinamente nordestinas. A venda era
feita por litro e também em pequenas caixolas feitas com folhas de “cajueiro
brabo” - uma espécie que existe em áreas de tabuleiros e que tem folhas grandes
e espessas - e costuradas com palitos de coqueiro. As frutas eram colhidas nas
dunas que circulam nossa cidade pelo lado do nascente.
Outro pregoeiro, que ainda hoje pode ser visto pela cidade,
é o vendedor de geleia de coco. Conduzindo o tabuleiro na cabeça, anunciava o
produto batendo seguidamente com uma espátula, que utilizava no corte das
poções, em uma das pernas do tabuleiro que produzia um som metálico. Os preços
variavam de acordo com o tamanho da porção. Ao lado do tabuleiro, presos por um
arame, pedaços de papéis de diversas cores serviam para acondicionar a
guloseima. Pessoas que por ventura utilizassem próteses dentárias, por motivos
óbvios, evitavam seu consumo.
O vendedor de pirulitos – do tipo guarda-chuva -, garoto franzino e saltitante, vez por outra
encostava a tábua recheada com as deliciosas iguarias no muro de alguma residência,
pra jogar bola de meia ou de gude, com os garotos da rua. Não raro, quando apanhava
a tábua novamente, alguns pirulitos havia desparecido misteriosamente. Mesmo
assim, sempre estava por ali batendo uma bolinha.
Lembro do vendedor de raivas, que trazia o produto em um
depósito cilíndrico dentro de um saco e o conduzia preso as costas segurando-o
com uma das mãos. Havia ainda o vendedor de cocadas; o de tapioca e beijus no
coco além dos conhecidos grudes de Extremoz, que passava propositalmente sempre
no início das manhãs ou no final das tardes, horário que antecede as refeições;
o vendedor do famoso “cuscuz da Mata”, caminhava equilibrando o tabuleiro na
cabeça, com andar ligeiro e cadenciado como se disputasse uma macha atlética. Com
os primeiros raios do sol, partia para sua maratona que começava na Avenida Um,
no bairro do Alecrim, onde se localizava a fábrica, só retornando no dia
seguinte, após novo carregamento.
O pipoqueiro, presença constante nas portas das escolas ou
onde houvesse aglomeração de crianças, também realçava o cenário das ruas da
velha cidade. O vendedor de cavaco chinês, que apesar da modernidade, ainda
insiste em sobreviver, não utilizava nenhum pregão.
Era reconhecido apenas pelo frenético tilitar de seu triângulo, em obediência um
encadeamento bem conhecido, principalmente pela criançada.
E continuava o desfile dos pregoeiros matinais. Aparecia o
vendedor de peixe, que os trazia pendurados em uma peça de madeira apoiada em
cima de seu ombro. Na mão, um porrete de madeira e na cintura uma peixeira “12
polegadas”, para tratar o pescado, ou dividi-los em postas de acordo com o
desejo da dona de casa. O vendedor de caranguejos-uçá e gordos goiamuns,
vendidos amarrados em cordas de 10 e 12 unidades, pendurados em um pau de
galão. O vendedor de camarões torrado, vendidos em litros, atraia os
fregueses anunciando que sua medida era “cheia no capricho” e sempre tinha um
agrado de 4 a 5 camarões que colocava depois.
Um dos pregoeiros mais famoso daquela época foi o
jornaleiro Cambraia. Conheci-o muito bem, pois, diariamente, passava em frente
a minha casa anunciando com um vozeirão arrebatador: “ôlelê, ôlelê, jorná de
natá”. Negro alto, de brancos cabelos pixains que mais pareciam pipocas, tinha feições
marcadas pelo tempo. Andava sempre de pés descalços, calças arregaçadas na
altura dos joelhos e camisa entreaberta. Trazia os jornais, em baixo do braço
protegidos por uma espécie de papelão.
- Continua
na próxima quinta-feira-
Só um pequeno reparo a esta reconstituição tão minuciosa e precisa: o cuscuz era "Café da Mata" que era a marca do fabricante. Surgiu também um concorrente que era o "Cuscuz Imperial".
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