segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

DE ORADORES E ASTRÔNOMOS



Valério Mesquita*


01) Natal nunca perdeu a tradição de possuir uma plêiade de oradores circunstanciais. São as famosas patativas da palavra facultada. Assim foi o advogado José Guará, o comerciante e desportista José Prudêncio (o Pruda do ABC). Lembro-me do ex-comandante da Polícia Militar coronel Marcondes. Certa vez, ia pronunciar um discurso lido num evento social da PM. Mas o coronel Neves resolveu pregar-lhe uma peça, substituindo, sem que ele percebesse, a peça oratória. Na hora de falar, Marcondes discursou com a maior naturalidade e somente tomou conhecimento do ocorrido, quando tudo havia terminado. Em orador que se preza, a emoção suplanta a razão. De outra feita, mesmo sem estar escalado para falar, aproveitou a palavra facultada e tirou do bolso um enorme discurso e detonou: “Tomado de surpresa, nesta hora, levo a minha palavra a todos vocês etc., etc”. O bom orador sempre tem no bolso um discurso certo para as horas incertas.


02) O saudoso e querido professor Antônio Soares Filho foi um mestre na arte de dissimular e interpretar, tanto na política como no teatro amador, no tempo áureo de sua mocidade. Numa peça teatral sobre o império dos Césares, ele vivia o papel do prefeito de Roma. Ao entrar em cena, esqueceu de repente o diálogo. Sem se perturbar, bateu com a mão na barriga do ator que desempenhava Júlio César e disse: “E aí, tudo bem, César?”.

03)  O doutor Antônio Soares Filho exerceu o mandato de deputado estadual e de chefe do gabinete civil do então governador Dinarte Mariz. Era um político astuto da velha escola pessedista e provedor de soluções políticas para os mais intrincados problemas. Certa vez, algumas discrepâncias afastaram-no do Palácio Potengi. O governador Dinarte não suportou o distanciamento. Encontrou-se com o seu filho doutor Boucinhas e, naquele sotaque caicoense, indagou: “Meu filho, cadê Toinho? Diga a ele que venha me ver. Tô com saudades de suas cavilações”.

04) Outra atividade importante exercida pelo professor e acadêmico Antônio Soares Filho foi a astronomia. Pesquisou e estudou os planetas, os astros e defendeu em livro e seminários uma tese singular: o planeta Terra tinha duas luas. O assunto foi muito discutido, não só em Natal, mas em congressos nacionais e internacionais. Quando o russo Gagarin deu a volta ao redor da terra e nada declarou a respeito da existência de um segundo satélite, logo a imprensa natalense procurou ouvir o astrônomo Antônio Soares, que se saiu com essa defesa: “E por que ele não olhou para trás”.


05) Ainda no pique de suas grandes interpretações teatrais, é-lhe atribuída a cena em que a atriz, sozinha no palco, deveria acender um fósforo e queimar um papel. Como esqueceram de deixar a caixa sobre a mesa, atônita, começou a rasgar o papel. O ator que deveria entrar em cena exclamando sobre o cheiro do papel queimado era Antônio Soares, que de repente, mudou o script: “Mas que cheiro de papel rasgado!”.


* Escritor e sócio efetivo do IHGRN.

Nenhum comentário:

Postar um comentário