Genealogia e História
Sede do IHGRN, foto por Maria Simões
segunda-feira, 20 de novembro de 2023
segunda-feira, 22 de maio de 2023
terça-feira, 16 de maio de 2023
terça-feira, 9 de maio de 2023
sexta-feira, 5 de maio de 2023
terça-feira, 18 de abril de 2023
O NAVIO DOS PROSCRITOS: REFLEXÕES E INFORMAÇÃO
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022
MEU AMIGO DEÍLIFO GURGEL
“A cidade adormecida
no coração do poeta
entre pregões matinais
rapidamente desperta...”
(Do poema Areia Branca Meu Amor)
Em 2008 após concluir e lançado o livro de apanhados genealógicos
denominado, “GENEALOGIA DOS TRONCOS FAMILIARES DE GOIANINHA, onde reuni e
entrelacei mais de doze mil almas de oito troncos familiares que compuseram as
principais famílias de Goianinha/RN, resolvi escrever a genealogia da família
Gurgel, motivado por um livro que me chegou as mãos “Origem da família Gurgel
no Brasil”.
Foi então que comecei a frequentar a casa do mestre Deífilo Gurgel, que
morava na pacata rua Miguel Barra, em busca de informação de sua família.
Sempre que pretendia ir na sua casa, ligava antes para saber da sua disponibilidade
em me atender. Essas visitas aconteciam geralmente na parte da manhã, e quase
sempre contava com sua boa acolhida: “pode vir Ormuz, será um prazer
conversarmos sobre minhas raízes”
Estacionava o carro em frente à sua casa em baixo de uma frondosa
algarobeira, quase sempre cheia de pássaros que nela se empoleiravam e com seus
gorjeios saudavam o amanhecer.
Abria o portão que sempre estava somente encostado, como
acontecia nos velhos tempos de quando tínhamos sossego e segurança nas nossas
moradas. Logo a frente, coberta pela sombra da algaroba que ajudava
a arejar aquele espaço da casa, estava o terraço onde duas cadeiras
dispostas uma de frente para a outra já nos esperava para aquela manhã de
animadas conversas.
Como era nosso objetivo, começávamos falando da família Gurgel e das
ligações genealógicas da parentalha.
Eu procurava anotar todas as informações, principalmente de pessoas que
pudessem me ajudar na formação daquele quebra-cabeças de uma família tão
numerosa e de situação sine qua non, pois partiu de apenas um único indivíduo,
do sexo masculino, o corsário francês Tous-Saint Gurgel (1576/1631), que
chegara ao Brasil em 1595.
Foi assim que cheguei ao seu parente, o saudoso amigo José Guará, de
mente privilegiada e grande generosidade e disponibilidade que foi importante
colaborador nesse trabalho genealógico, interrompido momentaneamente.
Falávamos de tudo. Gostava muito de contar histórias ligadas ao tempo
que percorreu boa parte do Estado em pesquisas folclóricas e, também,
seu tempo na Fundação José Augusto quando lá esteve por duas vezes
dirigindo o departamento de documentação. Quase nunca éramos interrompidos. A
não ser quando sua musa e esposa Zoraide, o chamava para atender o telefone ou,
em raríssimas vezes, para socorrê-la em alguma coisa ligada a dia a dia da
casa.
Nessas manhãs de aprendizado, recebi dele de presente, alguns de seus
livros. Dizia que sempre estava a terminar mais um, e que aquilo seria o seu
legado de maior importância, que deixaria para seus filhos e netos. Como um
“bom representante” da família Gurgel, tinha nove filhos. (A família Gurgel se
caracterizava pela formação de grandes proles).
Certa vez, no meio da conversa, resolveu recitar para mim o seu poema
“AREIA BRANCA MEU AMOR”. Foi o dia que o vi muito emocionado. Seus olhinhos
miúdos e um tanto cobertos pelo excesso de peles, ao que parecia, lhe
dificultava um pouco a visão, brilhavam como eu nunca tinha visto durante
aqueles dias de conversa, ao tempo que se encheram de lágrimas que não chegaram
a correr. Mas seu coração chorava de emoção e saudade, lembrando do tempo
distante de sua infância, e que com tanta emoção estava descrevendo através
naqueles versos retirados das entranhas de sua saudade.
Quando terminou de recitar, levantou-se em silencio, retirou-se para
depois retornar me trazendo um exemplar do livro OS BENS AVENTURADOS. Ainda em
silencio, fez um oferecimento e me entregou. Entendi o que o poeta estava
vivendo naquele momento um turbilhão de lembranças e dei por encerrada a
conversa daquela manhã.
Foi comovente ver aquele homem falar com tanto amor e entusiasmo do seu
torrão. As lembranças fluíam naturalmente. Parecia viver aqueles momentos
mágicos, de anos que já iam longe. Ali estava um homem-menino,
sentado no seu terraço, mas os pensamentos repousavam na distante Areia Branca
de sua infância.
Entendi que naquele momento era somente a pessoa física do homem
Deífilo, pois seus pensamentos estavam viajando para muitos anos atrás.
Era a lembrança da sua infância de menino irrequieto, que andava
pelas ruas de areia da velha cidade, que passarinhava nas redondezas e gostava
de ver a revoada dos maçaricos por entre as “várzeas de pirrixiu”.
Era o menino que corria por entre as matas de mata-pasto em
brincadeiras com outras crianças do lugar. Era o observador atento das
“moças debruçadas na janela” e do vai e vem dos barcos que atracavam no cais de
sua infância de sua querida AREIA
BRANCA.
Em 2011, eu e mais alguns amigos resolvemos fazer uma viagem, pela beira
mar, até Fortaleza, entretanto só conseguimos chegar até Canoa Quebrada no
Ceará. Por se tratar de uma viagem/aventura, e ligado ao espírito
jornalístico, levei meu bloco de anotações e passei a registrar as situações
mais importantes daquela viagem.
As praias ao longo do percurso, os restaurantes e as pousadas
onde ficamos hospedados, além do relato da própria viagem, tal situação
serviria para ajudar outros aventureiros que se dispusessem a fazer o mesmo
percurso.
Quando retornei, passei a publicar, no meu blog www.ormuzsimonetti.blogspot.com,
semanalmente, trechos dessa viagem/aventura.
Já havia publicado a primeira parte, quando certa manhã, estava em minha
casa quando recebi um telefonema do poeta: “quando chega em Areia
Branca”?. Reconhecendo sua voz rouca, disse de
imediato: estarei publicando na próxima
semana. Ele agradeceu e disse: quero ler essa matéria”. Tudo que se
referisse a sua terra-mãe, era de interesse do poeta. Disse que naquele
dia estava na praia de Pirangi, na casa de um filho.
A Academia Norte-rio-grandense de Letras tem uma grande dívida com a
memória de Deífilo Gurgel. Em 1993, a convite do seu amigo e membro da
Academia, Veríssimo de Melo, concorreu a uma vaga daquela Casa, para
a cadeira 37, cujo patrono era Jorge Fernandes, onde chegaria para colaborar e
principalmente engrandecer o seu quadro de sócios. Infelizmente, sem que seu proponente
soubesse, como também o candidato, alguns membros apresentaram para concorrer
com Deífilo o seu grande amigo Luiz Carlos Guimarães. O poeta sentiu-se
desconfortável, pois tratava-se de um grande amigo e se tivesse conhecimento
prévio dessa candidatura, não teria aceito o convite do amigo Veríssimo de
Melo. Era próprio de seu temperamento não participar dessas disputas.
Ao saber do novo pretendente à vaga deixada por pelo falecimento de
Newton Navarro, telefonou para Luiz
Carlos Guimarães e lhe cientificou que torceria por ele. Quem teve
o privilégio de conhecer Deífilo, sabia que aquele telefonema se
revestia da mais pura verdade. Quando soube do resultado da eleição, foi o
primeiro a parabenizar o amigo vencedor.
O poeta não se abalou com tal situação. Ele era grande demais para
se preocupar com as armadilhas da vida e dos homens.
Deífilo Gurgel, por tudo que foi e fez pelo Rio Grande do Norte, deveria
sim, estar entre os membros da Academia Brasileira de Letras, como o
grande Ariano Suassuna, que os nossos irmãos paraibanos souberam valorizar
enquanto viveu e sabem cultuar sua memória.
Os membros da ABL fizeram justiça o elegendo para uma de suas
cadeiras, reconhecendo os seus múltiplos talentos e como disse, sua
bagagem intelectual.
Esses dois brasileiros foram homens que orgulhariam o povo de
qualquer lugar do mundo onde nascessem. Foram homens bons, probos e grandes
intelectuais que nos deram o orgulho de sermos nordestinos.
Antes de falecer acalentava um sonho. Lançar o último livro
que escrevera - Romanceira Potiguar, na sua rua, democratizando aquele
espaço. O convite seria para todos os que quisessem chegar. Pensava em
interromper o fluxo de carros da rua Miguel Barra, onde morava,
pequena e estreita e que não causaria maiores transtornos, e enchê-la com os
principais grupos folclóricos do Rio Grande do Norte.
Conhecia e era amigo da maioria dos mestres desses grupos. Faria do
lançamento do seu livro um grande espetáculo ao ar livre para o púbico.
Infelizmente não teve seu sonho realizado. Apesar de todo o empenho da Fundação
José Augusto na pessoa da então Presidente Extraordinária de Cultura, Isaura
Rosado, o lançamento só aconteceu dois meses após seu falecimento.
O lançamento, enfim, se deu na Pinacoteca do Estado do Rio
Grande do Norte, antigo Palacio do Governo e contou com a presença de alguns
grupos folclóricos e com destaque para Benedita Nogueira, filha de dona
Militana, a grande homenageada no livro do poeta.
Ormuz Barbalho
Simonetti, jornalista, escritor, genealogista e presidente do Instituto
Histórico e Geográfico do RN.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2021
O VELHO COQUEIRO TORTO
Por anos e anos ofereci minha sombra, meus frutos e minha imagem que ajudava a embelezar a paisagem da praia da Pipa.
Por anos e anos fui testemunha das constantes mudanças na areia da beira mar, que entre aterros e cavações, criava lindas imagens no lugar onde nasci.
Por anos e anos protegi e defendi com meu forte tronco e minhas raízes bem fincadas no chão, a frente da casa onde cresci da força das vagas que rebentam com violência durante as grandes marés.
Por anos e anos fui envelhecendo e naturalmente perdendo minha resistência, mas não a minha vitalidade, pois ainda continuei a oferecer sombra, frutos e a beleza de minha imagem.
Um dia não consegui sustentar o peso de quem, por anos e anos, limpava minhas palhas secas, livrando-me dos fungos e insetos que me atacavam e me enfraquecia. Meus frutos, de tempos em tempos, precisavam ser colhidos, pois ao cair, podiam machucar alguém.
Foi aí que tudo aconteceu. No dia 11 de dezembro de 2021, no fim da tarde, meu belo tronco, longo e torto, que a tantos encantou, cedeu ao peso de quem queria só me ajudar a continuar sadio, belo e viçoso.
Quebrei e cai sobre a areia onde um dia fixei minhas primeiras raízes quando ainda era semente. Agora sou apenas um velho tronco apontando para o céu. Certamente vão me cortar e não restará nenhuma lembrança do que eu fui a não ser em fotos e filmagens.
O meu irmão mais velho, que nasceu a poucos metros de mim, foi criminosamente morto. Por pura maldade, colocaram óleo diesel em seu tronco e logo ele foi definhando, as palhas foram secando até que um dia alguém chegou com um machado e o libertou daquela agonia.
Prefiro que façam o mesmo comigo. Não quero ser uma lembrança triste. Prefiro que se lembre de mim como sempre fui belo e viçoso.
Minha imagem estará gravada para sempre na memória dos que me apreciavam, nos milhares de fotografias, filmagens e na lembrança daqueles que me contemplava no amanhece do dia ou no cair da tarde onde minha silhueta contrastando com o por do sol, tantas vezes filmado pelo “PASTORADOR DE CREPÚSCULO".
Minha imagem, que a tantos encantou, não pode simplesmente se resumir a um velho tronco sem vida apontando para o céu.
Não chorem por mim. Eu estarei sempre presente na lembrança de todos vocês, nas fotos e filmagens que fizeram enquanto eu estava vivo e viçoso com minhas palhas balançando ao sabor do vento.
Ormuz Barbalho Simonetti
Jornalista, escritor, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico o RN
Morador da Praia da Pipa-RN -
Canal no Youtube - "Praia da Pipa O pastorador de Crepúsculos"