Avenida Deodoro da Fonseca - Internet
...Na
década de 60 foram surgindo outros frequentadores, na sua maioria moradores da
região e adjacências, além de “convidados”, como era o meu caso, pois naquela
época morava na Avenida Deodoro. O meu
ingresso na turma foi através de um amigo de infância, Thales de Abreu Saraiva
que ao se mudar da Rua Felipe Camarão para a Rua Princesa Isabel levou-me para
a nova turma. Sua casa ficava em frente à residência dos irmãos Jahyr e
Jurandyr Navarro, no final da rua próximo a ladeira do Baldo.
Cito alguns frequentadores e suas
estórias segundo as lembranças de José Augusto de Freitas - Zezé: Luis de França,
apelidado de "Luis, o Bucaneiro". Certa vez Zezé fez um jornalzinho,
com a caricatura dele, vestido de pirata, com perna de pau, papagaio e
tudo. Havia os irmãos Bezerrinha, Dilson, Kessinho e Baiá. Tinha, ainda, o
Rapa-coco, um senhor meio velho bem alto e magro; Abdênego, sargento do
Exército, reformado; Heródoto, um cara atarracado, de porte atlético e de
estatura elevada que quando enchia a cara ficava zanzando pela bodega e
esfregando sua enorme pança no balcão. Numa dessas idas e vindas,
desequilibrou-se e, acidentalmente, quebrou a quartinha da bodega. Um grande
estrondo seguiu-se de um verdadeiro dilúvio, já que a enorme quartinha
comportava quase 20 litros d’água. Cacos de barro se esparramaram sobre o
passeio. Após um silêncio sepulcral dos que estavam presentes e o despertar de
alguns pinguços adormecidos, todos os olhos voltaram-se para o culpado.
Floriano que havia se ausentado da bodega pela porta que dava acesso a sua
casa, ao ouvir o estrondo retorna, e atônito depara-se com o cenário
avassalador. Depois de refeito olha para Heródoto e com voz paternal, diz: “Heródoto, o que você fez? Você quebrou a
quartinha do povo! A quartinha que matava a sede dos amigos! Você não fez mal a
mim Heródoto; você prejudicou o povo que bebia água dessa quartinha!”...
Foto internet
Heródoto, ainda zonzo e sem entender
direito o que se passava ou o que tinha feito, com um ar de pura inocência,
respondeu, com sua voz pausada e pastosa:
- Ao povo, nobre amigo?
Eu fiz mal ao povo? Quando ele se dirigia a Floriano tratava-o de
"nobre amigo" (...) Envergonhado atira seu corpanzil
totalmente sem domínio sobre umas caixas de cerveja e se entrega aos seus
devaneios etílicos.
Frequentavam ainda a bodega de Floriano: Vavá Pombo, irmão do exímio
violonista o saudoso Efrain, que faleceu prematuramente após uma crise de
apendicite; e também o não menos famoso Lelé, um dos maiores trombonista de
nossa terra, morto em um acidente que ficou conhecido como a Tragédia do Baldo.
Todos a seu tempo devem um
pouco de sua formação na universidade da vida, aos ensinamentos aprendidos nos
bancos feitos com caixas de cerveja e tamboretes da bodega de Floriano. Vavá
Pombo grande craque da bola, tendo atuado como ponta direita do América, tinha
fama de mentiroso e contador de histórias. De sua vez, irmão de saudoso
Demóstenes, ídolo do Botafogo do Rio de Janeiro, tendo, inclusive, sido
lembrado para compor a seleção brasileira da época. Era uma abençoada família
de versáteis artistas.
Botafogo 1950 - F.internet
No livro de depoimentos “Amigos do
Tirol”, lançado em 2010, Mozinho um dos autores, narra uma estória que eu ouvi
na bodega de Floriano e a ele transmiti há muitos anos atrás: contava Vavá que
certa vez estava tão bêbado, mais tão bêbado, que jogou uma pedra no chão e
errou. De outra feita, disse que após uma chuva torrencial notou, em cima um
abacateiro que ficava no quintal de sua casa, uma manha escura pendurada em um
dos galhos. Aproximou-se e cauteloso começou a cutucar a tal mancha com uma
vara de bambu. Eis que em dado momento ouve um violento estrondo e ele cai pra
trás. Refeito do susto surpreendeu-se ao perceber que tinha conseguido liberar
um trovão que durante a chuva, acidentalmente ficara preso nos galhos do
abacateiro.
Havia também os que
“assinavam ponto” regularmente como Ariosvaldo, que se dizia ex-combatente da
FEB. Quando ele chegava ou passava, a meninada traquina gritava:
"Chega-lhe a bufa" e ele saia esculhambando papagaios e periquitos...
Floriano contava que quando o navio que transportava os combatentes para a
Itália alcançou a saída da barra, Ariosvaldo pulou (heroicamente) no mar,
retornou para casa e lá se escondeu até o final da guerra.
Raimundo, também conhecido como
“Raymundo de La Cruz”, era um cara amarelo, de olhos acinzentados como de uma
cobra. Floriano dizia que ele era um cara perigoso e que já havia matado gente. Certa vez, Carlinhos
“barbeiro” disse uma brincadeira que Raimundo pensou que era com ele e fez o
seguinte comentário: "formiga quando quer se perder cria asa, né
Floriano"? Carlinhos conhecedor da fama
do colocutor desconversou e sem demora, deu no pé temeroso da observação.
F. internet
Numa determinada época, a orquestra de
Ivanildo Sax de Ouro, veio fazer uma temporada no América F.C. e acabou ficando
definitivamente em Natal. Os músicos passaram a frequentar a bodega de
Floriano. Os mais assíduos, que logo fizeram amizade coma a turma da rua,
foram: Odilon (violonista), Marçal, um meio japonês que era pianista e metido a
filósofo; Saci, um negrinho alto e magricela, que entornava todas e tinha os olhos vermelhos e
esbugalhados. Era um virtuoso do contrabaixo. Certa vez ele tocando no America,
totalmente embriagado, caiu e continuou no chão, tocando o instrumento até o
término da música.
O próprio Ivanildo também frequentava a
bodega de vez em quando para bater um papo com os amigos e admiradores. Havia
ainda uma figura exótica que todo mês chegava por lá: a professora Julieta. Ela
parecia uma figura saída de um conto de fadas. Vestia uma roupa estilizada, de
seda pura, com um coque no cabelo envolto em um lenço também de seda. Usava marrafas,
brincos extravagantes e um batom bem vermelho tipo “boca louca”, nos grossos
lábios. Lembrava uma velha cigana. Notava-se que sua idade já era bem avançada.
Era aposentada e cuidava ao que parecia de alguns meninos, possivelmente seus
sobrinhos. Ela comprava ninharias de confeito, doces cristalizados (mariola),
raiva (bolinhos de goma), para levar pra eles.
F. internet
De pé no balcão ordenava:
"Floriano bote dois mil réis de raivas.” Floriano em obediência as ordens
daquela extravagante dama, logo pegava em baixo do cepo de madeira um papel de
embrulho ou um pedaço de jornal e com dedos ágeis começava a enrolar o pedido
da madame (...)
Legal Ormuz. Mais uma resenha maravilhosa daqueles tempos gloriosos da nossa querida Bodega de Floriano.
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