terça-feira, 19 de junho de 2012
domingo, 17 de junho de 2012
OS TIRADORES DE COCO
Praia da Pipa - ano 1972
É comum ver
no litoral do Nordeste profissionais que ganham a vida subindo em coqueiros
para colher frutos. São eles os tiradores de coco. Embora não pareça, tirar
coco é uma atividade de extremo risco, pois sem qualquer equipamento de
segurança, esses homens arriscam suas vidas subindo em coqueiros com até 30m de
altura.
Nessa
arriscada atividade, eles portam apenas um facão “rabo de galo”, muito
utilizado no corte de cana-de-açúcar e um recipiente plástico tipo spray, geralmente embalagem vazia que
reaproveitam, colocando óleo diesel, principal arma contra os marimbondos
caboclos e outros animais peçonhentos que habitam as copas dessas palmeiras.
Sofrem também com o ataque das formigas pretas que, ao ferroar o indivíduo,
provocam dores intensas, como as serpentes, que chegam até esses locais em
busca de ninhos de pássaros e alguns roedores, que ali habitam.
Vestindo
apenas um calção, para melhor mobilidade, esses profissionais ganham a vida
subindo e descendo dos coqueiros, numa exaustiva jornada de até 10 horas por
dia. As “peias”, principais ferramentas que lhes permitem subir nessas
palmeiras com menor esforço, antigamente eram feitas com cipó que, por sua vez,
eram revestidos com relho – tiras de couro cru – para lhe dar maior
consistência e segurança. Há algum tempo o cipó foi substituído pelo cabo de
aço, bem mais seguro e duradouro, porém o revestimento com relho cru continua
até os dias de hoje.
Geralmente,
o aprendizado da tiragem de coco é passado de pai para filho, por gerações. Na
Pipa, porém, isso não aconteceu. Nenhum dos tiradores de coco tem descendência
direta dos pais ou deixou descendentes na família. A título de informação,
podemos afirmar que é uma atividade exclusivamente masculina, pois, até hoje,
não temos notícias de que nenhuma pessoa do sexo feminino tenha abraçado essa
profissão.
Na
Indonésia, os aldeões costumam treinar um tipo de macaco na colheita de coco.
Os símios são amarrados pela cintura a uma corda e ao comando do seu
adestrador, sobem nos coqueiros e arrancam, um a um, os frutos que lá
estiverem. Para isso, utilizam apenas suas pequenas mãos. Torcem o fruto numa
mesma direção, até que desprenda do cacho e caia. Porém, o que um homem produz
em apenas 1 hora de trabalho, esses macacos levam dias para colher a mesma
quantidade. Diante disso, podemos avaliar que a colheita com esses animais é
apenas mera exibição para turistas, pois comercialmente, seria totalmente
inviável.
Os
coqueiros se dividem em duas espécies: gigante e coqueiro-anão. O primeiro foi
introduzido no Brasil pelos colonizadores portugueses, a partir do ano de 1553.
As primeiras mudas trazidas da Ilha de Cabo Verde foram inicialmente plantadas
no litoral baiano, daí a denominação “coco da Bahia”. O coqueiro-anão tem sua
origem na Indonésia. A principal diferença entre essas variedades é que no coco
da Bahia – que geralmente é destinado à indústria – os frutos são colhidos
trimestralmente, sempre maduros ou totalmente secos. Ao contrário, os
coqueiros-anões, destinados à extração de água, têm suas colheitas realizadas a
cada 25 dias, obedecendo à sua inflorescência. As colheitas realizadas em
desobediência a esses critérios prejudicam, sobremaneira, a produção nas duas
espécies.
Na Praia da
Pipa de antigamente, o coqueiro era tão valorizado, que se constituía em um bem
transmissível. Era comum um indivíduo ter um ou mais coqueiros na terra de
outrem. Sobre essas plantas eram dados todos os direitos ao seu proprietário.
Estes podiam ter acesso aos coqueiros, sem prévia comunicação ao dono da terra
onde estavam plantados, para inclusive negociá-los com outras pessoas, se assim
o desejassem.
No passado,
havia na Pipa vastos coqueirais do tipo coco da Bahia, também conhecido como
“coco praia”, e poucos tiradores de coco. Apenas três profissionais faziam esse
trabalho, como diziam, “no braço”, pois até então não se conheciam as “peias”.
Era um
trabalho penoso e estafante. Agarrados aos troncos e impulsionados pelos pés,
chegavam ao alto dos coqueiros e, com certeiros golpes de facão, cortavam os
cachos secos ou maduros. Nossos tiradores fora: Zé Luiz, Francisco Lourenço e,
por último, Irineu. Quando este último ficou sem condições de trabalhar,
principalmente por causa da idade, foi substituído por seu discípulo Cícero
Lourenço dos Santos, mais conhecido por Madola. Este se iniciou nessa atividade
subindo em coqueiro também “no braço”, mas logo foi apresentado às “peias”,
novidades trazidas para a Pipa por tiradores de coco vindos da Barra do Cunhaú,
no município de Canguaretama-RN.
Em cima dos
coqueiros, os tiradores de coco enfrentam vários perigos escondidos na copa
dessas plantas. Além de trabalhar pendurados, a vários metros do chão, por uma
ferramenta rudimentar e sem utilizar nenhum equipamento de segurança,
constantemente são surpreendidos por insetos raivosos: lagartas de fogo,
cobras, ratos e o que mais os aterroriza – os enxames de abelha africanizada,
que não se detêm diante do óleo diesel, utilizado com sucesso nos demais
insetos.
O pagamento
a esses profissionais ainda é feito com base no preço do coco. Para cada planta
que subir para a colheita ou simplesmente realizar uma limpeza, recebe o
referente ao preço de uma unidade. Durante um dia de trabalho, dependendo da
altura das plantas, os que tinham mais prática, chegavam a subir em até 100
coqueiros.
Madola - ano 2011
Madola
começou nessa atividade aos 20 anos de idade e trabalhou durante 35 anos,
quando percebeu que os nervos já não lhe favoreciam a subir no alto das
palmeiras; as pernas, cansadas, impunham-lhe grande sofrimento para chegar
àquelas alturas. Deixou a profissão aos 55 anos de idade e orgulha-se em dizer
que com seu trabalho criou toda a família. Durante esse tempo trabalhou em
vários locais. Na Pipa daquela época, somente ele e Geraldo da Costa, o
General, discípulo que conseguiu formar quando ainda estava na atividade, eram
responsáveis pela colheita de toda a região. Em Tibau do Sul, conta que tiraram
coco por muitos anos, nas propriedades de Hélio Galvão. Em Cabeceiras, grande
produtora de cocos, ensinou aos colegas de profissão o uso e a confecção das
peias. Em Canguaretama, onde existiam vários sítios, passavam semanas
trabalhando sem retornar para casa. Onde houvesse um sítio com cocos para
colher, lá estavam os amigos Madola e General.
Hoje,
aposentado, Madola ainda mora na Pipa com muitos filhos e netos, mas nenhum
deles quis seguir sua profissão. Procuraram outras atividades mais rendosas e
menos arriscadas.
Genreral - ano 2005
General,
último desses profissionais, teve seu destino traçado desde criança. Quando
menino e adolescente, muito levado, em brincadeira de subir em árvores com
outras crianças, sofreu várias quedas, inclusive duas grandes quedas de uma
mangueira, o que lhe deixou por vários dias acamado. Quando adulto, no
desempenho de sua profissão, também sofrera outros dois acidentes dessa
natureza. No primeiro quebrou uma perna e ficou por mais de um ano sem
trabalhar. O médico que o atendeu, sentenciou: nunca mais você vai poder subir em coqueiros. Ledo
engano. Com menos de dois anos, lá estava ele pendurado no alto das palmeiras,
como se nada tivesse lhe acontecido. É como ele sempre dizia, quando
questionado: “Preciso ganhar a vida e essa é a minha profissão. Como não sei
fazer outra coisa...”.
No fatídico
dia 28 de setembro de 2005, sofreu sua última queda. Estava no alto de um
coqueiro quando uma das peias, já bem usada, partiu-se e ele caiu de uma altura
de mais de 20 metros .
Dias antes, havia me pedido que comprasse em Natal, cinco metros de cabo de
aço, pois precisava fazer “peias” novas. Quando retornei na semana seguinte,
presenteei-lhe com o cabo de aço, que infelizmente não houve tempo de utilizar.
Lutou pela
vida durante 20 dias. No dia 18 de outubro, morreu em um leito do Hospital
Walfredo Gurgel, em Natal.
Se tivesse sobrevivido, estaria preso para o resto da vida a
uma cama ou, na melhor das hipóteses a uma cadeira de rodas, o que lhe imporia
grande sofrimento.
Coincidentemente,
o coqueiro no qual ele acidentou-se, quatro meses depois morrera. Sua frondosa
copa foi secando até tombar e cair. Ainda podemos vê-lo, sem copa, apontando
para o céu, bem ao lado de cemitério onde o “General” está sepultado, como se o
destino, de alguma maneira, tivesse se encarregado de juntá-los novamente.
Com sua
morte, morreu também uma tradição. Fiel discípulo de Madola, com quem aprendeu
tudo sobre essa arte, não conseguiu deixar seguidores. Infelizmente, acabava
naquele instante, o legado dos tiradores de coco da Praia da Pipa.
quarta-feira, 13 de junho de 2012
segunda-feira, 4 de junho de 2012
sexta-feira, 1 de junho de 2012
O MEDO PODE ENTRAR
Coisa medonha, Senhor
Redator, é viver sem sossego. Quanto mais se o cristão escolheu para viver numa
vila antiga, sem riqueza e sem soberba. E como se o medo
nascesse dos becos e das ruas quietas e saísse andando como um fantasma do mal. É assim que vive o povo da Redinha nesses tempos de danações. É o que resta aos que moram nesta cidade tão bonita, entre o
rio, o mar e os morros, numa sucessão de notícias que hoje fazem deste lugar do mundo um assombrado exercício de sobrevivência.
Sou de outros
tempos. De quando nas manhãs e tardes antigas seu povo pescava e pastorava as nuvens. Os alpendres eram uma extensão natural das casas, uma sombra doce que espantava o
mormaço, e nas latadas as conversas ajudavam a viver. De uns anos hoje adocicados
na lembrança com a fartura de peixes - das tainhas nas redes e dos xaréus que vinham ainda vivos
no tresmalho do arrastão. A vida não chegava pela
tevê, para fazer a paráfrase do verso
bandeiriano, mas era vivida como se fosse poesia.
Esta vila, Senhor Redator, que
recebeu Mário de Andrade e
Câmara Cascudo na velha casa de Barôncio Guerra, numa peixada homérica, servida com um zambê de côco dançado na beira da praia, teve
verões imensos. Aqui o
poeta Henrique Castriciano renovava os pulmões cheios de cavernas que anunciavam
a morte com sua tuberculose. E o professor Antônio Soares, de olhos
abertos para o céu e alma delirante, viu duas luas, um mistério tão grande que nem a Nasa, com toda ciência, conseguiu ver.
Ora, quem, senão uma vila
assim, com o riso franco
da vida sem perigo, por acaso teria um time com o nome de Morte Futebol Clube, e com a presença de um jovem craque
chamado Lenine Pinto? E a gargalhada de Dalila que para Berilo Wanderley, e como aquelas irmãs Boninas, lá de Goianínha, eram corredores
de ternura? E Cutruca, personagem de Newton Navarro
que vencia
suas ruas de areias alvas como as dunas cantando canções que ninguém entendia, como se viver fosse um jeito de amar os
dias?
E a Redinha
que veio depois, e viveu em nós na sua última geração
boêmia, como se fosse uma ilha a abrigar os deserdados da tristeza, de tão
felizes? E as suas casas de janelas acesas pelo sol das
manhãs? E as tardes, abertas para
que a lua e as estrelas
entrassem sem pedir licença? E a cachaça que ainda vi
brilhando nas mesas,
entre volutas de cajus vermelhos e abacaxis dourados, resplandecendo nos olhos mornos dos seus últimos
boêmios? E a vida que, de tão intima, não se sabia se um dia acabava?
O medo hoje mora nestas
ruas. Os dias de chuva não afagam com ternura de mãos aveludadas o rosto da gente. É perigoso, muito perigoso, tomar
banho de chuva no beiral dos seus
telhados. É arriscado andar nos
becos desertos, bares e lugares. É desaconselhável
abrir as portas e esperar a noite chegar. Foi-se o tempo, diria
mesmo, que era bonito repetir o verso do poema de Mário da Silva Brito e
para abrir as janelas para encher a casa de nuvens. Como, Senhor Redator, se o medo
pode entrar?
Publicado hoje na coluna Cena Urbana do jornalista Vicente Serejo
quarta-feira, 30 de maio de 2012
O EXÍLIO DE PALUMBO
PUBLICADO NO JORNAL DE HOJE, NA COLUNA "CENA URBANA" DO JORNALISTA VICENTE SEREJO.
Giácomo Palumbo
Outro dia, não faz muito tempo, andei reclamando aqui dos antigos feriados que encontrei num velho Alrnanaque de Lembranças, de
1929, e que há anos cochila nas prateleiras deste pequeno armazém de livros velhos e de ocasião. Figuras e datas abandonadas por esta cidade sem memória que esquece seu próprio passado nas gavetas empoeiradas dos arquivos. Menos de uma semana depois, fui encontrar nas páginas deste JH o artigo de Ormuz Barbalho Simonetti sobre o exílio do arquiteto Giácomo Palumbo.
Digo exílio, Senhor Redator, para não ser indelicado com os viventes daquela ruela. Também moro numa rua assim, pequena e estreita, mas não há nada em mim que justifique uma avenida. Já com
Palumbo aquela ruela próxima ao
cruzamento da Presidente Bandeira com São José, é um exílio do seu Plano de Sistematização. Nem
um lugar em Tirol ou Petrópolis a cidade encontrou para homenageá-lo com dignidade. Tem apenas seu nome numa placa de rua onde ninguém sabe quem ele é e nem o que fez.
Não preciso
lembrar sua história
toda contada que foi por Ormuz Barbalho Simonetti, mas destaco um detalhe que ele ressaltou e que fixa com todos os traços e cores o retrato trágico de uma cidade ainda tão desmemoriada. Conta nosso historiador dos iluminados verões de Pipa que um dia, no ano da graça de 1972, o chefe
do arquivo geral da Prefeitura, certamente aborrecido com tanto papel velho, fez oficio ao então secretário do planejamento solicitando permissão para incinerar o que julgava imprestável e inútil.
Contam que veio a resposta concordando, e assim foi feito. Imagino as chamas devorando tudo, os processos, mapas, fotografias, certidões e relatórios. Era a própria história da cidade crepitando nos olhos do burocrata ordeiro e exemplar. Nada restou, a não ser um arquivo limpo e varrido, inútil por não saber contar, com documentos históricos, a evolução urbana da cidade. E de Palumbo, a placa numa rua longe do mundo que ele criou, sem inscrição nenhuma. Num exílio injusto, sem glória e sem consagração.
Foi assim com o sítio histórico da Rampa, hoje partido ao meio, para no seu chão histórico agora se erguer uma
construção modernosa, a sede do III Distrito Naval. E como se já não bastassem as grandes áreas militares que cercam o perímetro urbano da cidade. A então governadora Wilma de Faria consentiu sob o
silêncio da Fundação José Augusto, alegando que a representação
local do· Patrimônio Histórico
tombou apenas a sede da Rampa, na sua clara demonstração de
insensibilidade e, mais que isto, incultura.
Tem razão Ormuz Barbalho Simonetti quando protesta diante do espaço que a cidade reservou a um dos planejadores do seu desenvolvimento urbano. Não tem lima herma, uma estátua, um monumento, um pequeno jardim, uma rua, uma avenida, nada. Pior: a área de Tirol e Petrópolis sequer foi tombada. Seus canteiros largos estão sendo rasgados para estacionamentos. E ali na Afonso Perna com a Jundiaí um gênio inventou a bestialidade de um contra-fluxo, sinal perfeito da mentalidade modernosa que nos cerca.
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