Havia também o vendedor de manguzás, ou munguzás, ou ainda
“chá de burro”, como também era conhecido um mingau feito de milho com leite de
coco, temperado com açúcar e canela, muito apreciado, fazia parte do desjejum
de inúmeras famílias. Utilizava a mesma técnica do verdureiro, na condução do
seu produto: nas extremidades do pau de
galão, preso por cordas conduzia dois caldeirões de alumínio. Na mão, uma
grande concha para servir a iguaria geralmente adquirida em generosas porções,
para atender a toda a família, por ocasião do café da manhã, ou no jantar.
Por cima da roupa vestia um avental branco já meio
encardido pelo tempo e pelo uso, com dois grandes bolsos onde colocava o apurado.
Na cabeça, um chapéu de pano evitava que algum indesejado cabelo, aterrissasse
indevidamente no prado do freguês. Anunciava seu produto com um pregão um tanto esquisito: nunca falava
o nome do que estava vendendo, gritava apenas “tem coco!”, e a freguesia já
sabia que se tratava do gostoso manguzá.
Na esquina da Rua Ulisses Caldas com a Avenida Deodoro,
onde ainda existe o Colégio da Imaculada Conceição, fazia ponto alguns
ambulantes. O mais famoso deles era Prego, um vendedor de poli – o picolé da época -, que
atendia por esse apelido. Nunca soube o seu verdadeiro nome. Diziam que era
agricultor e chegou a Natal retirante, fugindo de uma seca braba na região do
Seridó, onde morava com mulher e filhos. Nunca mais voltou. Da família, não
teve mais notícias. Apenas, algumas lembranças que se perderam no tempo,
juntamente com o sofrimento vivenciado durante as constantes secas que
enfrentou naquele longínquo sertão.
Morava lá pros lados das Rocas, bairro pobre que se
desenvolveu nas margens do Rio Potengi, onde comprava em uma pequena
fabriqueta, os tais polis, que nada
mais eram que uma mistura de água, essência e açúcar. Conheci-o desde a minha tenra
idade, quando eu era aluno no Instituto Brasil, localizado na Rua José Pinto,
das saudosas professoras Carmem Pedroza e Pina. Naquela época, ele já era um
homem velho. Muito espirituoso, sempre estava fazendo algum gracejo para atrair
a clientela. Um de seus preferidos era espremer sua enorme língua, que
conseguia dobrá-la com incrível habilidade, entre suas gengivas, já que era
desprovido de todos os dentes. Num instante, transformava sua cara magra e
enrugada, numa careta engraçada e assustadora, que mais lembrava uma máscara
carnavalesca.
Ao seu lado, sempre encontrávamos o vendedor de roletes de
cana. Sentado em um tamborete com texto de couro, trabalhava pacientemente com
sua quicé – pequena faca -,
transformando um pedaço de taboca de bambu, em um suporte para os roletes de
cana. Abria a taboca em diversas hastes onde fixava em cada extremidade, um
suculento rolete de cana caiana, formando uma espécie de cacho. Os maiores
chegavam a ter até doze roletes, dependendo da largura da taboca. Lembro-me dos
cachos, dispostos cuidadosamente em cima do tabuleiro forrado com um pano
branco, com bordados coloridos nas extremidades, aguardando a cobiça da
meninada. Quando terminava o dia colocava o tabuleiro na cabeça apoiado em uma
rodilha de pano e retornava para casa apregoando os últimos cachos: rolete, rolete de cana caiana, ainda tem
rolete de cana...
Por ocasião da sazonalidade, também se arranchavam naquela
calçada, diversos vendedores: o de jabuticabas, de siriguelas, de umbus, que
eram vendidos em litro, medida
padrão, amplamente utilizada por diversos vendedores. Naquela época, o litro do
óleo Benedito era o que mais se via, em virtude de sua larga utilização pelas
classes mais pobres, além de ter sua fábrica na vizinha cidade de Macaíba.
Aparecia também naquela esquina o vendedor de goiabas, mangas, sapoti e também
o vendedor de milho assado, que utilizava um fogareiro feito com lata de
querosene e as espigas ficavam expostas em cima de uma pequena grelha sobre o
fogareiro.
Já o vendedor de pitombas comercializava seu produto em
cachos. O balaio ficava em cima de um tamborete e os cachos eram engordados,
amarrando-se uns aos outros, com embira de fibra da bananeira. A exposição era
feita sem muito critério. Os cachos ficavam amontoados no balaio a espera dos
fregueses. Os compradores sempre procuravam os mais recheados, pois, não havia
diferença de preço. Quando a fruta ainda não estava madura, ou como dizíamos, inchada, era possível degustar a polpa,
que se desprendia do caroço com facilidade. Porém se as frutas já estivessem
maduras, tornar-se-ia difícil a retirada da polpa, uma vez que ficavam bastante
escorregadias, aumentando assim o risco de engoli-las juntamente com o caroço.
Nesse caso, dependendo da quantidade de caroços ingeridos, o indivíduo
inevitavelmente teria sérios problemas após a digestão.
-continua na próxima quinta-feira-
Excelente artigo, me trouxe saudades dos antigos pequenos comerciantes e camelos, e da vida frenética, que era as feiras livres de Natal.
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