DE VOLTA PRA O ACONCHEGO - II
Seguiu
a cavalgada/carreata estrada afora. No carro de som que fazia parte do cortejo,
podíamos ouvir cantigas de vaquejada: “Minha
mãe teve dois filhos, fruto de amor e paixão. Brincando crescemos jutos às
margens do Riachão. O destino separou, ele foi ser um doutor e eu fiquei pra
ser pinhão”.
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Carro de som acompanhou todo o percurso |
Pouco antes de chegar à fazenda Lagoa do Cajá, aconteceu um
pequeno acidente. Uma das cavalheiras foi atirada ao chão, quando sua montaria
desequilibrou-se ao pisar em um buraco. Nada de grave, apenas um susto. Nessas cavalgadas,
não raro acontece pequenos incidentes o que já é comum nesses eventos.
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Fazenda Lagoa de Cajá - Serrinha RN |
Na fazenda Lagoa do Cajá, Marlene nos
esperava para o almoço. O prato principal seria um “porco churrascado”
acompanhado de uma “favada”. Já havia experimentado o feijão fava de diversas
maneiras, porém jamais tinha comido uma fava com aquele sabor.
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Porco na brasa |
Preparada à base
de carne de charque, paio, lingüiça calabresa, bucho bovino, mocotó, muito
tempero e a habilidade da cozinheira, logo transforma aquele rústico cereal,
muito apreciado no sertão nordestino, em um verdadeiro manjar dos deuses.
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Ana Maria serve a "favada dos deuses" |
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Favada à Lagoa do Cajá |
Em dado momento a tradição se fez presente com
“Neguinho Aboiador” tirado versos com os participantes, às vezes
arrancava risos e aplausos. É bonito e sonoro ouvir o poeta-cantador, em
preservação a uma das mais puras e autênticas manifestações culturais do
nordeste do país.
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Neguinho Aboiador na fazenda Lagoa o Cajá |
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Neguinho Aboiador na fazenda Lagoa Nova |
O escritor José de Alencar, em seu livro O Sertanejo, diz do
ritual do aboio. “Não se distinguem palavras na canção do boiadeiro; nem ele as
articula, pois fala do seu gado, com essa linguagem do coração que enternece os
animais e os cativa”.
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Fazenda Lagoa Nova a mais bonita e antiga da região |
Por
volta das 3 horas da tarde depois de muito forró, cachaça, porco churrascado e a
inesquecível favada, partimos para a mais famosa e antiga das fazendas da
região: a Fazenda Lagoa Nova.
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Lagoa da fazenda Lagoa Nova |
Assim que atravessamos a porteira, logo me deparo
com aquela paisagem já bem conhecida de outrora. A visão da lagoa que se
debruça em frente à casa grande, cheia de marrecas, galinhas d’água, jaçanãs e
mergulhões, nadando tranqüilos naquele espelho d’água que refletia as nuvens
muito brancas, em contraste com o lindo azul turquesa de suas águas. Parei
o carro por alguns instantes para melhor desfrutar daquela beleza singular.
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Galinhas d'água |
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Jaçanãs |
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Casa Grande da fazenda Lagoa Nova |
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Alpendre Casa Grande - fazenda Lagoa Nova |
O
casarão construído em taipa e com mais de 100 anos de existência,
encontra-se em bom estado de conservação. Fomos recebidos por tia Julia, viúva
de Paulo Barbalho que herdou de seu saudoso marido o dom de boa anfitriã. Até
os dias de hoje nunca conheci um pessoa que se igualasse a Paulo Barbalho no
trato amigo e acolhedor dos que tiveram a sorte de baterem á sua porta. A grande maioria dos seus correligionários são testemunha dessas suas qualidades, pois muito se beneficiaram de
sua arte de bem receber, além da fiel amizade que sempre dedicou a todos, lamentavelmente, nem sempre foi correspondida.
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Capela da fazenda Santa Terezinha - Serrinha RN |
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Fazenda Santa Terezinha |
De
Lagoa Nova a caravana dirigiu-se para a fazenda Santa Terezinha, cujo
proprietário é outro primo, Honório Barbalho. Ao chegar já encontramos a
fazenda com muitos convidados vindos de Goianinha.
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Queijo de manteiga - fazenda Sta Terezinha |
O prato principal oferecido
aos que chegavam era um delicioso queijo de manteiga, que acabara de sair do
fogão à lenha. Pedi licença ao dono da casa para cumprimentar a queijeira.
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Dona Délia - queigeira famosa na região |
Dona
Délia exímia na sua arte, desde pequena dedica-se a essa atividade aprendida
com seus pais. Infelizmente não houve tempo para comer o que mais aprecio na
confecção do queijo de manteiga: a raspa do taxo. A mistura feita com migalhas
de queijo que ficam presas no fundo da panela, com farinha de mandioca e um
pouco de manteiga da terra, também conhecida como manteiga de garrafa, por ter
sua comercialização feita em garrafas, se constitui em uma das maravilhas da
gastronomia sertaneja.
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Faz. Sta Terezinha |
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Faz Sta. Terezinha |
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Ormuz Simonetti na fazenda Sta. Terezinha |
A
próxima e última parada foi na fazenda Jacumirim, de propriedade de Edinho,
amigo e parceiro dos organizadores. Não compareci vencido pelo cansaço. Retornei
para a fazenda Lagoa do Cajá onde iria pernoitar.
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Por do sol na fazenda Lagoa do Cajá |
Aguardaria o retorno dos
participantes, pois lá estava prevista a finalização do evento, com um forró pé
de serra. A festança varou a noite com muita alegria, churrasco e a indispensável e boa cachaça.
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Casal de galo de campina |
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Bem-ti-vi |
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Guriatã no facheiro |
Pela manhã acordei com o canto melodioso dos
pássaros que saudava o milagre do amanhecer. Ao lado da casa, três grandes pés
de algaroba servem de refugio aos pássaros que chegam para dormir.
Bem-te-vis, sabiás, galos de campina, sanhaços, os saltitantes xorrós,
majestosas rolinhas, golinhas e canários, exibem-se com seus gorjeios
melódicos. Até um casal de casaca-de-couro, pássaro que há anos não via,
também marcou sua presença naquela benfazeja manhã.
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Tetéu |
Voando alto e ligeiro, vez
por outra, ouvia o canto dos verdes-linho, pássaros pequenos e ágeis da família
dos periquitos, também conhecidos na região pelo prosaico nome de “tapacu”, que
tem por hábito escolher o oco das árvores ou velhos cupinzeiros para nidificar.
No pátio em frente à casa grande, o tetéu se exibia com vôos rasantes e seu
canto estridente.
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Inhambu |
Também podíamos ouvir, mesmo sem vê-los, o piado dos nhambus,
ave muito arisca e com grande poder de mimetismo com o ambiente natural,
proteção que lhe garante a difícil sobrevivência. A garoa caída durante a
madrugada fez aquelas terras se revestirem de esperança e de vida, no eterno milagre
do desabrochar da natureza.
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Marrecas viuvinha |
Durante a madrugada tive ainda a oportunidade de
ouvir o piado agudo das marrecas-viuvinhas, também conhecidas como irerês, que
voando por cima da casa grande, se deslocava a procura de novas aguadas.
Do
curral, situado ao lado da casa, chegava aos nossos ouvidos o mugido dolente do
gado sendo separado para a ordenha feita ainda de maneira tradicional. O cheiro
característico do curral misturado ao orvalho da manhã levou-me a recordas
passagens de minha infância e adolescência vividas naquelas mesmas terras, onde
hoje me encontrava. Todos nós guardamos alguns aromas em nossas mentes. Esses
aromas, que fazem parte da nossa memória olfativa, são também chamados de
Perfume da Memória. Há quem defenda a tese, de que nunca compramos um alimento
ou artigo de perfumaria, sem antes sentir o seu cheiro.
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Leite no curral |
O bezerro atados a pé da vaca por um arreador - pequena peça de corda- esforça-se
para alcançar suas tetas, enquanto o vaqueiro com movimentos ágeis e
cadenciados retira delas o leite quentinho e cheiroso e de sabor inigualável.
Tomamos alguns copos. Uma delícia! Infelizmente a grande maioria dos habitantes
urbanos, jamais irão sentir o prazer de tomar um copo de leite ao pé da vaca.
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Carro de bois ornamenta a entrada da fazenda Lagos do Cajá |
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Juazeiro da minha infância na fazenda Lagoa do Espinho |
Felizes aqueles que têm a oportunidade de vivenciar momentos tão venturosos
como esses, no dia em que, aceitando um convite, fiz uma nostálgica viagem, de
volta ao meu aconchego.
Natal, junho 2012.
Grande Ormuz,
ResponderExcluirBelas imagens, viagem inesquecível, excelente texto.
Viajamos todos com você! Parabéns.
Carlos Rossiter