Hoje eu lembro com saudade o tempo que passou
O tempo passa tão depressa, mas em mim deixou
Jovens tardes de domingo tantas alegrias
Velhos tempos, belos dias
(Roberto Carlos)
Tenho saudade
dos veraneios das décadas de 70 e 80. Vez por outra, pego-me em saudoso
devaneio, lembrando-me daquela época. Isso ocorre principalmente quando vejo a
praia sendo tão maltratada por aqueles que teriam a responsabilidade dela
cuidar. As falésias, invadidas pelas pousadas, estão pontilhadas de cano de
esgoto, propiciando aos que por ali passam uma triste visão e a sensação de que
estamos perdendo a guerra contra esse tipo de pessoa. Em alguns pontos os canos
são bem visíveis. Indicam que ali não se tem nenhum respeito pela natureza nem
pelo próprio lugar onde se vive com a família.
Quando vejo
aquele pequeno pedaço de praia, que com certeza é a menor do Brasil, sem espaço
para os banhistas, apinhada de sombrinhas e de vendedores, causa-me um extremo
desconforto. É um verdadeiro mercado persa, onde se vende todo tipo de
mercadoria, desde alimentos de duvidosa higiene a roupas, artesanatos e,
ultimamente, mais uma modalidade de exploração comercial: o aluguel de cadeiras
e sombrinhas. A desorganização é total. Não existem regras para nada, ou pelo
menos não as percebemos. As sombrinhas de praia tomam conta de toda a pequena
orla. Os comerciantes do local, no afã de ganhar mais dinheiro, invadem o
pequeno espaço que os banhistas têm para se locomover, chegando a ponto de
colocar as sombrinhas até dentro d’água, acompanhando a vazante da maré. E tudo isso sob os olhos complacentes do
poder público, que nada faz para modificar essa situação.
Tenho
saudade, sim, daqueles veraneios de outrora, quando podíamos andar pela praia
sem termos que nos deparar com esse tipo de situação. Não quero, com isso,
dizer que sou contra o progresso, principalmente aquele que traz benefícios à
população. Todavia, sou terminantemente contra o progresso a qualquer custo – aquele
que é feito sem o mínimo planejamento, desorganizado, poluidor e destruidor,
que passa por cima de tudo e de todos, contanto que atinja seus objetivos
mercantilistas.
De uns tempos
para cá, o lema na Pipa constitui-se em: dinheiro e lucro a qualquer custo!
Tenho saudade
de quando andava pela praia, pisando na areia branca que, de tão alva e macia,
dava vontade de se deitar. Ainda posso ouvir o rangido fino que ela produzia,
quando pisávamos com mais força ou então quando corríamos sobre ela. Quantas
vezes, depois de uma noite de “serenatas”, ficávamos a conversar até alta
madrugada naquela areia... Por vezes, dormíamos ali mesmo. Não tínhamos medo,
pois não havia motivo para tal. Até o final da década de 90, não me lembro ter
acontecido na Pipa qualquer fato que envolvesse violência. Era comum pessoas
dormirem em suas casas com as janelas abertas, sem nenhum receio. E como era
bonito acordar bem cedinho e olhar os botes ancorados no porto! Naquele seu
indolente balançar. Quando os primeiros raios do sol surgiam por cima do morro
do Cruzeiro, revelavam toda a exuberância de um pedacinho da Mata Atlântica,
naquele tempo, totalmente preservada. Infelizmente, não posso dizer o mesmo nos
dias de hoje. Basta dar uma olhada à noite, para ver o foco das luzes dentro da
mata que cobre o morro, para que se percebam as construções que lá existem.
Irregulares? ... Não sei!
Quantas vezes
eu vi a amanhecença naquela areia, contemplando a imensidão do oceano iluminado
pelos primeiros raios do sol... Logo era invadido por uma profunda paz de
espírito, como se sentisse a presença divina. A contemplação da natureza em
todas as suas formas nos propicia esse estado de paz e bonança com o Criador.
Sim, tenho
muita saudade das noites dormidas nos alpendres, das brincadeiras de dar “nó de
jabá” no punho das redes dos mais descuidados ou dos incautos “visitantes”. Os
namorados das nossas primas eram os nossos principais alvos. Alguns dos rapazes
mais afoitos, além de darem o famigerado nó, colocavam a rede de volta nos
armadores e, com o peso de seu corpo, arrochavam o máximo que pudiam. Depois,
ainda urinavam em cima para que o infeliz não pudesse usar os dentes para
desatá-lo. Que maldade! O coitado tinha que se arrumar lá pela areia da praia
e, certamente, amanhecia o dia sem pregar olhos.
Essa era a
Pipa dos anos dourados. Ocorreu-me agora a lembrança dos versos de uma música
do poeta Dorival Caymmi, eterno apaixonado por sua terra. Diz muito da Pipa
daquela época, do tempo da beleza, talvez do tempo da delicadeza.
[...] É quando o sol vai quebrando, lá pra o
fim do mundo pra a noite chegar
É quando se ouve mais forte o ronco das ondas
na beira do mar
É quando a cansaço da vida, da lida obriga João
se sentar
É quando a morena se enrosca, se chega pro lado
querendo agradar
Se a noite é de lua, a vontade é contar
mentiras, é se espreguiçar
Deitar na areia da praia que acaba onde a vista
não pode alcançar
E assim adormece esse homem que nunca precisa
dormir pra sonhar
Porque não há sonho mais lindo do que sua
terra, não há
(Dorival Caymmi)
Pipa,
junho de 2009.
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