sábado, 17 de setembro de 2011

O distrito da Pipa, as praias e seus nomes primitivos


DUNAS DA DIVISA TIBAU/PIPA

Quem se desloca da cidade de Tibau do Sul para a praia da Pipa utilizando a antiga estrada carroçável por cima das falésias, logo vai passar por duas grandes dunas de areia postadas uma ao lado da outra. Tradicionalmente são essas dunas, que estabelecem o limite entre a praia de Tibau do Sul e Pipa. O local é de fácil identificação, pois é lugar de parada obrigatória, aos que querem apreciar uma das mais belas vistas daquele litoral.

Nessa área a falésia é desprovida de qualquer vegetação e sua constituição mistura-se entre a argila vermelha, que predomina toda a região, e a argila de cor branca, mais presente especificamente nesse local.
Ao descer a falésia encontramos a primeira das 11 praias que compõe o complexo de praias do distrito da Pipa. O nome Cacimbinhas vem de antigas cacimbas de água doce que se localizavam próximas as falésias. Bastava cavar um pouco e logo a água doce e cristalina aflorava com facilidade.

Em seguida vem a praia do Madeirinho. O nome esta diretamente ligado a próxima praia, denominada Madeiro, por ter as mesmas características geográficas, porém em tamanho reduzido.

PRAIA DO MADEIRO

Já a praia do Madeiro recebeu esse nome em virtude da existência de uma baía de águas calmas no lado norte da falésia. Era lá onde os franceses ancoravam suas naus e abasteciam com o nosso pau-brasil. A madeira conseguida através de escambo se destinava ao continente europeu onde era vendida a peso de ouro para ser utilizada como corante nas indústrias de tecidos.


PRAIA DO CURRAL DO CANTO

A seguir, na outra ponta da enseada, localiza-se a praia do Curral do Canto, ou praia do Canto ou ainda como é conhecida atualmente, Baía dos Golfinhos.
Circulando a falésia que se projeta em direção ao mar, chega-se a praia da Baixinha. Essa praia é muito freqüentada por veranistas e turistas quando acontecem marés baixas, ocasião em que diversas piscinas ficam à mostra em meio aos recifes de coral. Além do banho maravilhoso, não é difícil o freqüentador ser contemplado com a visão de alguns animais marinhos, além de pequenos peixes multicor, que habitam aquelas piscinas.

PRAIA DA BAIXINHA

Prosseguindo, chega-se a praia do Porto de Baixo contígua à praia do Porto, onde são ancoradas as embarcações. Por ocasião das marés de vazante, os recifes de coral ficam à mostra impedindo a entrada dos barcos no porto. Então as embarcações que precisam chegar ao ancoradouro utilizam a rota do porto de baixo, onde parte dos recifes ficam submersos, permitindo a navegação com segurança.
Chega-se então a praia do Centro onde se localizam a maioria das casas de veraneio e o comercio a beira mar.

PRAIA DO PORTO

Após a praia do Centro que se estende até o morro do Castelo (nome do antigo proprietário) chega-se a praia denominada Poço das Mulheres. Esse local recebeu essa denominação, pois em épocas passadas, era onde as mulheres da comunidade utilizavam para toma banho. Como não conheciam roupas apropriadas, tomavam banho completamente despidas. O local era bastante deserto e raramente alguém se aventurava por lá.
A próxima praia é Afogados. Nesse local o mar é aberto e não existem as formações de recifes de coral. A praia é muito freqüentada principalmente por turistas. A constância das fortes ondas impulsionadas pelos ventos advindos de sua localização atrai praticantes de esportes náuticos, principalmente o surf.

PRAIA DO CENTRO

De lá podemos avistar a praia do Moleque marcada pela sua famosa pedra, que contornada pelas falésias que compõe o Chapadão, nos propicia uma visão espetacular daquela pequena baía, ornada por coqueiros e pequenas dunas que se formam na beira mar. Em seguida vêm as praias mais desertas e consequentemente menos freqüentadas. Cancelas, que recebeu esse nome por sua formação geográfica, praia das Minas, por apresentar algumas inscrições rupestre e por último a praia de Pedra d’água que se limita com o distrito de Sibaúma. O nome vem de antigas poças de água de chuva que se formavam nas pedras existentes no local.

PRAIA AFOGADOS E ENSEADA DA PRAIA DO MOLEQUE

Esse artigo tem por finalidade resgatar, para que não sejam esquecidos, os nomes primitivos dessas praias. Como podemos observar, todas elas foram denominadas pelos ancestrais da comunidade, que utilizaram para isso razões lógicas, como foram descritas. Portanto, comete-se grande injustiça com a própria história do lugar, quando por simples vaidade ou o afã de agradar alguém ou alguns, se comete semelhante desatino. Tem se tornado comum em nosso Estado a constante mudança dos nomes de praças, logradouros e até mesmo de cidades, num constante desrespeito aos seus habitantes, maculando e empobrecendo cada vez mais a nossa história.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

DO LIVRO "A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS"

Morre o mestre Francisquinho


Em 1939, chegou a Praia da Pipa, vindo do norte, mais precisamente da Praia de Galinhos-RN, Francisco Caetano do Nascimento, mais conhecido por Francisquinho. Aos 16 anos de idade, o jovem pescador veio acompanhando seu tio, mestre de um barco, para uma temporada de pesca da albacora. A Pipa vinha se tornando famosa pela grande quantidade de peixes que se capturavam em suas águas, atraindo pescadores de várias praias do nosso estado e até mesmo de outros vizinhos, como Paraíba e Ceará.
Ao retornar para Galinhos, após o final da safra de albacora, Francisquinho informou a sua mãe que tinha gostado muito do lugar e que voltaria para morar. Então, no mesmo ano, o adolescente chegou a Pipa e, dessa vez, para ficar.
No início, começou a pescar em barcos de outras pessoas e, como já entendia um pouco da carpintaria naval, aventurou-se no conserto de botes. Em Galinhos, onde morava, costumava realizar pequenos consertos em embarcações que chegavam avariadas. Posteriormente, veio a se tornar o maior carpinteiro naval das praias do Litoral Sul, como são conhecidas as praias que se situam à direita da cidade de Natal.
Anos depois, Francisquinho conheceu a viúva Maria da Conceição Borges e com ela se casou. Dessa união tiveram cinco filhos, sendo dois homens, três mulheres e um sexto filho que foi adotado.


Os dois primeiros botes que construiu foram: “Taubaté” e “Baluarte”. A partir daí, até o último bote construído, “Malembá II”, foram mais de quinhentas embarcações, entre botes a pano, a motor e jangadas de compensado naval. Eu, juntamente com meu irmão, Dante, tivemos a oportunidade de, em 2004, ter uma dessas jangadas construída por ele.

O Malembá II, a última e maior embarcação que construiu, tinha 16,5m x 6,5m e destinava-se ao transporte de turistas em passeios pelas praias do norte. Foi projetado para levar 150 passageiros, em dois andares.
O proprietário desta embarcação dizia que, se por acaso, não desse o resultado esperado com os passeios turísticos, o barco seria destinado ao transporte de cargas para a ilha de Fernando de Noronha. Fui informado que se encontra no Norte, na praia de Galinhos... Fazendo o quê? Não sei.

MALEMBA II

Por muitos anos, o estaleiro de Francisquinho funcionou na Praia da Pipa, próximo à casa onde morava, na rua de cima. Com o tempo e a fama de bom construtor, aqui chegavam, de várias regiões, pessoas interessadas em contratar a construção de barcos no estaleiro do mestre. Essa fama perdurou enquanto esteve à frente da administração do seu estaleiro.
No início, a construção de um bote levava muitos dias, pois faltavam ferramentas e havia a dificuldade em conseguir a principal matéria prima: a madeira. As árvores eram retiradas das matas que ficavam a uma boa distância da praia. Dependendo da sua utilização, elas podiam ser cortadas de maneira bastante rudimentar.
Este material era transportado em lombo de animais ou na cabeça dos homens. O machado era utilizado para derrubar a árvore escolhida e depois dois homens operavam um grande serrote para abrir a madeira em pranchas que mediam três polegadas de espessura. Levavam-se dias para transformar em pranchas uma árvore de bom porte. Abertas em forma de pranchas ou moldadas em “cavernas”, as peças em forma de “U”, que juntamente com a quilha formam o esqueleto do bote, muitas vezes eram lavradas na própria mata. Quando transportadas para o estaleiro, já estavam no ponto de acabamento. O processo era concluído com a ajuda de plainas e enxós. O trabalho era penoso. Conseguiam moldar peças enormes de madeira bruta em robustas “cavernas”, dando-lhes as formas necessárias, utilizando apenas o machado e a enxó.
Para armar o bote era preciso primeiro situar a quilha. Depois a roda de proa, a espinha e em seguida a colocação do cavername. Após a colocação das “cavernas”, seguia o terço de proa e o terço de popa. O próximo passo era “envedubar” o barco, ou seja, dar a forma que vai ficar depois de pronto. Em seguida, vinha o “enlatamento” – operação que consiste em pregar barrotes, ligando as duas extremidades das “cavernas”, em preparação para o tabuamento do convés. Essa operação era realizada logo que aprontavam as escotilhas de porão. Somente na fixação das tábuas do convés é que utilizavam pregos. Nas outras operações, como também no tabuamento dos costados, eram utilizadas cavilhas. Em seguida, eram feitos as bordas e os corrimãos de bordas. A última operação antes da pintura era o calafetamento, que é a vedação do barco. Para isso eram utilizadas estopas feitas com a casca da sapucaia.

Procurei aqui, da melhor forma que me foi possível, descrever o que foi, para o mestre Francisquinho, a paixão de toda sua vida: construir barcos. Para exercer tão nobre profissão teve que passar por muitos desafios que lhe foram impostos durante o tempo em que pôde manobrar com maestria as ferramentas que lhe permitiam, usando somente a intuição e a vontade de vencer desafios. Ao longo de sua vida, o mestre produziu verdadeiras obras de arte da nossa construção naval, de pequeno porte.
No último dia 22 de maio, descansou para sempre o mestre Francisquinho. Acometido de vários derrames, viveu recluso os últimos anos em seu sítio, nos arredores da Pipa. Tinha perdido a condição de falar e andava com muita dificuldade. Mas, quando encontrava os amigos, seus olhos miúdos brilhavam de satisfação e felicidade, diziam o que sua voz, levada pela doença, já não lhe permitia dizer. Morreu o homem, o profissional, o mestre, o amigo, o religioso e o pai de família que soube criar os seus filhos com dignidade. Teve ainda, junto com sua esposa, espaço em seu coração para o sublime ato de amor ao próximo, a adoção. Descanse em paz, amigo.

Natal, junho de 2009.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

POSSE NA ACADEMIA CEARAMIRINENSE DELETRAS E ARTES-ACLA

LINK PARA ACESSAR A FESTA DE POSSE NA ACLA-

http://cearamirimtv.blogspot.com/2011/08/posse-dos-academicos-da-acla-em-ceara.html




ORMUZ SIMONETTI RECEBE O DIPLOMA DO ACADÊMICO LUCIANO ALVES DE NÓBREGA


JURANDYR NAVARRO, ORMUZ SIMONETTI, CARLOS GOMES E ODÚLIO BOTELHO


ORMUZ SIMONETTI E SUA ESPOSA GEIZA GALVÃO BARBALHO SIMONETTI

sábado, 20 de agosto de 2011

Do livro “A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS”



RENDEIRAS DE BILROS

A renda de bilros é, sem dúvida, uma das mais antigas e mais ricas manifestações da arte do nosso povo. Surgiu no século XV na Itália, posteriormente chegou à França e depois a Portugal. É uma arte praticada exclusivamente por mulheres. Chegou ao Brasil com a colonização, trazida pelas esposas e filhas dos portugueses. Estremadura, Minho, Algarve e Alentejo são as regiões que mais tradição têm na renda de bilro que era feita geralmente no âmbito doméstico.



No Brasil a atividade desenvolveu-se nas comunidades interioranas, particularmente nas faixas litorâneas. Na Pipa, como na maioria das comunidades praianas, as rendeiras gostavam de se reunir para “bater bilros” na sombra dos coqueirais que se estendiam por toda a beira da praia. Lá, debruçadas sobre suas almofadas, teciam belas rendas animadas por intermináveis conversas de comadres. Também cantavam antigas canções e hinos religiosos. Tudo ao som do inconfundível gemido melódico que vinha das palhas dos coqueiros fustigadas pelos ventos.














À noite, iluminadas pelas chamas de lamparinas e candeeiros, lá estavam elas na incansável labuta na arte que suas mães e avós lhe ensinaram. Às vezes, dependendo das encomendas, trabalhavam madrugada adentro até o amanhecer do dia. As peças eram vendidas nas cidades mais próximas como Goianinha, Vila Flor, Canguaretama e Ares. Por vezes, apenas uma delas seguia para a cidade levando o trabalho das outras, que era oferecido de porta em porta. Eram comuns as encomendas para enxoval de noiva. Das pessoas mais afortunadas recebiam encomendas de toalhas de banquetes, caminhos de mesa, colchas para cama e toalhas para altar que eram doadas às igrejas.



Em Cabeceiras, havia um sujeito de nome Chico Bem-te-vi, uma espécie de corretor das rendeiras, que em troca de uma comissão, levava os trabalhos das rendeiras da Pipa para vendê-los em Natal. Com o dinheiro conseguido, elas compravam, além das linhas utilizadas na confecção das rendas, produtos que consumiam no dia-a-dia com a família. Os pescadores sempre contavam com esse dinheiro extra do trabalho de suas mulheres e filhas, principalmente nas entressafras ou quando as safras de peixes não lhes eram favoráveis.



Na praia da Pipa, a renda de bilros era praticada pela maioria das mulheres. Algumas delas se tornaram famosas pela delicadeza com que faziam suas peças. Zulmira, Maria Alves, Zilda, Maria Segunda, Zelda, Geralda, Isaura e Francisca Martins eram as mais conhecidas.
























O aprendizado era passado de mãe para filha, ainda muito cedo. Começava pela observação, em casa, no trabalho diário das mães rendeiras. Lá pelos oito ou nove anos de idade iniciavam em pequenas almofadas e com “pontos” mais simples, que além de facilitar o aprendizado, utilizam, no máximo, quatro pares de bilros. Com o tempo, e dependendo da habilidade das meninas, as mães iam introduzindo o aprendizado das rendas mais complexas, o que naturalmente aumentava o número de pares de bilros.



As rendas são tecidas em cima de almofada, que consiste de um cilindro com tamanho médio de 60 a 80 cm. São cheias com capim ou palha de bananeira. De tempos em tempos esse enchimento tem que ser trocado para dar maior consistência à almofada e melhorar a segurança dos alfinetes. Estas peças de metal podem ser substituídas, principalmente em beiras de praia, por espinhos de cardeiro e laranjeira. Os bilros são peças de madeira feitas de ubaia, pau branco ou mamãozinho, madeiras abundantes na região; de fácil manuseio e muito resistente. Uma das extremidades tem forma de pera. O outro lado permanece fino como um lápis e na ponta é enrolado o fio que irá formar a renda. E, finalmente, o cartão perfurado, que é a matriz do trabalho a ser feito. Este último é preso na almofada e os bilros são presos na outra extremidade.











Os fios são trançados e enrolados uns sobre os outros e vão formando o desenho estabelecido no cartão. Dependendo do tipo de renda chega-se a utilizar até 30 pares de bilros. São vários os tipos de renda. Geralmente tem a ver com a região onde habitam. As rendas mais comuns na Pipa eram: olho de pombo, orelha de pano, bico macho, bico fêmea, renda premi, gomo de cana, formozeira e ceará. As iniciantes começam com bicos que são mais fáceis de serem feitos, pois utilizam apenas 4 bilros. Com o tempo, e dependendo da habilidade de cada uma, aumenta-se a complexidade da renda e naturalmente o número de bilros.



Em seu livro “Minhas Oitenta Primaveras”, Maria Segunda Marinho conta que aprendeu a fazer rendas, com um coco verde que imitava uma almofada. Enfiava umas varetas nos coquinhos para parecer com os bilros, e os alfinetes faziam com os ponteiros da palha seca. As linhas eram os fios retirados dos sacos de estopa. E assim ela fazia pequenos bicos para enfeitar as roupas das bonecas de pano. Maria Segunda tornou-se uma das mais respeitadas rendeiras da praia da Pipa.
Dona Zilda Marinho – hoje com 74 anos de idade, é uma das poucas rendeiras que ainda trabalha, diariamente, em sua almofada. Ela me relatou um fato bastante curioso. Em 1951, morava e estudava em Natal, na casa de uma madrinha. Através de uma amiga que trabalhava no Palácio do Governo, conseguiu vender algumas de suas rendas aos funcionários do Gabinete do Governador Sílvio Piza Pedrosa.



Fico admirado com a vitalidade dessa senhora, que conheço desde quando eu era criança. Criou, junto com seu marido pescador, João Peixinho, doze filhos. Foi a tenacidade dessa senhora, aliada ao amor pela sua arte, muitas vezes trabalhando madrugada adentro, somente com a luz da lua, que ajudou financeiramente a criar tão numerosa família. Também começou, como a maioria das filhas de pescadores, observando a mãe trabalhando em sua almofada. Tinha apenas sete anos de idade e já se preocupava em aprender a profissão de sua mãe para poder ajudá-la. A exemplo de Maria Segunda, também começou a fazer rendas, traçando pequenos bicos, em um coco que imitava uma almofada.

Pipa, maio de 2009.


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

DO LIVRO “A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS”

OS CURRAIS-DE-PEIXES


Curral do Canto, ou curral da praia dos Golfinhos, demolido em 1998

O primeiro curral-de-peixe da Praia da Pipa foi construído no local denominado Praia do Canto e pertencia a Miguel Moreira. Mais na frente, havia outro curral que era de três donos: Manoel de Hemétério, Antônio Marcelino e Miguel. No Madeiro, pelo lado do Hotel Natureza, onde o mar é calmo, havia dois currais: o de João Pegado e o de Antônio Pegado. Em frente à “Pedra do Santo”, também existiu um curral que pertencia a Chico Marcelino, e no “Porto de Baixo”, outro de Manoel Castelo.

Curral em frente a casa de Dante - Foto de 1960

Em frente à casa de meu irmão, Dante Simonetti, tinha o curral de José Bidium. Em 1982 esse curral foi comprado por Dante e depois demolido. Pouco mais adiante, havia o curral de Manoel Estevão, onde ainda hoje é possível ver o local onde foram construídas as salas desse curral. Os dois últimos currais ficavam na Ponta do Moleque, um de Manoel Estevão e o outro de Antônio Pegado.
A técnica na construção dessas armadilhas para a captura de peixes é lusitana. Os nossos parentes de além mar, que tinham na pesca uma de suas principais atividades, já se utilizavam dessas armadilhas há varias gerações. Sua provável origem é no arquipélago dos Açores e a técnica foi aperfeiçoada pelos nossos irmãos lusitanos. São construídos, de preferência, em baías e enseadas onde as águas são rasas e tranquilas.

Entrada do curral também chamada de "sangra"

Existem registros que no ano 1869 os imigrantes portugueses que se estabeleceram nas cidades cearenses de Acaraú e Camocim, percebendo o mar tranqüilo e a plataforma continental larga e baixa, introduziram naquela região a pesca de curral. A construção dessas estruturas é feita de maneira que, por ocasião da baixa mar, não exista dificuldades em chegar até suas salas e chiqueiros, onde os peixes são aprisionados

Curral do Canto, ou de Antonio Pequeno sendo recuperado.

No Brasil existem vários tipos de currais-de-peixes. Os construídos na praia da Pipa eram formados por uma espia, duas salas e dois chiqueiros. No final da espia localizam-se as salas, em seguida o chiqueiro grande e por último o chiqueirinho. As salas e chiqueiros são dependências circulares ou ovaladas onde os peixes são aprisionados. O seu funcionamento é muito simples. Os peixes são obrigados a nadar para dentro de suas salas quando o seu percurso é interrompido pela espia. Ao penetrar no primeiro compartimento e contorná-lo procurando saída, é conduzido para o chiqueiro grande e em seguida para o chiqueirinho. Quando chegam nesse último compartimento, cessam todas as possibilidades de saída.

Homens na montagem da "esteira" do curral composta de varas amarradas com cipós
Para a construção de um curral-de-peixe, inicialmente são afixados na praia, partindo da parte mais rasa da maré, mourões de madeira que são martelados até obter uma boa fixação. Após estarem bem firmes no solo, e obedecendo a uma distância de um a dois metros entre as peças, são colocadas as esteiras de varas. Na construção de um curral de porte médio, eram utilizados de 400 a 600 mourões e, de uma extremidade a outra, chegava a medir até 100 metros. As esteiras eram previamente armadas na praia e as varas, conseguidas na própria região, que tinham altura que variava entre 2,0 e 2,50 metros. Essas varas eram ligadas umas nas outras com cintas de cipó vegetal, onde os mais utilizados eram o cipó-brocha e o cururú.
Antigamente os cipós eram retirados das matas que existiam acima das falésias. Com a escassez desse material, ocorrida na década de 80, o mesmo passou a ser trazido das matas do Engenho Cametá, que fica no município de Ares, e pertencia a Felipe Ferreira.

As esteiras eram então amarradas com o mesmo cipó aos mourões, desde a primeira peça, até circular todas as salas e chiqueiros. Em cada entrada de salas, as varas eram dispostas de maneira a dificultar a saída do peixe, logo após sua entrada. É por ocasião das enchentes que geralmente ocorre à entrada dos peixes no curral. Para a despesca, o indivíduo utiliza pequenas redes e puçás. Quando ocorre a entrada de algum peixe de maior tamanho, utilizam porretes de madeira para imobilizá-los e facilitar a sua retirada. Há casos em que o peixe capturado, por ser muito grande, é preciso desmontar parte da entrada dos chiqueiros para a sua retirada. A despesca ocorre duas vezes durante o dia, por ocasião da baixa-mar.










Xaréu


Espada


Mero

Na nossa costa, os peixes mais comuns pescados em currais são: carapeba, camurim (robalo), espada, tainha, pirambú e xaréu. Na Pipa, os maiores peixes capturados em currais foram: um mero, com mais de 100kg e dois camurupins, pesando 80kg cada. Contou João Peixinho, nativo da praia e pescador desde criança, que na década de 40, assistiu juntamente com seu pai e seu tio, a captura de um cardume com mais de 2000 xaréus, no curral da Praia do Canto.

Devido à falta de comércio na Pipa para essa quantidade de peixes, o pescador conta que todo o cardume capturado foi enviado a Natal, em dois botes, abarrotados de peixes, onde havia maior possibilidade de comercialização.
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Hoje não existe mais nenhum curral-de-peixes na praia da Pipa. O último foi o de Antônio Pequeno lá na Praia do Canto, contudo o mesmo foi demolido em 1998. O avanço do mar sobre a falésia, aliado a infiltração das águas de chuvas, facilitada pelo desmatamento da vegetação nativa para a construção de um hotel, vem provocando o constante desmoronamento dessas falésias.


Isso facilitou a ação dos ventos sobre o curral, encarecendo sua manutenção. Cada ano que passa, o mar arranca mais um pedaço da falésia, deixando à mostra partes da mesma, prestes a cair. Expondo ao perigo todos os que por ali passam quando se dirigem a Praia dos Golfinhos. É visível e preocupante o avanço do mar em toda a costa potiguar.

Natal, 24/05/2009

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Do livro “A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS”



As primeiras fontes d’água: cacimbas.

Na Pipa daquela época, tanto a água para beber quanto para os gastos domésticos era retirada das chamadas “cacimbas”. Essas fontes nada mais eram que olhos d’água, localizados próximos ao mar; afloravam da terra. As pessoas cavavam em círculos e ampliavam a área de captação da água. Como ficava exposta, e era comum ser utilizada por animais, a água destinada para beber tinha que ser retirada com cuidados especiais.


Posteriormente, as cacimbas foram cavadas em locais previamente determinados, geralmente nos quintais das casas. Esse outro tipo de cacimba, mais moderna, constituía-se de um buraco escavado no chão, com largura variando entre 70 cm e 1 metro. Era então revestida com tijolos até a borda, que geralmente ficava acima do solo, e era coberta com uma tampa de madeira. Como o lençol freático naquela área era muito superficial, como ainda hoje o é, ao perfurar de dois a três metros o solo, já se podia encontrar água abundante e de boa qualidade.

A água retirada das cacimbas era transportada para as casas em cabaças, potes ou galões. A primeira, lagenaria siceraria, tinha diversas utilidades ligadas ao uso da água. As cabaças tinham tamanhos e formas diversificadas, dependendo da variedade e do momento da colheita. Servia para transportar água, roupas após a lavagem; como vasilha nas refeições, pratos, copos e cuias para retirar alimentos; como moringa, acondicionando água para os trabalhadores que iam para os roçados, pescadores, quando se aventuravam no mar a dentro, e principalmente por viajantes, nos seus deslocamentos geralmente feitos a pé para as cidades de Vila Flor, Goianinha, Ares, Barra de Cunhaú etc. Além disso, essas cabaças serviam também como instrumentos musicais.





Os potes e galões, por serem menores e bem mais maneiros, eram conduzidos na cabeça das mulheres apoiados em uma rodilha, nome dado a um pano que depois de bem torcido é enrolado em círculo. A rodilha tem a função de evitar o incômodo contato direto do fundo do pote com a cabeça de quem a transporta, além de melhorar o equilíbrio da mesma. Tornou-se comum em nossa região o ditado: “Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”. Isso significa dizer que o indivíduo que não pode assumir determinado compromisso, ou realizar alguma tarefa, não se comprometa com os mesmos.


O galão, ainda hoje muito utilizado para transportar água nas cidades do interior do Nordeste, era feito com duas latas de 20 litros cada. Essas latas chegavam à praia trazidas pelos comerciantes que vendiam o querosene. Ainda hoje, lembro-me da única logomarca, Esso Jacaré. Este produto era utilizado para a iluminação das casas, abastecendo lamparinas, candeeiros e lampiões. Tempos depois, utilizou-se o óleo diesel, popularmente chamado de gás óleo. As latas eram presas por cordas de agave (sisal) a um barrote de madeira.















O transportador o carregava depois de bem dividir em seu ombro os quarenta litros de água que comportava o galão. Essa água era colocada em jarras de barro que ficavam localizadas nas cozinhas, para o preparo dos alimentos, lavagem de pratos etc.



















A água destinada ao consumo dos moradores era colocada em potes e quartinhas, estas por serem menores eram geralmente colocadas nas janelas para que, em contato com o vento, esfriasse a água armazenada nelas.
Os utensílios de barro como jarras, potes, quartinhas, pratos e panelas eram todos adquiridos nas feiras de Vila Flor, Canguaretama e Goianinha. Essas peças eram feitas de um tipo de barro especial, denominado barro de louça, que não existia nas regiões próximas ao mar.

Antes de a água ser colocada nas jarras, amarrava-se na “boca” da mesma um pano muito fino, geralmente feito de morim. Esse pano ou coador, como também era conhecido, servia para evitar a entrada de pequenas raízes de árvores próximas das cacimbas, assim como também algumas impurezas que o tal pano conseguisse reter. Colocavam-se, dentro delas, algumas pedras de enxofre para evitar o aparecimento de “martelos”, como regionalmente conhecemos as larvas de mosquitos.
Foram essas jarras nossas primeiras geladeiras. No “pé” da jarra, eram depositadas: frutas, verduras e raízes que eram consumidas durante a semana. Devido à umidade existente nesses locais, os alimentos se conservavam saudáveis por mais tempo, não obstante à companhia de algum teimoso sapo cururu. Esses indesejáveis inquilinos, sem nenhuma cerimônia, instalavam-se ali, junto aos alimentos, para aproveitar aquele friozinho durante o dia. À noite, se aventuravam em volta de lampiões, candeeiros e lamparinas, à cata de algumas desprevenidas mariposas.

As mais famosas cacimbas da praia da Pipa eram a Cacimba do Comum, localizada ao lado da atual igreja onde hoje é a casa que pertenceu a Maria Gadelha, e a Cacimba de Zé de Tereza, onde hoje é o restaurante Peixada da Pipa e a Cacimba de Vicência Torres, onde fica a casa de Honório Grilo. Outra cacimba famosa era a Cacimba do Beco da Peixeira, considerada “assombrada”. Esse beco era uma passagem que existia próximo à casa que hoje pertence a Luiz Carvalho. Estórias passadas de pai para filho diziam que as pessoas evitavam passar à noite nesse beco, pois ouviam saindo da tal cacimba o som de músicas ou de pessoas cantando.

Com a chegada da água encanada, em abril de 1983, as cacimbas foram aos pouco sendo desativadas. Algumas, depois de anos e anos fornecendo de suas entranhas, água doce e saudável, tiveram destino menos nobre, mas de extrema importância. Transformadas em fossas sépticas, continuaram servindo à saúde da comunidade.

Natal, julho de 2009.

domingo, 14 de agosto de 2011

FUNDAÇÃO - ACLA - ACADEMIA CEARAMIRIENSE DE LETRAS E ARTES

















NA ABERTURADA SESSÃO SOLENE, O PATRONO DE HONRA - DIÓGENES DA CUNHA LIMA - NA QUALIDADE DE PRESIDENTE DA ACADEMIA NORTE-RIO-GRANDENSE DE LETRAS, DEDICA BREVES E BELAS PALAVRAS AO MOMENTO, À CULTURA EM GERAL, À LITERATURA, EM SAUDAÇÃO EMOCIONAL!




Do BLOG de Lúcia Helena Pereira

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

INSTALAÇÃO DA ACLA - ACADEMIA CEARAMIRINENSE DE LETRAS E ARTES

















DO BLOG DE CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES

Foi uma noite histórica, com a presença de intelectuais, autoridades e do povo de Ceará-Mirim, tudo conduzido magistralmente pelo Presidente Pedro Simões Neto, que proferiu, de improviso, um discurso que marcará definitivamente o evento, rememorando a terra dos canaviais e sua gente.
A sessão foi aberta pelo escritor Diógenes da Cunha Lima, Presidente da ANRL, que transferiu o seu comando ao Presidentge Pedros Simões Neto.
Muitos homenageados e, ao final, a execução do hino do Município, cantado com entusiasmo contagiante. PARABÉNS.
Aproveito para apresentar os meus agradecimentos pela outorga do título de Sócio Benemérito, o que muito me engrandece e orgulha.

Cultuo a idéia de que uma homenagem como esta não deve ter a simploriedade de apenas um muito obrigado. Seu significado é bem maior, pois engrandecido pelo chão sagrado da terra dos canaviais, berço de história e de cultura, que enobrece, não apenas os seus conterrâneos, mas todos aqueles que apreciam a beleza, a literatura e a arte, na placidez deste vale.

Cerca nossa memória os meninos do Ceará-Mirim, que se entrelaçaram na contemporaneidade e na cultura – EDGAR BARBOSA e NILO PEREIRA, quando dizia o primeiro: “Ninguém permanece vivendo mais o Ceará-Mirim do que Nilo – o menino que o descreveu entre sonhando e sorrindo já se descobre desde as primeiras linhas – no seu livro “Imagens” de Ceará-Mirim”. Nilo, por sua vez, não faz por menos, confirma o amigo com a bela alegoria: “Menino é aquele que cresce no adulto, a vida o levou por longas terras, a cumprir o seu destino. Mas ele volta sempre: e voltar é ver de novo”.

Ambos contaram e cantaram a mesma terra-berço. Vê-se, assim, que Edgar está em Nilo e Nilo em Edgar, caminhos que se cruzaram num tempo, corpos que se separaram em outro e se reencontraram na grandeza da eternidade.

O mesmo diria dos outros Patronos desta Academia de Cultura, desde ADELLE DE OLIVEIRA, a professora daqueles meninos, até o último que RECENTEMENTE se encantou – BARTOLOMEU CORREIA DE MELO, cujos perfis serão traçados doravante pelos intelectuais que honram suas cadeiras.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

ACLA - ACADEMIA CEARAMIRIENSE DE LETRAS E ARTES













IGREJA DE NOSSA SENHORA DA CONSEIÇÃO

Menos chá, mais ação. A Academia de Letras e Artes de Ceará-Mirim, criada em outubro do ano passado, deseja reverter a imagem algo morosa e pedante que se faz deste tipo de instituição acadêmica, promovendo uma série de ações que elevem cultural, social e economicamente a região. O pontapé será dado nesta quarta-feira, às 19h, ocasião em que a academia fará instalação e posse de diretoria e sócio-fundadores, na Estação Cultural Roberto Varela


CENTRO DE CULTURA "ROBERTO PEREIRA VARELA"

A academia surge e se mobiliza num momento em que Ceará-Mirim passa por uma grande crise econômica e social. "Passamos mais de 200 anos como uma monocultura dedicada à cana-de-açúcar, e nada mais. Essa acomodação veio cobrar seu preço. Ceará-Mirim virou uma cidade dormitório", explicam Pedro Simões, fundador da academia, e Ciro José Tavares, articulador de projetos. A saída, segundo os acadêmicos, está na exploração de um elemento que sempre esteve enraizado na história da cidade, mas pouco explorado: a produção cultural.













CENTRO CULTURAL ROBERTO PEREIRA VARELA

"Ceará-Mirim é um dos maiores pólos culturais do estado. A própria autoestima da população está diretamente ligada a isso. Mas não havia um trabalho para tornar esse fato a nosso favor", explica Pedro Simões. Os acadêmicos viram que o momento de oficialização da instituição poderia servir como forma de suporte para combater a crise. "A gente não poderia desperdiçar a criação da academia com chás, conversas e vaidades. Resolvemos inovar e aproveitar a força intelectual da cidade para promover melhorias práticas", afirma Ciro Tavares. Antes mesmo da instalação da academia, algumas medidas já tinham sido elaboradas pelo grupo, adianta Pedro Simões.













CENTRO CULTURAL ROBERTO PEREIRA VARELA

O projeto principal diz respeito ao incremento do turismo cultural. "Ceará-Mirim tem engenhos, casarões imperiais, belezas naturais. Temos o maior entalhador em madeira do estado, o Mestre Santana. É o tipo de coisa que deve ser admirada o ano todo, não apenas no São João", afirma. Os acadêmicos foram convidados para coordenar a parte cultural da festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição, dez dias de festa que terão um formato inovador. Em setembro, a academia levará para Natal uma mostra coletiva com o que há de melhor nas artes plásticas cearamirinenses.

domingo, 7 de agosto de 2011

ACLA - ACADEMIA CEARAMIRIENSE DE LETRAS E ARTES



















CONVITE PARA A SOLENIDADE DE POSSE DOS SÓCIOS FUNDADORES DA ACADEMIA CEARAMIRINENSE DE LETRAS E ARTES - ACLA. - EM 10-08-2011, 19 horas na Estação Cultural Roberto Pereira Varela - Ceará-Mirim..

PATRONOS/ACADÊMICOS

Cadeira n. 1 – Nilo Pereira; Caio César Cruz Azevedo
Cadeira n. 2 – Edgar Barbosa; Cléa Bezerra de Melo Centeno
Cadeira n. 3 – Juvenal Antunes; Paulo de Tarso Correia de Melo
Cadeira n. 4 – Maria Madalena Antunes Pereira; Lúcia Helena Pereira
Cadeira n. 5 – Adelle de Oliveira; Ciro Tavares
Cadeira n. 6 – Augusto Meira; Emmanuel Cavalcanti
Cadeira n. 7 – Rodolfo Garcia; VAGO
Cadeira n. 8 – Júlio Magalhães de Sena; Gibson Machado
Cadeira n. 9 – Inácio Meira Pires; Anchieta Cavalcanti
Cadeira n. 10 – Jayme Adour da Câmara; VAGO
Cadeira n. 11 – Padre Jorge O´Grady de Paiva; José de Anchieta Cavalcante
Cadeira n. 12 – Elviro Carrilho da Fonseca; VAGO
Cadeira n. 13 – Herculano Bandeira de Melo; VAGO
Cadeira n. 14 – José Emidio Rodrigues Galhardo; Janilson Dias de Oliveira
Cadeira n. 15 – José Alcino Carneiro dos Anjos; VAGO
Cadeira n. 16 – Francisco Pereira Sobral; VAGO
Cadeira n. 17 – Etelvina Antunes Lemos; Sayonara Montenegro Rodrigues
Cadeira n. 18 – Antonio Glicério; VAGO
Cadeira n. 19 – Dolores Cavalcanti; VAGO
Cadeira n. 20 – Francisco de Salles Meira e Sá; Pedro Simões
Cadeira n. 21 – Anete Varela; VAGO
Cadeira n. 22 – Rafael Fernandes Sobral; Franklin Marinho de Queiroz ]
Cadeira n. 23 – José Pacheco Dantas; Leonor Soares
Cadeira n. 24 – Manuel Fabrício de Souza (Amarildo). VAGO
Cadeira n. 25 – José Bartolomeu Correia de Melo; Ormuz Barbalho Simonetti

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

LUIZ DA CÂMARA CASCUDO

Aos 20 anos, em 1918, fez sua estréia nas páginas de A Imprensa, o jornal do seu pai. Foi o repórter que acompanhou Joca do Pará numa reportagem sobre as rondas da polícia montada vigiando a noite da cidade. Aos 21,fez sua estréia como escritor ao lançar seu primeiro livro - Alma Patrícia, há noventa anos. E há 25 anos fechou seus olhos para sempre, aos oitenta e seis anos e mais de uma centena de livros. Genial e humilde. Pobre e feliz.

Filho único de Francisco Justino de Oliveira Cascudo e Ana Maria da Câmara Cascudo, ele comerciante e coronel da Guarda Nacional, ela dos afazeres do-mésticos, nasceu Luís da Câmara Cascudo em Natal, a 30 de dezembro de 1898, onde viveu 88 anos até seu coração parar na tarde do dia 30 de julho de 1986.

Na água do primeiro banho, a mãe despejou um cálice de vinho do Porto para ter saúde e o pai temperou com um patacão do Império, para ganhar fortuna. O padre João Maria, o santo da cidade, batizou-lhe na Igreja do Bom Jesus Dores, na Ribeira, ali onde nasceu, anunciando seu nome em latim: Ludovi-cus! E a poetisa Auta de Souza, amiga de sua mãe, embalou nos braços tépidos, o choro forte do menino-homem.

Como o sobrevivente de quatro irmãos, teve a infância guardada entre cuidados com ama de companhia, professora particular e proibido do encanto das ruas. No verão, vivia os dias de calor na beira do mar, entre barcos e pescadores, e o inverno passava no sertão, ouvindo o aboio dos vaqueiros e o desafio de cantado¬. E assim sedimentou, entre espumas e espinhos, a sua cultura descobridora do homem brasileiro.

Desejou ser um nobre médico de província e chegou a cursar os primeiros anos Faculdade de Medicina da Bahia e no Rio de Janeiro. Mas terminou cumprindo destino de ser bacharel em Direito, na velha Faculdade de Direito do Recife ¬onde ainda ouviu o eco dos discursos de Joaquim Nabuco e Tobias Monteiro versos de Castro Alves horrorizados com a escravidão.

Sonhou ser jornalista, e foi. Seu pai, nessa época ainda um homem rico, instalou ¬o jornal A Imprensa para o filho. Nas suas páginas, o estudante que lia até a madrugada, passou a exercitar o gosto de escrever, mantendo a coluna Bric-à¬-Brac, na qual treinou seu olhar perscrutador observando costumes, hábitos e tradições de seu povo. Um repórter a registrar os quadrantes da vida comum.

O primeiro livro, Alma Patrícia, um olhar pioneiro sobre os poetas e prosado-res de sua cidade, sai dos prelos em 1921. Na véspera da Semana de Arte Moderna de 1922 que aconteceria, meses depois, em São Paulo. O movimento estético encontrou no jovem escritor natalense um dos precursores no Nordeste. O professor ¬de História que se revelara com as biografias do Marquês de Olinda e do Conde d'Eu, publicadas na Coleção Brasiliana, foi além dos feitos históricos. Voltou ¬seu olhar para o Brasil para ser um dos grandes fundadores do homem brasileiro¬, ao lado de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda

Leitor dos clássicos e das vanguardas dos anos vinte, não demorou a entrar sintonia com os modernistas. Colaborou nas suas revistas, recebeu Mário de Andrade em Natal, e começou a sua construção da cultura popular do seu povo. Ergueu as bases da etnologia, psicologia, antropologia e sociologia do homem brasileiro, vendo e ouvindo, anotando e estudando. Crenças e costumes, hábitos e tra¬dições, cantos e danças, jogos e técnicas, no lazer e no trabalho, na vida e na morte - tudo para conhecê-lo na sua riqueza, singularidade, mutações e permanências.

No final dos anos trinta, lança Vaqueiros e Cantadores e fixa seu nome como legenda nos estudos folclóricos que chamaria de Ciência do Povo. Funda a So¬ciedade Brasileira de Folclore; propõe uma teoria em tomo do conceito de Cultu¬ra Popular; ergue com erudição o corpus conceitual da Literatura Oral no Brasil e sistematiza sua classificação; e faz a sua longa viagem de estudos ao continen¬te africano, como um grande viajante do Século XX, para beber nas fontes ances¬trais o vinho arcaico do passado e escrever Made in África, restauração da arqueo¬logia cultural brasileira, cartografia indispensável à compreensão das nossas raízes que pareciam perdidas há cinco séculos. .

Autor de verdadeiros clássicos da cultura brasileira, como o Dicionário do Fol¬clore, Cultura e Civilização, História da Alimentação e História dos Nossos Ges¬tos; ensaísta insuperável da Jangada e da Rede de Dormir; etnólogo dos costumes e superstições; tradutor de Montaigne e Henry Koster; estudioso das lendas, da novelística popular, dos contos infantis, e observador dos medos e assombrações, a obra de Câmara Cascudo é um vasto continente a contracenar com um arquipé¬lago de ilhas temáticas nascidas de todos os seus olhares e saberes específicos ar¬ticulados entre si.

Com mais de uma centena de títulos. entre livros, traduções, opúsculos, e al¬guns milhares de artigos publicados no Brasil e em vários países, traduzido na Fran¬ça, Itália, Espanha e Japão, viveu como um descobrir, vendo e ouvindo, lendo e perguntando, anotando e escrevendo, sem nunca pensar em deixar a sua terra Natal, entre o rio, o mar e os morros, traços de sua própria fisionomia. Ainda nos anos trinta, o seu pai ficou pobre e o menino virou arrimo de família com a rica fortuna de um destino que faria de sua obra uma marca vitoriosa na história inte¬lectual do Brasil.

Uma vez, em 1960, foi convidado para reitor da Universidade Nacional de Brasília pelo próprio presidente Juscelino Kubitschek que veio a Natal visitá-lo. Não aceitou. Convidado para ensinar em várias universidades da América Latina, Europa e Estados Unidos, nunca aceitou. Quando se negou a lançar a sua candidatura à Academia Brasileira e Letras, Afrânio Peixoto, seu amigo, in¬conformado em não vê-lo imortal, biografou numa frase perfeita o traço mais determinante de sua personalidade de espírito e de gênio: Câmara Cascudo é um provinciano incurável.
Luis da Câmara Cascudo viveu e morreu na sua aldeia Genial e humilde. Pobre e feliz.

Vicente Serejo 31/07/2011