domingo, 3 de março de 2013

CARTA A CLÉA



Mensagem enviada a Cléa Bezerra de Mello Centeno no dia 12 de junho de 2006, por ocasião da publicação de seu livro DEVER DE MEMÓRIA, uma biografia de Ubaldo Bezerra de Mello.


Querida prima Cléa,


Parabéns pelo belo livro. Li devagar, divagando, saboreando cada capitulo, feliz por neles encontrar algumas lembranças comuns. Afinal, tive o prazer e honra de tangenciar alguns poucos aspectos da minha vida com a desse grande homem. Aliás, na minha memória, ele me parecia enorme quando, em pequenino, lhe tomava a benção. Fiquei feliz por agora conhecê-lo em mais detalhes. Era meu padrinho e grande amigo do meu pai.

Em dado momento, você fala dos livros que eram lidos pela família. Essa informação me remeteu aos anos de 1957/58, eu com 6 ou 7 anos de idade, morando na avenida Deodoro nº 622. Foi a estória de Robson Crusoé, o livro que ganhei de presente numa das frequentes visitas dos meus padrinhos Ubaldo e Haydée. E ainda restam na minha lembrança: o livro, a estória, seus sorrisos e minha grata alegria. Tempos depois pude entender o real significado daquele presente. Era natural que se presenteasse uma criança daquela idade com um brinquedo qualquer. Porém, sempre enxergando adiante do seu tempo, ele deu-me algo mais valioso: sonho e conhecimento.

A sua narrativa sobre as usinas Ilha Bela e Santa Terezinha, o rio Água Azul, a verde visão dos canaviais e outras saudades muito me emocionaram, pois, de certo modo, em outras épocas, fazem parte também de minha estória. No ano de 1978, quando da inauguração da agência do Banco do Brasil em Ceará-Mirim, fui convidado para atuar como Fiscal de Operações Rurais onde permaneci até o dia de minha aposentadoria, em 04 de junho 2001. Portanto, foram 23 anos de minha vida dedicados àquela região, virada em terra adotiva, que recordo com carinho. Ainda hoje sinto o cheiro do açúcar mascavo descansando nas formas de madeira purgando mel-de-furo, vejo os pátios cobertos com bagaço de cana secando para alimentar as caldeiras, a fumaça dos bueiros turvando o azul das tardes, ouço o apito dos engenhos, o tropel da burrarada com cambitos cheios de cana, o estalido do chicote dos cambiteiros açoitando a beleza das manhãs.

Um grato e comovido abraço de
Ormuz, filho de Arnaldo.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

QUASE CARTA AOS INTELECTUAIS DO MEU ESTADO





         Em outubro de 2012, estive na cidade de João Pessoa-PB a convite da ALAN-PB - Academia de Letras e Artes do Nordeste - para a posse do novo presidente, o acadêmico Ricardo Bezerra. Representei na ocasião a instituição que presido o INRG-Instituto Norte-riograndense de Genealogia e, por delegação do presidente Jurandyr Navarro da Costa, representei, também, o IHGRN - Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a ACLA - Academia Cearamirinense de Letras e Artes, da qual tenho a honra de ocupar a cadeira 24, em que é patrono o escritor Bartolomeu Correia de Melo. A ACLA, no último dia 01 de fevereiro, perdeu o seu idealizador e primeiro presidente o saudoso Pedro Simões Neto, incansável guerreiro em defesa da memória cultural de Ceará-Mirim, sua terra de coração.

Fiquei surpreso, e ao mesmo tempo com uma pontinha de inveja, pela forma de como os nossos irmãos paraibanos, tratam a cultura naquele Estado. O auditório estava completamente lotado. Havia representantes de várias instituições culturais, como também autoridades de diversas áreas administrativas do Estado.
            
         Na ocasião, foram entregues aos ganhadores do concurso de poesia “Augusto dos Anjos”, promovido pela ALAN/PB, prêmios em dinheiro e também coleções de livros. O concurso, realizado em escolas públicas, tinha como finalidade incentivar a poesia e conhecimento da obra desse grande poeta paraibano, que alcançou os píncaros da glória nacional.
          
         Pelo que pude observar, as instituições culturais são muito valorizadas e costumam contar com apoio dos governantes, das universidades, de entidades particulares e o que é mais importante, de voluntários.

         Os discursos são pronunciados na medida certa, do tipo que não enfada os ouvintes e diz tudo o que é importante para a ocasião. As diversas personalidades que se destacaram na formação cultural do Estado são enaltecidas sem apoteose, sem exageros desnecessários, apenas na mesma medida correta de seus esforços, em prol da cultura de seu torrão e por extensão, do seu país.

         Aqui em nossa aldeia, os pobres potiguares continuam esquecendo, ou talvez não querendo lembrar, de tantos valores que deixaram sua marca indelével na cultura de nosso Estado. Continuamos com “dantes no quartel de Abrantes”, cultuando o monoteísmo cultural e transformando as belas Bachianas, em um “samba de uma nota só”.
            
         Isso não significa que as "vestais" não devam ser cultuadas, mas não com exclusividade, sob pena de passar a falsa impressão de que a cultura em nosso Estado estagnou no tempo.



VALÉRIO MESQUITA


Jurandyr Navarro (*)

Desde cedo vocacionou-se pela política, nela conquistando, através do sufrágio, o cargo de prefeito da sua terra natal e depois a investidura de legislador estadual, Ambos uniram-lhe a experiência vocacional, preparando-o para ocupar outras responsabilidades públicas. Após um interregno, exerceu a presidência da Fundação “José Augusto”, um dos pólos centrais da cultura potiguar, onde teve a oportunidade de penetrar nos meandros da nossa intelectualidade.
         Inteligente, aproveita a atmosfera e capacita-se a ouras investiduras, porém, antes deu partida à publicar, escrevendo na imprensa e depois lançando livros de sua lavra, escritos de estilo agradável, culminando com sua entrada na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, Instituto Histórico, Academia de Macaibense de Letras e outras entidades culturais.
         Quando deputado é indicado pela Assembléia para uma vaga no Conselho do Tribunal de Contas do Estado, tendo, depois, assumido a sua presidência e finalmente aposentando-se pela compulsória. Anteriormente pertenceu ao Conselho Estadual de Cultura.
         Essa trajetória foi percorrida dentre outras ocupações de interesse privado. Não descurou da responsabilidade, enfrentando-as e transpondo obstáculos.
                     Valério Mesquita, Ormuz Simonetti e Jurandyr Navarro

     Transcorrido esse percurso credenciou-se a exercer outras tarefas executivas. Eis que se apresenta um posto a ser preenchido nos dias presentes, a presidência do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, lendária instituição secular, guardadora da história da nossa terra. Cargo de alta responsabilidade da cultura potiguar, com mandato de três anos, podendo ser reconduzido, por igual período, de conformidade com a letra do novo Estatuto, aprovado por Assembleia Geral Extraordinária de 02 de maio de 2012.
         Nesse espaço de tempo poderá muito realizar pela entidade mais antiga, em funcionamento, do nosso circulo intelectual. E o fará, mercê sua demonstrada capacidade administrativa aliada à sua disposição de luta pelo progresso da nossa Cultura.
                         Carlos Gomes, Valério Mesquita e Ormuz Simonetti

Nessa conceituação, a mocidade de Valério Mesquita, em união com sua inteligência poderá acionar e impulsionar o futuro de nossas letras históricas. E ele alavancará esse projeto.
         Ao seu lado terá, igualmente como tiveram seus antecessores, pessoal qualificado para ajudá-lo!
         Alguns nomes de vanguarda ele contará nesse seu primeiro mandato, ais, o atual presidente do Instituto de Genealogia, Ormuz Barbalho Simonetti, Odúlio Botelho, Adalberto Targino, respectivamente ex-presidente e atual presidente da Academia de Letras Jurídicas; Carlos Gomes, escritor e advogado dos mais conceituados e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Sessão do Rio Grande do Norte, entre outros.
         Todos eles capacitados, advindos de experiências em entidades públicas e provadas.
 George Veras, Carlos Gomes, Lúcia Helena, Tomilavisk, Ormuz Simonetti, Odúlio Botelho e Valério Mesquita
                 
     O importante e a chama crepitante da cultura histórica continuar sempre acessa, para clarear as nascentes mentes das gerações jovens e motivar o seu entendimento para o enfrentamento de novos desafios que o porvir apresentar.
         O importante, repito, é a ação do trabalho. Sem ele nada se faz.
         A mudança será benéfica para a nossa “Casa da Memória”.     

Jurandyr Navarro é o atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
  

CONVITE PARA A POSSE DA NOVA DIRETORIA DO I.H.G.R.N.


                                            Convite                            


   O Escritor JURANDYR NAVARRO DA COSTA, Presidente do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE tem a satisfação de convidar Vossa Excelência e família para prestigiarem a sessão especial desta Instituição na qual ocorrerá a posse da NOVA DIRETORIA, sob o comando do Presidente, Valério Alfredo Mesquita, para o triênio 2013/2015.

Data: 15 de março de 2013 (sexta-feira)
Horário: 19:30 horas
Local: ACADEMIA NORTE-RIO-GRANDENSE DE LETRAS
Rua Mipibu, 443 - Centro - Natal - Rio Grande do Norte 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

LEMBRANDO O BAR, CAFÉ E LANCHONETE DIA E NOITE



Somos apenas a sombra das nossas lembranças.


Ao longo dos anos, Natal ficou conhecida por ter pontos tido comerciais como bares, cafés e lanchonetes, cujo atrativo não justificavam a freguesia cativa que possuía. Eram locais de extrema simplicidade, mas que prendiam seus fregueses pelo bom atendimento, um cardápio simplificado que atendia ao paladar de todos, além de oferecer um ambiente descontraído onde quase todo mundo se conhecia.

Procurando conhecer a origem desse comércio – dia e noite mais promissor - , encontrei nos alfarrábios, textos que lembram a nossa cidade  numa data mito recuada, quando verifica-se que tudo teve seu início com o surgimento de um bar que foi pioneiro nesse setor. Este foi inaugurado na travessa Aureliano, na Ribeira, com o nome de bar “Chile”, que serviu de modelo aos demais seguidores.
     

                                      Bairro da Ribeira - Natal RN    

   Logo depois, sequenciado pelo modismo que já existia à época, surgiu o bar “Antártica”, ainda na Ribeira que depois de muito sucesso cedeu seu espaço físico ao “Cova da Onça”, que já chegou aos nossos dias num estado agonizante.
            Descobri ainda, que na Cidade Alta, precisamente que na Rua Ulisses Caldas, foi inaugurado o bar “Potiguarânia”, seguindo a mesma trilha de seus antecessores , fazendo algumas inovações que caíram no gosto de seus frequentadores. Perdurou alguns anos, até ser absorvido com toda sua estrutura pelo “Magestic”, que deu continuidade ao mesmo estilo.

                        Confeitaria Cisne - Rua João Pessoa - Natal RN
                                
Na Rua João Pessoa, - no Grande Ponto do meu tempo – tivemos o café “Maia” de Rossini Azevedo. O “Vesúvio” de Maiorana, o “Botijinha” de Jardelino Lucena, o bar e confeitaria “Cisne” de Múcio Miranda e o “Dia e Noite” de Nilton Armando de Souza. Este, com larga vivência no ramo – ex-garçom -, mas, sabia como ninguém, lidar com sua freguesia usando a devida  leveza, o prazer de servir e a dignidade profissional que ostentava.


Esse bar, próximo aos outros na Rua João Pessoa, ficava quase em frente à Caixa Econômica Federal, com seu espaço físico sendo ocupado hoje por uma loja que vende óculos e outras bugigangas de somenos importância. Abrigava uma pequena área delimitada por duas fileiras de mesas dispostas paralelamente, e no meio, um corredor por onde transitava o garçom e os convidados de ocasião. Lá no fundo, um balcão e  por trás dele, a figura sempre presente de seu proprietário que se atinha a tudo o que se passava no recinto. No final,  existia uma  parede divisória e à sua direita, uma pequena abertura de forma semicircular que servia de comunicação com a cozinha e por onde eram enviados os  pedidos e comandas. No cardápio constavam os mesmos itens desde sua inauguração e quando ocorria alguma alteração, era quase sempre na ordem inversa de seus itens.

Entretanto, o seu ponto alto era o garçom, vítima de todo tipo de gozação. Muito estimado por todos, atendia pelo apelido de “Gazolina” e possuía o dom da tolerância, sem nunca ter revidado as irreverências recebidas. Nunca perdia a fleuma, nem mesmo, quando os pedidos estava inserido o duplo sentido, tais como: -  “Gazolina, suspenda os ovos e passe a língua...” E assim por diante.
                                      Rua João Pessoa - Natal RN

Esse bar, que nunca fechava, razão do nome – era também palco de muita confusão, principalmente nas madrugadas dos fins e semana, quando as rixas iniciadas nos clubes sociais, terminavam quase sempre no seu âmbito, ou nas circunvizinhanças. Os motivos? – Os mesmos de sempre: o ciúme, a política, a polícia e o esporte. Havia ainda uma particularidade pouco observada, que era a ausência do sexo feminino no seu interior. Quando muito, elas eram atendidas em seus automóveis que ficavam nas imediações do bar.

Ainda lembro de muitos que frequentavam esse bar com certa assiduidade. Todos foram bem sucedidos nas  escolhas profissionais que fizeram e houve quem atingisse o topo na política, outros, nas empresas e os demais nas profissões que abraçaram. Citarei o nome de  alguns para poupar os poucos leitores desse incômodo: Artuzinho, Hélio Santa Rosa, Sidney e Ronald Gurgel, Haroldo e Franklin Bezerra, Marcos e Marciano Oliveira, Oscar e Osmar Medeiros, José e Ivo Barreto, Diógenes da Cunha Lima, Syllos Carvalho, Fernando Bezerra, Roberto Furtado, Lenilson Carvalho, Mário Sá Leitão, Waldemar Mattoso, Bentinho, Murilo Concentino, Aldanir Araújo e Abreu Junior.

Não darei ênfase – como fazia antes -, ao velho adágio que diz: “aqui tudo já teve”. Realmente, tivemos o “Dia e Noite”, que sem a mínima pretensão, marcou sua presença na história da nossa cidade, quando cativou pela plêiade de frequentadores que deu a ele o prestígio que necessitava. Lembrar o “Dia e Noite” é massagear o ego de muitos que ainda guardam em seus corações as lembranças desse tempo. Somos apenas a sombra das nossas lembranças.    

Jahyr Navarro – médico e escritor


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS – Parte final

   Recordo do sorveteiro, empurrava seu carrinho de madeira, pintado com cores alegres.  Na frente, dois espelhinhos redondos, imitavam os faróis de um carro. Entre eles, duas flâmulas: uma do ABC e outra do América. Não revelava o time do coração, nem sob tortura. Tinha medo de perder os fregueses adversários. Num dos braços do carro, uma buzina tipo “fom, fom” era acionada para chamar a atenção da clientela. Naquela época o sorvete era feito em casa, e os sabores pouco mudavam: coco, coco- queimado, chocolate feito com toddy, morango (utilizava essência, pois a fruta só conhecíamos por foto) e algumas frutas sazonais.
        
         Sem horário nem dia definidos para sua aparição, ouvia-se também o grito do vendedor de cestos e espanadores. Vendia inclusive um espanador em miniatura que era comprado para as crianças brincar. Era um homem ainda jovem, porém sempre o via descansando à sombra dos enormes fícus- benjamina, que outrora arborizavam a Avenida Deodoro.

         Havia ainda os vendedores de serviços. O funileiro, que consertava panelas, caçarolas e toda a tralha utilizada nas cozinhas, inclusive o velho bule de café, feitos de ágata ou alumínio, substituídos que fora pelas garrafas térmicas. Às vezes sinto saudade daquele antigo bule sempre cheio de um gostoso café, torrado em casa, descansando sobre a chapa quente do fogão de lenha, na fazenda do meu pai. Os pequenos consertos que utilizava solda branca ou cravo eram realizados no local. Para isso utilizava uma pequena lamparina à base de álcool, que não deixa tisna, para aquecer o ferro de solda. Quando estava trabalhando, geralmente era acompanhado por olhos atentos e curiosos da meninada que em volta, cravava o homem das mais diversas perguntas. Ele pacientemente ia respondo a todos, enquanto trabalhava.

         Outro vendedor de serviço era o sapateiro que também acumulava a função de engraxate. Usava a mesma caixa de madeira com escovas, flanela e graxa nugette e mais as ferramentas necessárias aos consertos. Saltos e salteiras de couro e borracha, cola, que ficou conhecida como “cola de sapateiro”, biqueiras de aço, muito requisitada pelos jovens, brochas de diversos tamanhos, agulha grossa, um carretel de  linha “urso” e cera de carnaúba que passava na linha para torná-la mais resistente. Trazia ainda, uma peça de sola enrolada em baixo do braço, além de uma pequena faca muito afiada que usava tanto no corte da sola como no arremate dos solados. No ombro, enganchado em um dos lados, um “pé de ferro” peça imprescindível nos consertos dos sapatos e sandálias, principalmente no brocheamento. Apregoava seus serviços geralmente a uma clientela cativa, já que naquela época, os calçados eram utilizados até a total impossibilidade de novo conserto. Seu grito ecoava pelas ruas feito um lamento: sapateeeeiro! solado, meia-sola, salteiras e costuras. Sapateeeeiro!

         Por fim, me vem à figura do confeiteiro Mané Anão. Impávido, junto ao tabuleiro sortido de buzis, torrões, drops dulcora, chicletes Adams - aquele que trazia um pequeno número numa das orelhas, quando a caixinha era aberta -, o chiclete de bolas ping pong, que acompanhava figurinhas infantis, as coloridas jujubas, confeitos (balas) de mel e hortelã, além das desejadas barras de chocolate Diamante Negro, para nós, de valor inalcançável. Tinha a prerrogativa de ser o único vendedor em frente ao Cine Rio Grande, sob as bênçãos do seu proprietário Dr. Moacir Maia, corroborada por “Seu Antônio”, o temido administrador do cinema, sempre de prontidão impedindo a entrada dos garotos, que sonhavam em assistir filmes impróprios para sua idade.

         Todos esses saudosos personagens ainda continuam desfilando nas minhas lembranças de garoto, morador da Avenida Deodoro.



quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS – Parte III



          Desfilavam pelas ruas da velha cidade outros saudosos pregoeiros. A velhinha da carimã, uma espécie de broa feita de massa azeda de mandioca, muito utilizada na confecção de bolos e biscoitos. Andava sempre com um porrete na mão, para se defender dos cachorros vadios, mas também pra correr atrás dos garotos traquinos que mexiam com ela gritando “carimã podre!”.
       
       O vendedor de alfenim, um simpático velhinho que usava uma velha sandália de rabicho feita de sola e caminhava lentamente com paços miúdos e cadenciados, trazia em seu tabuleiro torrões de açúcar transformados em miniaturas de bois, vacas, cachorros, galinhas e cavalos, tudo cuidadosamente pintados com cores vivas e atraentes.
         
       A vendedora de mangabas, negra alta e esbelta, equilibrava na cabeça com graça e desenvoltura, um alguidar de barro cheio dessas frutinhas genuinamente nordestinas.  A venda era feita por litro e também em pequenas caixolas feitas com folhas de “cajueiro brabo” - uma espécie que existe em áreas de tabuleiros e que tem folhas grandes e espessas - e costuradas com palitos de coqueiro. As frutas eram colhidas nas dunas que circulam nossa cidade pelo lado do nascente.
       
      Outro pregoeiro, que ainda hoje pode ser visto pela cidade, é o vendedor de geleia de coco. Conduzindo o tabuleiro na cabeça, anunciava o produto batendo seguidamente com uma espátula, que utilizava no corte das poções, em uma das pernas do tabuleiro que produzia um som metálico. Os preços variavam de acordo com o tamanho da porção. Ao lado do tabuleiro, presos por um arame, pedaços de papéis de diversas cores serviam para acondicionar a guloseima. Pessoas que por ventura utilizassem próteses dentárias, por motivos óbvios, evitavam seu consumo.
        
       O vendedor de pirulitos – do tipo guarda-chuva -,  garoto franzino e saltitante, vez por outra encostava a tábua recheada com as deliciosas iguarias no muro de alguma residência, pra jogar bola de meia ou de gude, com os garotos da rua. Não raro, quando apanhava a tábua novamente, alguns pirulitos havia desparecido misteriosamente. Mesmo assim, sempre estava por ali batendo uma bolinha.
        
      Lembro do vendedor de raivas, que trazia o produto em um depósito cilíndrico dentro de um saco e o conduzia preso as costas segurando-o com uma das mãos. Havia ainda o vendedor de cocadas; o de tapioca e beijus no coco além dos conhecidos grudes de Extremoz, que passava propositalmente sempre no início das manhãs ou no final das tardes, horário que antecede as refeições; o vendedor do famoso “cuscuz da Mata”, caminhava equilibrando o tabuleiro na cabeça, com andar ligeiro e cadenciado como se disputasse uma macha atlética. Com os primeiros raios do sol, partia para sua maratona que começava na Avenida Um, no bairro do Alecrim, onde se localizava a fábrica, só retornando no dia seguinte, após novo carregamento.
          
     O pipoqueiro, presença constante nas portas das escolas ou onde houvesse aglomeração de crianças, também realçava o cenário das ruas da velha cidade. O vendedor de cavaco chinês, que apesar da modernidade, ainda insiste em sobreviver, não utilizava nenhum pregão. Era reconhecido apenas pelo frenético tilitar de seu triângulo, em obediência um encadeamento bem conhecido, principalmente pela criançada.
        
        E continuava o desfile dos pregoeiros matinais. Aparecia o vendedor de peixe, que os trazia pendurados em uma peça de madeira apoiada em cima de seu ombro. Na mão, um porrete de madeira e na cintura uma peixeira “12 polegadas”, para tratar o pescado, ou dividi-los em postas de acordo com o desejo da dona de casa. O vendedor de caranguejos-uçá e gordos goiamuns, vendidos amarrados em cordas de 10 e 12 unidades, pendurados em um pau de galão. O vendedor de camarões torrado, vendidos em litros, atraia os fregueses anunciando que sua medida era “cheia no capricho” e sempre tinha um agrado de 4 a 5 camarões que colocava depois.
      
      Um dos pregoeiros mais famoso daquela época foi o jornaleiro Cambraia. Conheci-o muito bem, pois, diariamente, passava em frente a minha casa anunciando com um vozeirão arrebatador: “ôlelê, ôlelê, jorná de natá”. Negro alto, de brancos cabelos pixains que mais pareciam pipocas, tinha feições marcadas pelo tempo. Andava sempre de pés descalços, calças arregaçadas na altura dos joelhos e camisa entreaberta. Trazia os jornais, em baixo do braço protegidos por uma espécie de papelão.
  
- Continua na próxima quinta-feira-

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS - Parte II



          Havia também o vendedor de manguzás, ou munguzás, ou ainda “chá de burro”, como também era conhecido um mingau feito de milho com leite de coco, temperado com açúcar e canela, muito apreciado, fazia parte do desjejum de inúmeras famílias. Utilizava a mesma técnica do verdureiro, na condução do seu produto: nas extremidades do pau de galão, preso por cordas conduzia dois caldeirões de alumínio. Na mão, uma grande concha para servir a iguaria geralmente adquirida em generosas porções, para atender a toda a família, por ocasião do café da manhã, ou no jantar.
          Por cima da roupa vestia um avental branco já meio encardido pelo tempo e pelo uso, com dois grandes bolsos onde colocava o apurado. Na cabeça, um chapéu de pano evitava que algum indesejado cabelo, aterrissasse indevidamente no prado do freguês. Anunciava seu produto com um pregão um tanto esquisito: nunca falava o nome do que estava vendendo, gritava apenas “tem coco!”, e a freguesia já sabia que se tratava do gostoso manguzá.
          Na esquina da Rua Ulisses Caldas com a Avenida Deodoro, onde ainda existe o Colégio da Imaculada Conceição, fazia ponto alguns ambulantes. O mais famoso deles era Prego, um vendedor de poli – o picolé da época -, que atendia por esse apelido. Nunca soube o seu verdadeiro nome. Diziam que era agricultor e chegou a Natal retirante, fugindo de uma seca braba na região do Seridó, onde morava com mulher e filhos. Nunca mais voltou. Da família, não teve mais notícias. Apenas, algumas lembranças que se perderam no tempo, juntamente com o sofrimento vivenciado durante as constantes secas que enfrentou naquele longínquo sertão.
          Morava lá pros lados das Rocas, bairro pobre que se desenvolveu nas margens do Rio Potengi, onde comprava em uma pequena fabriqueta, os tais polis, que nada mais eram que uma mistura de água, essência e açúcar. Conheci-o desde a minha tenra idade, quando eu era aluno no Instituto Brasil, localizado na Rua José Pinto, das saudosas professoras Carmem Pedroza e Pina. Naquela época, ele já era um homem velho. Muito espirituoso, sempre estava fazendo algum gracejo para atrair a clientela. Um de seus preferidos era espremer sua enorme língua, que conseguia dobrá-la com incrível habilidade, entre suas gengivas, já que era desprovido de todos os dentes. Num instante, transformava sua cara magra e enrugada, numa careta engraçada e assustadora, que mais lembrava uma máscara carnavalesca.
          Ao seu lado, sempre encontrávamos o vendedor de roletes de cana. Sentado em um tamborete com texto de couro, trabalhava pacientemente com sua quicé – pequena faca -, transformando um pedaço de taboca de bambu, em um suporte para os roletes de cana. Abria a taboca em diversas hastes onde fixava em cada extremidade, um suculento rolete de cana caiana, formando uma espécie de cacho. Os maiores chegavam a ter até doze roletes, dependendo da largura da taboca. Lembro-me dos cachos, dispostos cuidadosamente em cima do tabuleiro forrado com um pano branco, com bordados coloridos nas extremidades, aguardando a cobiça da meninada. Quando terminava o dia colocava o tabuleiro na cabeça apoiado em uma rodilha de pano e retornava para casa apregoando os últimos cachos: rolete, rolete de cana caiana, ainda tem rolete de cana...    
          Por ocasião da sazonalidade, também se arranchavam naquela calçada, diversos vendedores: o de jabuticabas, de siriguelas, de umbus, que eram vendidos em litro, medida padrão, amplamente utilizada por diversos vendedores. Naquela época, o litro do óleo Benedito era o que mais se via, em virtude de sua larga utilização pelas classes mais pobres, além de ter sua fábrica na vizinha cidade de Macaíba. Aparecia também naquela esquina o vendedor de goiabas, mangas, sapoti e também o vendedor de milho assado, que utilizava um fogareiro feito com lata de querosene e as espigas ficavam expostas em cima de uma pequena grelha sobre o fogareiro.
          Já o vendedor de pitombas comercializava seu produto em cachos. O balaio ficava em cima de um tamborete e os cachos eram engordados, amarrando-se uns aos outros, com embira de fibra da bananeira. A exposição era feita sem muito critério. Os cachos ficavam amontoados no balaio a espera dos fregueses. Os compradores sempre procuravam os mais recheados, pois, não havia diferença de preço. Quando a fruta ainda não estava madura, ou como dizíamos, inchada, era possível degustar a polpa, que se desprendia do caroço com facilidade. Porém se as frutas já estivessem maduras, tornar-se-ia difícil a retirada da polpa, uma vez que ficavam bastante escorregadias, aumentando assim o risco de engoli-las juntamente com o caroço. Nesse caso, dependendo da quantidade de caroços ingeridos, o indivíduo inevitavelmente teria sérios problemas após a digestão.
          -continua na próxima quinta-feira-




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ORMUZ CANTA SUA PRAIA, TAMBÉM VOU CANTAR A MINHA



                 
GUARAPARI-ES, CIDADE SAÚDE ONDE É VERÃO O ANO INTEIRO
                                                      Por Terezinha Figueiredo Simonetti 


          Até alguns anos atrás Guarapari não passava de uma simples aldeia de pescadores. Eu garota (tal qual meu primo Ormuz na sua Praia da Pipa), adorava passar minhas férias por la,  na casa de uma tia. Minha tia era pessoa importante na cidade, depois do Prefeito, do Delegado e do Padre, pois era a Diretora do Grupo Escolar.
         
          Era uma delicia comer camarão fresquinho e aquela saborosa  moqueca que só o capixaba sabe preparar. (Sim, porque moqueca, só capixaba, o resto é peixada).
         
          Era uma cidade simples, mas com lindas praias nativas, tais como a Praia das Virtudes, onde as freiras iam tomar banho de mar como também a Praia dos Padres, a Praia da Fonte ,onde “naquele tempo” víamos as tartarugas bem de pertinho nadando, Praia da Cerca, (hoje a famosa Aldeia dos magnatas) e tantas outras, sendo a mais importante de todas, a Praia da Areia Preta.
         
          Importante, pois sua areia é radioativa, que constitui um extraordinário elemento de tratamento, uma vez que a radioatividade atua no solo e na atmosfera, tanto dentro quanto fora das casas e dos hotéis, tanto nas praias quanto fora delas.
         
          "As areias monazíticas de Guarapari foram descobertas em 1.898 e, em 1.906, a 'SOCIÉTE MINIÉRE ET INDUSTRIELLE FRANCO-BRASILIENSE'   instalou em Guarapari a usina 'MIBRA - Monazita Ilmenita do Brasil' para fazer o beneficiamento destas areias, exportando o produto a ser tratado na França. Segundo Silva Melo em 1937, a MIBRA funcionava dia e noite, tendo três turnos de operários, que recebiam salários miseráveis, desconhecendo a utilização e para onde eram levadas as areias de Guarapari.
         
          A MIBRA explorou as areias de Guarapari até meados de 1960, quando o governo elevou o valor da taxa de extração das mesmas. Os proprietários simplesmente abandonaram tudo, queimaram a documentação, já haviam ganho tudo que queriam ".
          Guarapari é chamada Cidade Saúde, pois  como contam os antigos, o seriado BEM AMADO ( da Tv Globo) foi baseado numa  historia de Guarapari, dizendo  que o Prefeito para inaugurar o cemitério e ninguém morria na cidade,  teve que mandar buscar um defunto na cidade próxima Benevente , chamada hoje de Anchieta. ( Foi nessa cidade que viveu por alguns anos e faleceu o Padre Anchieta, muito embora seus restos mortais tenham sido levados para São Paulo.)

          A fama das areias de Guarapari cresceu, e assim sendo, a cidade também cresceu, tornando-se hoje um “balneário” como tantos outros, cheio de prédios, asfalto e modernidade.
          Sumiram as tartarugas e o jeitinho bucólico do meu tempo de criança que eu tanto gostava.

                                         


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS – Parte I

Nos últimos dias de dezembro do ano passado, almoçava com meu amigo Levi Bulhões, quando surgiu em meio à conversa, lembranças dos vendedores ambulantes de antigamente. Todas as vezes que nos reunimos para jogar conversa fora, o passado está sempre presente. Saudosistas irrecuperáveis, temos por costume lembrar esse período da adolescência, que contribuiu de maneira positiva para a formação de nossa cidadania.

Seja pelas inúmeras passagens ocorridas na esquina da Rua Princesa Isabel com a Apodi, onde outrora existia a “bodega de Floriano”, ou pelos antigos carnavais, quando participávamos dos chamados blocos de elite, entre eles Lord’s e Apaches, ou mesmo as lembranças do cotidiano, vivenciadas pelas calçadas da vida.

A “bodega de Floriano” exerceu um papel tão importante nas nossas vidas, que seus frequentadores, no desejo de manter a união daqueles amigos, criaram uma espécie de confraria. Anualmente, na segunda semana de dezembro, reunimo-nos para um almoço de confraternização onde as lembranças e relembranças, predominam em nossas conversas. Costumam participar dessa confraternização, inclusive, nossas esposas e filhos.

Temos praticamente a mesma idade e somos amigos desde o início da adolescência. Por essa razão, compartilhamos das mesmas lembranças de uma cidade-capital, que nos anos 60 e 70, mais parecia uma cidadezinha com cara e jeito de interior.

Eu morando na Av. Deodoro e ele na Rua Princesa Isabel tivemos oportunidade de conviver com esses incríveis personagens, que fizeram parte da história da velha cidade, de nossa infância.

No dizer do meu amigo e confrade Jurandyr Navarro, voltar ao passado é, antes de tudo, uma doce recordação. Não há nada mais terno e emotivo que procurar o tempo perdido envolto a ilusões despedaçadas.

Pois bem, foi recordando o passado que lembrei a figura do vendedor de verduras. Ainda bem cedinho, ouvia sua voz forte e melodiosa: verdureeeeiro!...,  com andar dolente e cadenciado obedecendo o ritmo imposto pelo vai-e-vem dos balaios, soltava a voz pelas ruas na amanhecença da cidade: verdureeeeiro!..., olhe a verdura madame, tudo bem novinho..., verdureeeeiro!

O mercado central ou mercado da cidade, destruído por um incêndio nos anos 60, abastecia a maioria desses ambulantes. Ficava onde hoje funciona a agência do Banco do Brasil, na Avenida Rio Branco. Era lá, onde o verdureiro se abastecia dos diversos produtos que comercializava, antes de ganhar as ruas da cidade, para vendas diárias de porta em porta.
       
      Lembro-me bem de sua figura. Homem alto, magro, moreno claro, usava um surrado chapéu de palha de abas largas e calças arregaçadas até o meio das canelas. No ombro, um tufo de pano para aliviar as dores causadas pelo pau do galão, que sustentava os dois conjuntos de pesados cestos, onde cuidadosamente eram arrumados os produtos que vendia. Em um dos cestos maiores, que ficavam na base da pirâmide, colocava talhadas de jerimum de leite ou caboclo, batata doce, macaxeira, inhame, cebola, coco seco e produtos que não estragasse em contatos com os demais, pois, primava pela apresentação dos produtos. No outro cesto, frutas sazonais, feijão verde, que era vendido em “molhos”, legumes tais como: cenouras, repolhos, batata inglesa, maxixes, quiabos etc. Nos cestos do meio vinha o chamado tempero verde, cebola verde, coentro, pimentão, tomates e ainda folhas de couve, alface etc. No derradeiro cesto, por ser o menor e mais raso, era reservado às especiarias: cravo, canela, gengibre, pimenta do reino e algumas raízes usadas na confecção de chás e garrafadas. Também ali eram penduradas grossas tranças de cabeças de alho.
    
        Sempre fazia o mesmo caminho. Saia do mercado da cidade, subia a Rua Ulisses Caldas na altura do Armazém Natal, e chegava na Avenida Deodoro. Passava em frente a minha casa, de número 622, que ficava em frente “A Palhoça”, do saudoso João Damasceno. De lá, perdia-se por entre as ruas dos bairros de Petrópolis e Tirol, só retornando no dia seguinte, na mesma hora e anunciando o mesmo pregão: verdureeeeiro!
         
- continua na próxima semana-

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

MINHA CIDADE NATAL


                  Jurandyr Navarro

O sentimento telúrico gera a saudade quando distanciado se está da terra-berço. O amor à terra é imanente, nasce com o homem. Qual o amor que não se aperta com a saudade?

Emoção idêntica golpeia o imo do corão quando a juventude é recriada na imaginação proustiana. Voltar ao passado, que doce recordação... que ternura emotiva, em procurar o tempo perdido, envolto com as ilusões despedaçadas!

Em silenciosa madrugada, no caminho do Mar, eu senti, evocando a poesia chinesa, eu senti o perfume do passado. E a saudade assaltou-me o espírito com o aroma do jasmim branco e das flores escarlates das mangabeiras.

O tempo não eclipsa a lembrança perenizada na alma. Quanta alegria vivida nas praias banhadas pelo esverdeado oceano, com suas "ondas de espumas sorridentes", na doce inspiração do indu Kalidassa! Alvas praias, onde as manhãs radiosas, de esperança enchiam a alma exultante de vida!

Mocidade! Por que fugistes tão cedo, tangida que fostes pelos ventos alados do tempo?

Natal, cidade que me deu berço, tem sido a morada da minha vida de homem
comum. Mesmo dela distante, pelo espaço ou pelo pensamento, fixam-me raízes no seu ventre pétreo de Mãe.

Dela respiro o oxigênio exalado pela clorofila das suas colinas que emolduram a paisagem bucólica do Tirol. Os ardentes raios solares de Petrópolis vitalizam suas praias desnudas, soberba visão talássica, musa eleita pela ode rica dos seus poetas maiores.

E o deslumbrante pôr-do-sol do Potengi, que fascinava as pupilas azuis dos olhos de Palmira?

És, Cidade minha, a segunda Belém do Menino-Jesus! e que tantas bênçãos recebestes da Padroeira celeste, a Senhora Iluminada da Apresentação!

Uma Cidade, pom, não deve ser considerada, apenas, pelo seu aspecto fisico, místico ou emocional; mas, sobretudo, pela vida realizadora dos seus Filhos. Sem eles, Ela não vive, mesmo que seja bela e encantadora. O Povo é que forma uma Nação, "o seu princípio espiritual" no dizer de Renan.

Vejo, assim, Natal, como o florido jardim das Hespérides - as filhas da Tarde, "a noiva do Sol", na prece de Luís da Câmara Cascudo, a ninfa da juventude, sempre festiva. Sinto-a através dos empreendimentos admiráveis dos seus Filhos e pela formosura de suas Filhas, qual Afrodite, molhada, saindo das ondas.

Se Tebas defendeu a Sinceridade pela boca de Epaminondas; se Esparta imortalizou a Bravura pelo heroísmo de Leônidas, nas Termópils; se Atenas glorificou a Cultura pelo gênio de Aristóteles, como a Política pela ação de Péricles; e Roma erigiu e consagrou o Direito com Justiniano e enalteceu a Eloquência no verbo de Cícero, Natal deu o exemplo magnífico da Moral na vida ilibada do católico Ulisses de Góes, patriarca do Bem.

Ela também foi engrandeci da pelo Civismo de Luiz Soares, tão salutar às gerações meninas dos Escoteiros do Alecrim; pela Pedagogia de Severino Bezerra, dirigida à Criança, esperança da Pátria; pela inteligência de Veríssimo de Meio, folclorista e antropólogo, promovendo a sua Cultura intelectual e a honradez sem jaça de Jurandyr Siro da Costa, amante do Trabalho!

E os saudosos sacerdotes arrebatados aos Céus? Miguelinho, revolucionário heroico, entregando a vida pela Verdade; João Maria, o santo da Caridade, curando através dos milagres, aos apelos da Fé, e Luiz Monte, filho da Sabedoria, falando lhe dos mistérios de Deus e dos mistérios dos homens!

Qual a participação do velho Atheneu de Humanidades? Alvamar Furtado despontando a sua eloquência erudita; Esmeraldo Siqueira, em palestraperipatéticas, talo mestre de Estagira, ensinando a filosofia da vida; Antônio Pinto de Medeiros, com sua irreverência indomável, arrebatando a mocidade estudiosa através do seu talento literário, e Floriano Cavalcanti iluminando as inteligências jovens com sua cultura histórica, filosófica e jurídica! E Celestino Pimentel, o Diretor Vitalício pela vocação magisterial?

Quem não se recorda do "olho clínico" do pediatra Wilson Ramalho, curando as crianças com seu diagnóstico infalível?        '

Olvidar, quem pode, os julgamentos do Tribunal do Júri, no Paço municipalonde o advogado Túlio Fernandes matizava a sua oratória com o colorido das metáforas históricas? E a dialética satírica da expressão verbal do grandiloquente João Medeiros Filho; ou, ainda, a postura ímpar do Juiz Edgar Barbosa que, ao prolatar a sua sentença, engastava o rubi do Direito numa peça literária?! E a judicatura bia de Seabra Fagundes?     ,

Quem resistiria ao magnetismo dalma'alegre de Albimar Marinho, a encher as noites natalenses com sua bmia insuperável?

A formosa Natal, morada do Sol, encanto de luz e de clima, tem enfeitiçado a todos que a visitam. Tudo fazendo crer, que o espelho tremulo das águas das suas praias reflita a imagem de Aspásia, a bela e culta hetaira grega que, mesmo na velhice, atraía a mocidade de Atenas para contemplar a sua beleza.

(Publicado no JH, edição de 29/30 de dezembro de 2012)