...Naquela época, bodegas, vendas e mercearias, eram pontos
de encontro de amigos. A bodega de Floriano, como era conhecida, tinha sua
localização bastante privilegiada. Próxima do Grande Ponto, na época centro
nevrálgico da cidade de Natal, frequentado principalmente por intelectuais,
políticos e homens de negócios. O nome Grande Ponto vem desde a época dos
bondes. Ali existia um café com esse nome no cruzamento da Av. Rio Branco com a
Rua Pedro Soares, que a partir de 1930 passo a se chamar Rua João Pessoa. Anos
depois desaparecia o café, porém o cruzamento eternizou-se com o nome Grande
Ponto.
Era
passagem obrigatória para quem subia a ladeira do Baldo procedente do Alecrim
com destino ao bairro da Ribeira e o centro da cidade, como também os passantes
advindos dos arrabaldes de Tirol e Petrópolis, que se destinavam ao populoso
bairro do Alecrim.
Bodega de Floriano - Foto 2013
Apesar da sua excelente localização
geográfica, havia ainda a figura emblemática de Floriano, que com ares de
magistrado, administrava seu comércio por atrás daquele velho balcão, ao tempo
que recebia sem distinção, num contínuo ritual de entra e sai, notórios e
anônimos, que para ali se dirigiam em busca das mais recentes notícias da
cidade e também para beber na fonte do conhecimento e do entretenimento
gratuito, de uma boa e divertida conversa, uma vez que o velho Floriano, além
de inteligente era especialista em “causos”, herança passada para seu sobrinho
Valério Mesquita, que divertiam seus ouvintes, para não se falar na maior de
suas qualidades: a de leitor compulsivo.
Nas lembranças dos veteranos Jurandyr Navarro e Ticiano Duarte, desde a
década de 40, costumavam passar por ali para “dois dedos de prosa”: Sebastião
Fagundes. Seu pai era proprietário de um açougue em frente a bodega de
Floriano; Luiz Rabelo, oficial da policia militar, boêmio, inteligência
privilegiada e uma das maiores expresses da poesia potiguar; os irmão Ageu, Orlando
e José Garcia, este último muito querido pelos amigos e de temperamento afável.
Foi covardemente assassinado por desafetos de seu irmão mais velho Ageu Garcia,
que o tocaiaram na Avenida Rio Branco próximo a casa do padre Monte, em plena
luz do dia. Os irmãos Juarez e Vladimir Limeira, fanático torcedor do Vasco.
Escrevia matérias sobre futebol no jornal religioso “A Ordem”. Os irmãos José Estanislau e Tarcisio Fonseca,
Sebastião e Sílvio Fagundes, Crizanto, Sandoval e Breno Capistrano que moravam
na Av Rio Branco. Breno era piloto de avião e após o casamento mudou-se para
Cuba onde permaneceu por vários anos. Joldemar, apelidado de “Touro” e também
de “Canela de Ferro”. Era um tipo excêntrico, gostos esquisitos e de estomago
de aço. Conta-se que gostava de se exibir chupando mangas caídas nos quintais,
preferencialmente as mais maduras que ao cair no chão ficavam cheias de
bichinhos (pupas). De outra feita, na bodega de Floriano arrebatou de uma só
vez e com rapidez impressionante, um punhado de moscas que estavam pousadas
sobre migalhas de açúcar em cima do balcão. Após o bote certeiro, mais certeiro
ainda foi o local que ele colocou os insetos: dentro da boca e em seguida os
engoliu como se fosse algum regalo de nossa culinária; José do Patrocínio, grande
professor de português. Vestia-se com sobriedade e agia com austeridade. Quando
corrigia alguém por “assassinar a língua pátria”, chamava-o de “analfa”. Morreu
provavelmente de cirrose hepática devido ao consumo excessivo de álcool.
Durante o governo de Monsenhor Walfredo Gurgel, Jurandyr Navarro então
secretário do gabinete civil, conseguiu para o professor um tratamento em
Recife, totalmente custeado pelo Estado. Recusou viajar a capital pernambucana
vindo a falece meses depois; Clovis Cabana Campos Cortez; Luiz “Senhora”; Rui
“Parrudo”; Jeremias, atualmente aposentado do TCE e Josué que foi gerente do
Banco do Nordeste em Natal. Mora atualmente no Recife no bairro de Boa Viagem.
Editou por muito tempo um pitoresco jornalzinho com o nome de “Gibi Aquático”
que era vendido na praia de Boa Viagem. Como diferencial a excentricidade de ser
lido, preferencialmente dentro d’água, visto ter suas páginas protegida por um
plástico lacrado nas bordas; o próprio Ticiano Duarte, primo de Floriano e os
sobrinhos Valério Mesquita e Ivan Maciel; os irmãos Jurandyr e Jahyr Navarro;
Roberto Furtado, um dos fundadores do antigo MDB em nosso Estado; José
Estanilsau da Fonseca e Tarcísio Fonseca que formou-se engenheiro; Sílvio
Fagundes irmão de Sebastião; os irmãos Crizaldo, Crisanto e Crizeldo; Sandoval
Capistrano, conhecido boêmio e empresário; os irmãos Geraldo Melo, Assis Melo e
outros.
Gibi Aquático
Naquela
época a brincadeira mais preferida entre os jovens eram as peladas realizadas
no leito da própria rua, naquele tempo de chão batido. Daí ter surgido o
saudoso Goitacás, time formado pela meninada da rua que disputava campeonatos
com times da redondeza.
O futebol se constituía numa das paixões de Floriano, principalmente,
quando o Vasco da Gama, de Ademir Menezes (o queixada) estava em campo.
Lembro-me de tê-lo visto, algumas vezes, sentado ao lado do balcão com ouvido
colado no velho rádio Zenith, vibrando pelas vozes memoráveis dos narradores
Jorge Cury ou Waldir Amaral, as acirradas disputas do time de seu coração.
Quando o Vasco ganhava ficava todo faceiro e brincalhão, zombava dos
adversários. Entretanto, se perdia, o humor modificava. Falava pouco e por
vezes chegava a fechar a bodega mais cedo.
Foto internet
Naquele ambiente pululava entre outras
presenças, que por certo serão alvo de futuras narrativas, um verdadeiro
séquito de clientes diuturnos, a quem os meninos da época
classificavam como “os bebos de Floriano”. Logo pela manhã, iam chegando
um a um, como fieis seguidores de uma religião ou mesmo abelhas inebriadas pelo
aroma do néctar presente naquela taverna. Pediam uma “caninha” e iam se
acomodando nos caixotes de bebidas que serviam de bancos, até que o elenco
estivesse completo.
F. internet
Apesar de manter todas as portas sempre
abertas, em número de quatro, das quais duas viradas para a Rua Princesa
Isabel, o ambiente permanecia sombrio. Um balcão enegrecido pelo tempo e pelo
uso dividia o ambiente em dois. No canto direito, uma tábua tipo alçapão
atrelada a velhas dobradiças, rangia ao ser levantada, nas poucas vezes que o
bodegueiro precisava transpor seus domínios, para atender alguma emergência, ou
ainda retirar do recinto, algum bêbado inconveniente...
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