No nordeste (dizem...), os holandeses, jesuítas ou
ricos fazendeiros, deixavam escondidas verdadeiras riquezas, que ficavam
enterradas no chão, em paredes de taperas, em mourões de porteiras ou nas
proximidades de grandes árvores, até que um dia, através de sonho, mostrava-se
a um escolhido, o local exato onde estava aquele tesouro. No sonho era
informado como se comportar para a retirada da “Botija. Sempre à noite
e sem acompanhantes. Quem não cumprisse as determinações, não receberia o
tesouro. E, com a fortuna nas mãos, a pessoa deveria se mudar para um lugar
distante, caso contrário, não desfrutaria da riquezas.
O Ceará-Mirim também teve as suas “botijas”. Muito se ouviu falar das
riquezas obtidas por esse meio, embora tudo estivesse no campo do “boato”.
Hoje, finalmente, a Acadêmica Ceiça
Cruz apresenta um desses casos, por ela vivenciado.
MITOLOGIA DO VALE DE CEARÁ-MIRIM:
A ESTÓRIA DA BOTIJA NO ENGENHO SÃO PEDRO TIMBÓ
MITOLOGIA DO VALE DE CEARÁ-MIRIM:
A ESTÓRIA DA BOTIJA NO ENGENHO SÃO PEDRO TIMBÓ
Maria da Conceição Cruz Spineli, ocupante da Cadeira 19 da ACLA
Em Dicionário do Folclore Brasileiro, pág. 681, Câmara Cascudo afirma que tesouro significa “dinheiro enterrado, o mesmo que botija para o sertão do Nordeste, ouro em moedas, barras de ouro ou de prata, deixadas pelo holandês ou escondidos pelos ricos, no milenar e universal costume de evitar o furto ou o ladrão de casa, de quem ninguém evita”.
Em Dicionário do Folclore Brasileiro, pág. 681, Câmara Cascudo afirma que tesouro significa “dinheiro enterrado, o mesmo que botija para o sertão do Nordeste, ouro em moedas, barras de ouro ou de prata, deixadas pelo holandês ou escondidos pelos ricos, no milenar e universal costume de evitar o furto ou o ladrão de casa, de quem ninguém evita”.
Ainda no mesmo verbete, Câmara Cascudo diz que “os tesouros dados pelas
almas do outro mundo dependiam de condições, missas, orações, satisfação de
dívidas e obediência a um certo número de regras indispensáveis, trabalhar de
noite, ir sozinho, em silêncio, identificar o tesouro pelos sinais
sucessivamente deparados [...]. O tesouro é encontrado unicamente por quem o
recebeu em sonhos [...]. Se faltar alguma disposição, erro no processo
extrativo, o tesouro transformar-se-á em carvão.”
Lá pelo Timbó também encontramos estórias de tesouros enterrados, de minas, botijas. O assunto era para adultos, mas as crianças curiosas escutavam. Falava-se em sussurros as coisas do além, do sobrenatural, de almas penadas querendo livrar-se do fardo da mina enterrada de que nada lhes servia no outro mundo. Geralmente o pedido da alma penada vinha sob a forma de sonho.
Lá pelo Timbó também encontramos estórias de tesouros enterrados, de minas, botijas. O assunto era para adultos, mas as crianças curiosas escutavam. Falava-se em sussurros as coisas do além, do sobrenatural, de almas penadas querendo livrar-se do fardo da mina enterrada de que nada lhes servia no outro mundo. Geralmente o pedido da alma penada vinha sob a forma de sonho.
No
Engenho Timbó, um homem e uma mulher tiveram um sonho idêntico, na mesma noite,
e logo cedo os dois confabulavam a experiência e se arvoraram na empreitada. A
mulher me contou, anos depois, detalhes do sonho: que era um homem alvo e
bonito, vestido com rica indumentária (inclusive me falava de abotoaduras
douradas em sua roupa e nas botas), cortês e educado, e que lhe indicava a
existência de um tesouro enterrado debaixo da tamarineira que ficava no meio do
curral dos burros, no Timbó de Dentro. O homem do sonho era bem didático,
riscando o chão com um graveto, para explicar-lhe com muita clareza o local
exato onde enterrara o tesouro.
Ela deveria sair de casa ainda escuro da madrugada, ele insistia que
fosse cedo, antes do sol nascer. Que fossem só ela e o senhor que tivera o
mesmo sonho, que fizessem orações no percurso e durante toda a operação, que
levassem água benta e não portassem objetos cortantes, pontiagudos ou armas de
fogo. No sonho, ele ficava de cócoras, mexia na terra com as mãos dizendo que a
terra onde estava enterrado o tesouro era bem fofinha, que ela não teria
dificuldades em encontrá-lo, que o sinal era uma bola de ouro que estaria
amarrada a uma corrente, também de ouro, fechando a tranca de um caixão
comprido.
Durante o sonho, enquanto conversava com o senhor bem trajado, aparecia
uma mulher, maltrapilha, os poucos cabelos ralos desalinhados pelo vento. Ela
parecia estar suspensa do chão. A figura acanhada não falava, só olhava com
olhar vago e mortiço o senhor que dava detalhes de como proceder para a
retirada da mina. Dessa figura, a mulher que me contou o sonho tinha medo,
muito medo.
Depois de muito conversarem, resolveram sair em busca do local onde estava
a mina. De cara, contrariaram quase todas as regras impostas pela alma penada
doadora do tesouro. Saíram com o sol alto, levaram um grupo grande de pessoas
com pá, enxada, até gente com arma de fogo na cintura. Eu acho que eles tinham
medo de saírem ainda escuro e só os dois.
Começaram a retirada do tesouro, o homem mandava os trabalhadores
cavarem com a enxada e a pá, e a mulher pedia que só usassem as mãos como lhe
ensinara o doador da mina, no sonho; assim o fizeram. Na busca, começaram a ver
a bola de ouro, o sinal anunciado no sonho, quando surgiu um enorme cachorro
com os olhos de fogo e um dos trabalhadores que cavava o chão gritou: “ô
cachorro da mulesta!”; o cachorro saiu em disparada e o local em que já
aparecera a bola de ouro virou um imenso formigueiro.
A frustração da mal sucedida empreitada ainda persiste após muitas
décadas. Conta-se que poucos dias após o ocorrido, um trabalhador com serviço
alugado em tempo da safra da cana, e que se hospedava na casa grande do Zumba,
no Timbó de Dentro, havia tirado essa mina nas caladas da noite. Esse homem
desapareceu do engenho misteriosamente. No local onde estava enterrada a
botija, só um grande buraco.
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