quinta-feira, 24 de outubro de 2013

REMINISCÊNCIAS DA RUA PRINCESA ISABEL – A SAGA DE FLORIANO - EL BODEGUERO – II



         ...Naquela época, bodegas, vendas e mercearias, eram pontos de encontro de amigos. A bodega de Floriano, como era conhecida, tinha sua localização bastante privilegiada. Próxima do Grande Ponto, na época centro nevrálgico da cidade de Natal, frequentado principalmente por intelectuais, políticos e homens de negócios. O nome Grande Ponto vem desde a época dos bondes. Ali existia um café com esse nome no cruzamento da Av. Rio Branco com a Rua Pedro Soares, que a partir de 1930 passo a se chamar Rua João Pessoa. Anos depois desaparecia o café, porém o cruzamento eternizou-se com o nome Grande Ponto.

Era passagem obrigatória para quem subia a ladeira do Baldo procedente do Alecrim com destino ao bairro da Ribeira e o centro da cidade, como também os passantes advindos dos arrabaldes de Tirol e Petrópolis, que se destinavam ao populoso bairro do Alecrim. 
     
Bodega de Floriano - Foto 2013


    Apesar da sua excelente localização geográfica, havia ainda a figura emblemática de Floriano, que com ares de magistrado, administrava seu comércio por atrás daquele velho balcão, ao tempo que recebia sem distinção, num contínuo ritual de entra e sai, notórios e anônimos, que para ali se dirigiam em busca das mais recentes notícias da cidade e também para beber na fonte do conhecimento e do entretenimento gratuito, de uma boa e divertida conversa, uma vez que o velho Floriano, além de inteligente era especialista em “causos”, herança passada para seu sobrinho Valério Mesquita, que divertiam seus ouvintes, para não se falar na maior de suas qualidades: a de leitor compulsivo.

         Nas lembranças dos veteranos Jurandyr Navarro e Ticiano Duarte, desde a década de 40, costumavam passar por ali para “dois dedos de prosa”: Sebastião Fagundes. Seu pai era proprietário de um açougue em frente a bodega de Floriano; Luiz Rabelo, oficial da policia militar, boêmio, inteligência privilegiada e uma das maiores expresses da poesia potiguar; os irmão Ageu, Orlando e José Garcia, este último muito querido pelos amigos e de temperamento afável. Foi covardemente assassinado por desafetos de seu irmão mais velho Ageu Garcia, que o tocaiaram na Avenida Rio Branco próximo a casa do padre Monte, em plena luz do dia. Os irmãos Juarez e Vladimir Limeira, fanático torcedor do Vasco. Escrevia matérias sobre futebol no jornal religioso “A Ordem”.  Os irmãos José Estanislau e Tarcisio Fonseca, Sebastião e Sílvio Fagundes, Crizanto, Sandoval e Breno Capistrano que moravam na Av Rio Branco. Breno era piloto de avião e após o casamento mudou-se para Cuba onde permaneceu por vários anos. Joldemar, apelidado de “Touro” e também de “Canela de Ferro”. Era um tipo excêntrico, gostos esquisitos e de estomago de aço. Conta-se que gostava de se exibir chupando mangas caídas nos quintais, preferencialmente as mais maduras que ao cair no chão ficavam cheias de bichinhos (pupas). De outra feita, na bodega de Floriano arrebatou de uma só vez e com rapidez impressionante, um punhado de moscas que estavam pousadas sobre migalhas de açúcar em cima do balcão. Após o bote certeiro, mais certeiro ainda foi o local que ele colocou os insetos: dentro da boca e em seguida os engoliu como se fosse algum regalo de nossa culinária; José do Patrocínio, grande professor de português. Vestia-se com sobriedade e agia com austeridade. Quando corrigia alguém por “assassinar a língua pátria”, chamava-o de “analfa”. Morreu provavelmente de cirrose hepática devido ao consumo excessivo de álcool. Durante o governo de Monsenhor Walfredo Gurgel, Jurandyr Navarro então secretário do gabinete civil, conseguiu para o professor um tratamento em Recife, totalmente custeado pelo Estado. Recusou viajar a capital pernambucana vindo a falece meses depois; Clovis Cabana Campos Cortez; Luiz “Senhora”; Rui “Parrudo”; Jeremias, atualmente aposentado do TCE e Josué que foi gerente do Banco do Nordeste em Natal. Mora atualmente no Recife no bairro de Boa Viagem. Editou por muito tempo um pitoresco jornalzinho com o nome de “Gibi Aquático” que era vendido na praia de Boa Viagem. Como diferencial a excentricidade de ser lido, preferencialmente dentro d’água, visto ter suas páginas protegida por um plástico lacrado nas bordas; o próprio Ticiano Duarte, primo de Floriano e os sobrinhos Valério Mesquita e Ivan Maciel; os irmãos Jurandyr e Jahyr Navarro; Roberto Furtado, um dos fundadores do antigo MDB em nosso Estado; José Estanilsau da Fonseca e Tarcísio Fonseca que formou-se engenheiro; Sílvio Fagundes irmão de Sebastião; os irmãos Crizaldo, Crisanto e Crizeldo; Sandoval Capistrano, conhecido boêmio e empresário; os irmãos Geraldo Melo, Assis Melo e outros.

Gibi Aquático 

Naquela época a brincadeira mais preferida entre os jovens eram as peladas realizadas no leito da própria rua, naquele tempo de chão batido. Daí ter surgido o saudoso Goitacás, time formado pela meninada da rua que disputava campeonatos com times da redondeza.

       
                                                        Foto ilustrativa -

        O futebol se constituía numa das paixões de Floriano, principalmente, quando o Vasco da Gama, de Ademir Menezes (o queixada) estava em campo. Lembro-me de tê-lo visto, algumas vezes, sentado ao lado do balcão com ouvido colado no velho rádio Zenith, vibrando pelas vozes memoráveis dos narradores Jorge Cury ou Waldir Amaral, as acirradas disputas do time de seu coração. Quando o Vasco ganhava ficava todo faceiro e brincalhão, zombava dos adversários. Entretanto, se perdia, o humor modificava. Falava pouco e por vezes chegava a fechar a bodega mais cedo.
             

                                                     Foto internet

       Naquele ambiente pululava entre outras presenças, que por certo serão alvo de futuras narrativas, um verdadeiro séquito de clientes diuturnos, a quem os meninos da época classificavam como “os bebos de Floriano”. Logo pela manhã, iam chegando um a um, como fieis seguidores de uma religião ou mesmo abelhas inebriadas pelo aroma do néctar presente naquela taverna. Pediam uma “caninha” e iam se acomodando nos caixotes de bebidas que serviam de bancos, até que o elenco estivesse completo.


                                                      F. internet       

       Apesar de manter todas as portas sempre abertas, em número de quatro, das quais duas viradas para a Rua Princesa Isabel, o ambiente permanecia sombrio. Um balcão enegrecido pelo tempo e pelo uso dividia o ambiente em dois. No canto direito, uma tábua tipo alçapão atrelada a velhas dobradiças, rangia ao ser levantada, nas poucas vezes que o bodegueiro precisava transpor seus domínios, para atender alguma emergência, ou ainda retirar do recinto, algum bêbado inconveniente...


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

REMINISCÊNCIAS DA RUA PRINCESA ISABEL E A SAGA DE FLORIANO - EL BODEGUEIR - Parte I

Minervina, Floriano, Sofia, Geni, João Meira Lima e Sonia Maciel de Andrade.
(Foto registra o casamento de Floriano) Acervo de R. Andrade.
  
A estória começa quando no final do século XIX, o emigrante italiano Paolo Luigi Curcio, proveniente da região de Nápoli, desembarca no Brasil, possivelmente, pelo porto do Recife, porta de entrada de vários imigrantes, inclusive os italianos, que no Brasil teve como ápice o período compreendido entre 1800 a 1930.  Rumou para o interior do Rio Grande do Norte visando maiores e melhores possibilidades em sua nova vida e se estabelece na cidade de Vera Cruz. Artesão profissional especializado no fabrico de tachos de cobre e assemelhados, inicia um pequeno negócio naquela cidade do agreste potiguar. Tempos depois casa-se com uma moça nativa da região da tradicional família Ribeiro/Dantas. Dessa união nasceram diversos filhos e entre eles, Sofia Arlinda Curcio (1883/1959).

Como um bom profissional, ganha algum dinheiro, investe no ramo do comércio e amplia seus horizontes adquirindo terras na região, tornando-se, também, proprietário rural e agropecuarista. Por diversas vezes ouvira falar em Macaíba, uma promissora cidade próxima ao litoral, a 14 quilômetros da capital, que sob a batuta do paraibano da cidade de Pilar, Fabrício Gomes Pedroza (1809-1872), tornara-se um grande entreposto comercial. Com faro aguçado para bons negócios, vende todo seu patrimônio na cidade de Vera Cruz, muda-se com a família para Macaíba e inicia um novo negócio voltado exclusivamente para o ramo de estivas, também denominado popularmente de secos e molhados.   
         
       Dario Jordão de Andrade, nascido em Pirpirituba, microrregião do Brejo paraibano, chega à cidade de Macaíba em companhia de seu primo Olimpio Maciel de Andrade, agradam-se da cidade e resolvem se estabelecer. Tempos depois, Dario casa-se com Dona Sofia Arlinda Curcio que passa a se chamar Sofia Curcio de Andrade. Dessa união nasceram seis filhos. A exemplo do sogro envereda pelo ramo do comércio e se estabelece com um pequeno negócio ao lado de sua casa. A vida transcorre lenta e preguiçosamente naquele final de século, enquanto os filhos vão nascendo e sendo educados sob o olhar atento de Dona Sofia. 

O primogênito Clovis fez carreira como funcionário federal no Recife e ocupou posto de destaque na Alfândega daquela cidade. Escritor e poeta de grande sensibilidade, deixou algumas obras escritas; Nair, mãe do atual presidente do IHGRN Valério Mesquita; Nilda, que faleceu solteira; Sofia, mãe do nosso confrade Ticiano Duarte; Dario, juiz de direito de destacada atuação em nosso Estado, pai de Ivan Maciel de Andrade e, finalmente, o caçula de todos, o saudoso Floriano Jordão de Andrade.
         
      Em janeiro de 1910, falecia Dario Jordão de Andrade aos 33 anos de idade, quatro meses antes do nascimento de Floriano, que veio ao mundo em 05 de maio de 1910. Estava sentado em uma cadeira de balanço na porta de seu comércio, numa das tardes fagueiras do mês de janeiro, quando foi fulminado por um aneurisma, deixando a viúva com cinco filhos menores e um ainda para nascer.
         
      Dona Sofia ainda continuou por algum tempo tocando o comércio com as dificuldades inerentes a uma viúva no começo do século XX. Entretanto, enxergando mais adiante com olhos e coragem de uma autentica napolitana, vende o comércio e muda-se para a Capital preocupada em oferecer melhor educação para os filhos.

Então, em uma manhã ensolarada, por volta do ano de 1918, desembarca em Natal com cinco filhos pequenos um para nascer, com o receio do desconhecido, e a esperança de vencer na cidade grande. Compra uma velha bodega que já existia naquele mesmo endereço, anexa a uma casa que dava frente para a Rua Apodi, n°160. Inicia seu pequeno comércio, com vontade férrea, própria das grandes mulheres, já com comprovada experiência do tempo em que exercera a mesma atividade ao lado do marido, em sua cidade natal.        

Com o tempo, os filhos cresceram, casaram-se, com exceção de Nilda que faleceu solteira, e tomaram seus rumos pela vida. Somente Floriano, o mais novo de todos, continua na casa materna. Muito apegado à mãe, desde tenra idade, dedicou-se a ajudá-la no atendimento na bodega.

Quando rapaz inicia um namoro com uma moça que trabalhava na casa de dona Belarmina Ferreira Gomes, mais conhecida como Dona Bela, grande amiga de Sofia, que vem a ser a mãe dos Padres Monte e Nivaldo, que residia, na época, na Avenida Rio Branco n° 777, próximo à sua casa. A família não via com bons olhos aquele relacionamento, em virtude da grande diferença sócio-economica e cultural entre os enamorados, entretanto, nunca fizeram oposição ao relacionamento, respeitada assim, a vontade do jovem apaixonado.

Com a continuidade do namoro, Floriano resolve assumir o relacionamento com Minervina, era esse o nome de sua namorada, e aluga pra ela uma casa no bairro das Rocas. Posteriormente, resolve transferi-la para mais perto, aluga outra casa numa região antigamente denominada Salgadeira, que ficava próxima ao Baldo, no lado direito de quem sobre a ladeira em direção ao bairro do Alecrim. Nesse novo endereço, por ser próximo á bodega, passou a dormir com mais frequência nos braços aconchegante de Minervina.

Finalmente, com o falecimento de Dona Sofia, ocorrido em 21 de março de 1959, Minervina muda-se para a casa da Rua Apodi, casaram-se no civil e assim permaneceram até o fim de suas vidas.

Como todo jovem idealista da época, admirava do PCB - Partido Comunista Brasileiro. Homem de grande inteligência, leitor compulsivo e autodidata, apreciador das teorias do filósofo alemão Karl Marx e também admirador de Vladimir Ilitch Lenin. Nos anos de intensa repressão aos comunistas chegou a dar guarida em sua residência a dois líderes tupiniquins do partido: o médico Vulpiano Cavalcanti(1911-1988) e  Luiz Inácio Maranhão Filho (1921- dado como desaparecido a partir de 03 de abril de 1974, em São Paulo-SP). Vez por outra, confidenciava a amigos mais próximos cheio de orgulho: “ontem Vulpiano dormiu aqui em casa”. Luiz Maranhão também gozava desse mesmo privilégio.

Não era ativista, nem se envolveu diretamente com as ações do partido. Entretanto, como simpatizante, mesmo pondo em risco sua integridade física e também de sua família, mostrou-se solidário aos “camaradas” dentro de suas grandes limitações e parcos recursos (...)




segunda-feira, 14 de outubro de 2013

UM QUINTAL


Texto de Danusa Leão

Quando uma pessoa começa a melhorar de vida, pensa logo em comprar uma boa casa. E o que é uma boa casa? É preciso um jardim e uma piscina, imaginam os pais. Eles querem para as crianças uma infância saudável, com confortos que nunca tiveram, mas não pensam no principal: um quintal. Um quintal não precisa ser grande, e o chão deve ser de terra batida. Nele deve haver algumas árvores que não pareçam ter sido plantadas, mas sempre existido. Um abacateiro e uma goiabeira, de goiaba vermelha, são fundamentais. No fundo, um galinheiro tosco, com uma porta quebrada, para que as três ou quatro galinhas possam correr quando alguém quiser pegá-las.

Nenhum computador levará uma criança ao deslumbramento que ela terá ao encontrar um ovo e segurá-lo, ainda quentinho. É o mistério da vida nas mãos dela, mais absoluto e mais simples do que qualquer livro de filosofia. Um dia, a cozinheira avisa que vai matar uma galinha para o molho pardo. Os meninos pedem para ver a cena trágica; a mãe não quer, mas a empregada, acostumada, com o facão na mão, facilita. Se a galinha tiver dentro da barriga aquele monte de ovinhos, aí a lição de morte – e de vida – será ainda mais completa. E mais lições serão aprendidas quando alguém sugerir fazer uma peteca com as penas mais duras e algumas palhas de milho. Mas será que alguém sabe do que estou falando? Voltando: esse quintal deve ser meio abandonado, mas muito limpo; duas vezes por dia a empregada, cantando bem alto, dá uma varrida.                                         

É importante também que haja um tanque para lavar o pé de alguma criança quando ela pisar descalça numa porcaria, e um varal com pregadores de roupa de madeira. Nesse lugar, não vai ter horta nem pomar organizado. Em compensação, é bom que exista do outro lado do muro uma enorme mangueira para que se possa praticar o melhor crime do mundo: roubar as frutas do vizinho. Nos fundos de um quintal, deve haver também uma touceira de bananeiras ou bambus e, claro, um adulto dizendo sempre para tomar cuidado, pois ali pode ter uma cobra. 

Não há infância que se preze sem medo de cobra. Quando as goiabas começam a crescer, fica todo mundo de olho até a primeira delas estar no ponto para ser arrancada e mordida ali mesmo, sem lavar. E que sensação terrível quando se vê o bicho da goiaba se mexendo. Aí, sem que ninguém precise dizer nada, você começa a aprender que a vida é assim: ou se compra uma goiaba bonita, mas sem gosto, ou se espera com paciência ela amadurecer no pé até desfrutar o supremo prazer de dar aquela dentada – com direito a bicho e tudo. Mas o tempo voa.                                   

De repente você se sente só, abre o caderno de telefones e percebe sua pouca afinidade com os nomes que estão lá, que tem vivido uma vida que não tem nada a ver e começa a procurar um sentido para as coisas. Não encontra resposta, claro, mas um dia está no trânsito, vê um terreno baldio, se lembra daquele quintal no qual não pensa há anos e percebe que essa é a lembrança mais importante e mais feliz de sua vida. E passa a olhar o mundo com a superioridade de quem tem um tesouro guardado dentro do peito, mas ninguém sabe.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

SOBRE O CORTADOR DE CANA ANTONIO MOSSORÓ. DO LIVRO "OITEIRO" MEMÓRIAS DE UMA SINHAZINHA-MOÇA de MAGDALENA ANTUNES.


                                         ENGENHO OITEIRO - CEARÁ-MIRIM RN





...Um dia, porém, depois de mais de trinta anos ininterruptos no ofício de cortar cana, não os braços, mas as pernas lhe faltaram. Quis levantar-se e não pode. Estava paralítico. E era de ser ver a sua tortura, quando o engenho apitava pela manhã, não podendo ele acudir ao seu chamado. Então, escorregava da tipóia, e ia se arrastando pelo chão até a porta do casebre, tapado de bagaço de cana e ficava na soleira a olhar os companheiros que passavam de foice às costas, para o canavial. Não chorava. O homem do campo não chora. Pegava a foice, alfange que impelido pela força de seu braço decepara centenas de partidos da preciosa gramínea e beijava-a, aconchegando-a no coração que soluçava...
E não suportando mais a vida, morreu, uma ano depois, abraçado ao instrumento de seu trabalho.

             

Morreu de esmola, esfarrapado, faltando-lhe, por vez, até a "candéia de gás" para iluminar-lhe as últimas noites de angustia. Só as estrelas e o céu azul não lhe negaram o amparo de seu brilho cotidiano.

               
                                                         Imagem Gibson Alves Machado

Antonio Mossoró! Cooperador incansável de Oiteiro! Devo à Divina Providência a graça dos auxílios que lhe foram prestados em nome do engenho que ele tanto amou e engrandeceu com a tenacidade de seu trabalho.


              


Sua dedicação ficar-me-á na alma como o contínuo farfalha do canavial, música que o Antonio Mossoró tanta amava e cuja lembrança me faz pedir perdão a Deus pelo gozo dos bens que me foram outorgado, graças ao esforço alheio tão mal compensado.


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

NAS AREIAS DA PRAIA DA PIPA UM LAMBE-LAMBE PORTENHO


         A Pipa é aquela praia aonde tudo acontece. Chego mesmo a afirmar que ela tem poderes místicos de atrair coisas que vagam pela terra ou pelo mar, e um belo dia, inexplicavelmente, encalha em suas areias.
       
    Hippies de todos os “espécimes”, excêntricos para todos os gostos, profissionais diversos, artistas, desocupados e pessoas que por vários motivos desejam permanecer no anonimato, têm encontrado nessa boa e acolhedora praia, o lugar ideal. A deficiência no policiamento, aliado ao grande número de andarilhos que anoitecem e não amanhecem, fazem da Pipa o paraíso dessa gente.
Imagem Internet

Mesmo na baixa estação, é grande o fluxo de pessoas advindas principalmente de Natal e João Pessoa, que chegam para se deliciarem de sua diversificada gastronomia, de padrão internacional, ou mesmo, curtirem a noite da Pipa, com seus bares e boates para todos os gostos e bolsos. Por conta dessa grande quantidade de flutuantes anônimos é que não raro, bandidos procurados pela justiça, escolhem este paraíso para se refugiar, naturalmente, desfrutando de certa tranquilidade. Aqui, além de contar com a costumeira acolhida nordestinamente pipeira, contam também o completo anonimato.
   
Acervo do autor


        Na semana passada, estava no alpendre de minha casa com alguns amigos, quando divisei ao longe, a imagem ainda difusa, de uma figura que logo me remeteu a década de 60. À medida que se aproximava, um turbilhão de lembranças misturava aquela excêntrica criatura as antigas ruas e praças de Natal da minha infância e adolescência.

Praça Pedro Velho - Natal


Caminhava vagarosamente pelas areias da praia, como se procurasse algo. Ao chegar mais perto pude enxergá-lo melhor. Tratava-se de um lambe-lambe! Carregava no ombro, com o tripé voltado para frente, aquele surrado caixote onde de um lado se encaixa um conjunto de lentes esquisitas, e do outro, um folgado pano preto cobrindo toda a extremidade do caixote.
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Lembranças de minha infância chegavam com uma nitidez impressionante. Dos passeios na Praça Pedro Velho quando podíamos encontrar os fotógrafos da época, munidos com suas modernas rolleiflex como também os lambe-lambe que pacientemente, sentados em tamboretes em baixo dos fícus benjamina, aguardavam os clientes. Também era comum encontrá-los no Quitandinha no bairro  do Alecrim e na Av. Rio Branco em frente ao antigo Mercado da Cidade, onde atualmente funciona a Agência do Banco do Brasil.

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Na Ribeira faziam ponto em frente a CR – Circunscrição do Serviço Militar - aonde recrutas chegando principalmente do interior de estado, se aglomeravam desejosos para se alistarem nas fileiras das forças armadas, ou “assentar praça”, como costumava definir os que residiam no interior do Estado. E esses candidatos a praças, normalmente se valiam dos serviços do lambe-lambe, bem mais em conta que os fotógrafos convencionais e com a vantagem de receber a fotografia em poucos minutos.
      
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       Não pude deixar passar aquela oportunidade de registrar tão curiosa figura. Invertendo os papeis, solicitei ao retratista permissão para fotografá-lo junto com sua câmara lambe-lambe.
         
         Percebendo seu sotaque portenho perguntei a cidade onde nascera. Disse chamar-se Daniel Doval e que havia nascido no ano de 1961 na província de Entre Rios ao norte de Buenos Aires.    Revelou que nunca gostou de trabalhar em estúdio e sempre foi fotógrafo de rua, com predileção em fotografar turistas. Começou sua carreira profissional tirando fotos pelas ruas e avenidas de Buenos Aires principalmente no bairro de San Telmo onde morava. Conversa vai, conversa vem, foi me contando um pouco de sua história de vida.
          

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Certo dia resolveu mudar o estilo e arriscou atrair os pretensos clientes nas fotos de “minuteira” como é conhecido nosso lambe-lambe na Argentina e aí já se vão quinze anos. A denominação vem, desde que foi criado no século XIX, pois as fotos eram reveladas em minutos. Já a denominação de lambe-lambe faz alusão ao fato do profissional lamber a foto após o processo de lavagem, identificando a qualidade da revelação, quanto à eliminação dos sais. Se a fixação tiver sido completa, os sais doces solúveis serão eliminados facilmente na lavagem da foto. Esse processo tornará o tempo de vida útil da fotografia indeterminado.  Caso contrário, os sais amargos, insolúveis, bem como os de sabor metálico não poderão ser eliminados. Neste caso, a vida da fotografia estará seriamente comprometida.
      
      Nas ruas de Buenos Aires trabalhando com a “minuteira”, percebeu que a grande maioria dos seus clientes era composta por brasileiros em passeio turistico àquele pais. Então pensou: “se aqui está dando certo, lá será muito melhor”! Não teve dúvidas: botou a viola no saco, deixou para trás três esposas, quatro filhos e rumou para o Brasil.
      
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     Em 2009 chegou em Paraty no Rio de Janeiro, onde trabalho por dois anos. Com espirito de giramundo parte para a região nordeste e vai oferecer seus serviços profissionais em Olinda-Pe, cidade turístia que muito ouvira falar quando ainda morava na Argentina. Naquelas ruas entre um instantâneo e outro,  soube da praia da Pipa. Dias atrás desembrcou em nossas areias e se descobriu, segundo ele, num verdadeiro paraíso. E a exemplo de vários outros que aqui chegaram, também demonstrou grande desejo de fixar residência.

Imagem internet

 No dia seguinte ainda o vi vagando por entres as barracas na beira da praia com sua “minuteira” descansando em cima do ombro, atraindo a atenção dos turistas. De quando em vez atendia a solicitação de um freguês que desejava registrar à moda antiga e em preto e branco, aquele momento de descontração. Depois disso, não tive mais notícias do “Don Ruan” argentino. É bem possível que tenha retornado ao seu país, afinal quando partiu deixou para trás, quatro hijos e  três mujeres loucamente apaixonadas.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013



O decano literalmente nos DEU UM CANO. Esperou até o último instante para nos apunhalar. Apunhalou uma sociedade humilhada, cansada, massacrada pela força poderosa e devastadora dos corruptos. Deixou para sua história e da mais alta Corte de nosso país, um exemplo triste que certamente irá envergonhar seus descendentes por muitas gerações. Como um otimista irrecuperável acreditei até o ultimo instante que o Brasil teria uma chance. Ledo engano. Perdemos mais uma vez. Paciência. Esse gesto certamente não é da MÃO NA CONSCIÊNCIA, na verdade ele se preparava pra oferecer solenemente seu de DEDO ao povo brasileiro. Um dia descobriremos quanto custou esse tresloucado voto do ministro que gastou 2 horas e 10 minutos justificando o injustificável.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

DE VOLTA AO PASSADO VII – ANTIGOS BLOCOS CARNAVALESCOS – ÚLTIMA PARTE


Finalmente chegamos ao último artigo sobre os antigos blocos carnavalescos. Como dissemos na crônica anterior, esses blocos deixaram de animar as ruas e avenidas de nossa capital, após o acidente ocorrido com o bloco “Puxa Saco” no ano de 1984, que ficou conhecido como “A Tragédia do Baldo”. Entretanto, os blocos que saiam à moda antiga com alegoria, orquestra e puxados com trator, deixaram de existir já em meados dos anos 70. Os que permaneceram diferiam dos tradicionais, pois não se utilizava o sistema de alegorias, deslocavam-se a pé e o número de componentes era bem maior. Guardadas as devidas proporções, assemelhavam-se em muito aos blocos que hoje desfilam por ocasião do insistente Carnatal.  

                               CARNATAL - Imagem internet

Os antigos blocos carnavalescos tiveram o mesmo destino que as nossas saudosas “serenatas” - musicas cantadas no sereno -, costume boêmio que herdamos no sangue lusitano, dentre outras coisas vindas da Península Ibérica. Quando em 1972 parti para São Paulo Capital, onde assumiria o meu primeiro emprego no Banco do Brasil, a prática das serenatas em nossa turma ainda era comum. Reuníamos nos bares de então para os ensaios e lá pela madrugada iniciávamos as serenatas, de preferência na casa da namorada de alguém da turma. 

Imagem Internet

Naquela época o percurso era feito a pé, o que limitava nossa atuação e os bares escolhidos para os ensaios ficavam estrategicamente próximos das casas a serem visitadas. Posteriormente vieram os carros, geralmente ganhos por um de nós, como prêmio por ter obtido aprovação no concurso do vestibular, melhorando, assim, o alcance e o número de casas visitadas.


Imagem Internte

Quando do meu primeiro retorno a Natal em 1974, poucos eram os que se aventuravam nessa prática, pois a evolução musical dos ritmos e estilos, já empurrava o jeito melodioso e poético das musicas cantadas em serenatas para a marginalidade. Além do mais esse tipo de música e seus intérpretes eram taxados de piegas. Diziam-se bregas, cafonas etc.
                                       Imagem Internte
Entretanto, não era o que acontecia em Conservatória, distrito de Valença no estado do Rio de Janeiro. Em 1975, ainda morando do Rio, tive a oportunidade de passar um fim de semana prolongado nessa encantadora cidade. No primeiro dia, ao cair da tarde quando as luzes tênues pendentes dos postes de madeira começavam a iluminar a velha cidade, fiquei arrebatado com o som que vinha das ruas. A princípio distante, depois aos poucos começou a se aproximar da casa onde estávamos hospedados. Em dado momento, surgiu no início da rua um grupo de pessoas, na maioria formado por casais que caminhava cantado ao som de violões plangentes, tangidos magistralmente por músicos, que acompanhado de suas namoradas, esposas e amigos peregrinavam pelas centenárias ruas estreitas da cidade enchendo o ar e o coração dos ouvintes de uma melodia tão bela, que naquele instante nos pareceu hinos celestiais.

                                      Imagem Internet

No outro dia, andando pela cidade, pudemos observar que em cada casa daquela rua e de outras também, havia uma placa afixada na parede com a data da serenata e o nome do compositor da canção executada. Fiquei impressionado e maravilhado com aquela tradição, que se mantém até os dias de hoje.

                                        Imagem Internet

Quando retornamos para Natal, em 1976, perguntei aos amigos se ainda aconteciam as nossas serenatas.Tive como resposta frases de reprovação: tá doido? Isso é coisa de brega! Conformei-me e silenciei quanto a minha experiência na cidade de Conservatória. Não valia à pena dizer o que tinha visto e sentido. Para eles não fazia a menor diferença, afinal minha cidade havia crescido e com ela a mentalidade cosmopolita daqueles amigos.
        
Imagem Internet

       
Mas, de volta aos antigos blocos carnavalescos, em 2010 um grupo de amigos, remanescentes dos blocos  Lorde’s e Apaches, movidos pelo saudosismo, resolveram literalmente “botar o bloco na rua”. Fizeram algumas reuniões, ao modo como fazíamos naqueles “anos dourados” e foram à luta: contrataram orquestra, conseguiram o trator e as caçambas. 
APACHES - 2010

O desenho e a pintura da alegoria ficou, como sempre, a cargo do artista plástico Levi Bulhões. Teve como primeira formação os seguintes foliões, que na quase totalidade eram acompanhados por suas esposas: Beto Coronado, os irmãos Claudinho e Sezio Ribeiro Dantas, Minervino, Levi Buhões, Marcos Monte, Julio Andrade, Mauricio Tarcino, Iog Pacheco, Alfredo, Jaime Paiva, Sergio Amarelinho, Rafael Maux, João Cláudio (Joê) e José Bezerra (Ximbica).

                                            APACHES  2011

No sábado de carnaval daquele ano, retornava as ruas de Natal “OS APACHES” com admiração e saudosismo dos mais velhos que tiveram o privilegio de conhecer ou mesmo de participar dos antigos blocos carnavalescos.
APACHES - 2013

         A partir de 2011, continuam saindo mesmo sem alegoria, entretanto, não dispensam a orquestra que no ano passado foi composta por dez animados músicos. Vestidos com fantasia simples onde se destaca o nome do bloco na camisa, reúnem-se, inicialmente na casa de Beto Coronado. De lá, partem para os bares da vida de preferência no circuito da praia de Ponta Negra, compartilhando alegria, tocando a tradicional e boa musica carnavalesca composta de frevos e machinhas e, naturalmente, como bons saudosistas, evocando os tempos que não voltam mais.  


terça-feira, 27 de agosto de 2013

“UMA ESMOLA, POR AMOR DE DEUS”


É comum em nossas ruas, algm estender a mão e nos dizer: "Uma esmola, por amor de Deus". (Alguns não falam mais, apenas gesticulam. Cansaram!). Talvez jamais imaginemos qual será a história daquele pedinte, esquálido e envelhecido precocemente. Como terá sido sua infância?  Que sonhos teriam 'povoado sua juventude? Após tantas vicissitudes, o que pensa ainda da vida e espera da sociedade? Poucos se questionam a respeito do ser humano, imagem e semelhança de Deus, à sua frente. E diante de cada pedido, há olhares, palavras e sentimentos de piedade, indiferença ou desdém. Ante a pobreza do mendigo, cada transeunte tem em mente perguntas ou respostas: umas políticas e ideológicas, poucas evangélicas. Alguns dizem: “Eu não dou esmola". Outros afirmam: “Eis o resultado de uma sociedade estruturada sobre a injusta". Muitos se perguntam; "Onde está o dinheiro de nossos impostos?" ou "Por que o governo nada faz por tais pessoas?" 


Os mais solidários e sensíveis reconhecem: "Meu Deus, que rosto sofrido!" ou "O que posso ou devo fazer"? Hoje lançamos naves espaciais; graças a Deus, obtemos progressos consideráveis nas pesquisas do câncer e desenvolvemos tipos de sementes adaptadas às condições climáticas de cada solo e região. No entanto, quantos Lázaros continuam, há anos, percorrendo nossas ruas, estendendo suas mãos para matar a fome com as migalhas de nossas mesas (cf. Lc 16,19-31).
 
                  PADRE IBIAPINA

                                                         FUNDAÇÃO  PADRE IBIAPINA 

O que fazemos por eles? Qual a postura da Igreja? No passado, havia grandes obras assistenciais, como as Casas de Caridade do Padre Ibiapina.
Depois, nasceram iniciativas sociais visando à promoção humana. Porém, constatamos já não ser isso o bastante. Mister se faz uma renovação das estruturas de nossa sociedade para que o processo de empobrecimento deixe de fazer novos miseráveis.

São incontáveis os necessitados ao nosso lado, não apenas o esmoler das calçadas. Há pobres no campo econômico: famintos, sem teto e sem saúde (em macas, nos corredores dos hospitais), desempregados, vivendo indignamente. Existem pobres no campo social: marginalizados por inúmeras razões, migrantes, analfabetos etc. Deparamo-nos com os pobres na consistência física ou moral: deficientes, alcoólatras, drogados, prostitutas, debilitados psiquicamente. Vemos ainda os pobres de amor: idosos desprezados, crianças sem lar, famílias desfeitas ou desagregadas. Enfim, os pobres de valores autênticos: escravos do prazer, do dinheiro, do poder, os sem Deus.
    

A mão estendida em nossa direção é um grito de alerta: alguém necessita não só de nossa ajuda material, mas também de nosso tempo, nossa dedicação e amor. Poderemos nos omitir, refugiando-nos em desculpas; ou, então nos unir a todos os que se inquietam com os olhares e as palavras: Uma esmola, por amor a Deus!” A Igreja latino-americana declarou sua opção preferencial pelos pobres. Mas, parece que eles não estão em nossos templos nem Ela perto deles!

 

Ao nosso redor, há crianças carentes; mães grávidas abandonadas; adolescentes que bem cedo são motivo de preocupação; idosos sem família e sem amor. Pensar nesses problemas e interessar-se por eles poderá ser o primeiro passo para a descoberta de novas respostas para a miséria material e espiritual que nos desafia. Deste modo, talvez descubramos que somos ricos porque Alguém (Cristo), um dia, estendeu sua mão em nossa direção, levantou-nos e nos acolheu como irmãos, dando-nos dignidade e razões para viver, Não será um convite para fazermos o mesmo? Nós que transitamos em carros com ar condicionado, bem vestidos e alimentados, inclusive com direito a lazer, já pensamos que, sem a graça divina, talvez estivéssemos nas ruas, de mão estendida, pedindo "uma esmola, por amor de Deus"?

Padre João Medeiros