Na Pipa
daquela época, tanto a água para beber quanto para os gastos domésticos era
retirada das chamadas “cacimbas”. Essas fontes nada mais eram que olhos d’água
localizados próximo ao mar; afloravam da terra. As pessoas cavavam em círculos
e ampliavam a área de captação da água. Como ficava exposta, e era comum ser
utilizada por animais, a água destinada para beber tinha que ser retirada com
cuidados especiais.
Posteriormente,
as cacimbas foram cavadas em locais previamente determinados, geralmente nos
quintais das casas. Esse outro tipo de cacimba, mais moderno, constituía-se de
um buraco escavado no chão, com largura variando entre 70cm e 1m. Era então
revestida com tijolos até a borda, geralmente ficava acima do solo e era
coberta com uma tampa de madeira. Como o lençol freático naquela área era muito
superficial (e ainda hoje o é), ao perfurar de dois a três metros o solo, já se
podia encontrar água abundante e de boa qualidade.
A água
retirada das cacimbas era transportada em cabaças, potes ou galões para as
casas. A primeira, lagenaria siceraria, tinha diversas utilidades ligadas ao uso
da água. As cabaças tinham tamanhos e formas diversificados, dependendo da
variedade e do momento da colheita. Servia para transportar água, roupas após a
lavagem; como vasilha nas refeições, pratos, copos e cuias para retirar
alimentos; como moringa, acondicionando água para os trabalhadores que iam para
os roçados, pescadores, quando se aventuravam no mar adentro, e,
principalmente, por viajantes, nos seus deslocamentos, geralmente feitos a pé,
para Vila Flor, Goianinha, Ares, Barra de Cunhaú etc. Além disso, essas cabaças
serviam também como instrumentos musicais.
Os potes e
galões, por serem menores e bem mais maneiros, eram conduzidos na cabeça das
mulheres, apoiados em uma rodilha, nome
dado a um pano que depois de bem torcido é enrolado em círculo. A rodilha tem a
função de evitar o incômodo contato direto do fundo do pote com a cabeça de
quem o transporta, além de melhorar o equilíbrio do mesmo. Tornou-se comum em
nossa região o ditado: “Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”. Isso significa dizer que o indivíduo
que não pode assumir determinado compromisso ou realizar alguma tarefa não deve
se comprometer, pois, com os mesmos.
O galão,
ainda hoje muito utilizado para transportar água nas cidades do interior do
Nordeste, era feito com duas latas de 20 litros cada. Essas latas chegavam à praia
trazidas pelos comerciantes que vendiam o querosene. Ainda hoje, lembro-me da
única logomarca, Esso Jacaré. Este
produto era utilizado para a iluminação das casas, abastecendo lamparinas,
candeeiros e lampiões. Tempos depois, utilizou-se o óleo diesel, popularmente
chamado de “gás óleo”.
As latas
eram presas por cordas de agave (sisal) a um barrote de madeira. O
transportador o carregava depois de bem dividir em seu ombro os quarenta litros
de água que comportava o galão. Essa água era colocada em jarras de barro que
ficavam localizadas nas cozinhas, para o preparo dos alimentos, lavagem de
pratos etc.
A água
destinada ao consumo dos moradores era colocada em potes e quartinhas, e estas,
por serem menores, eram geralmente colocadas nas janelas para que, em contato
com o vento, esfriassem a água armazenada nelas.
Os
utensílios de barro, como jarras, potes, quartinhas, pratos e panelas, eram
todos adquiridos nas feiras de Vila Flor, Canguaretama e Goianinha. Essas peças
eram feitas de um tipo de barro especial, denominado “barro de louça”, que não
existia nas regiões próximas ao mar.
Antes de a
água ser colocada nas jarras, amarrava-se na “boca” das mesmas um pano muito
fino, geralmente feito de morim. Esse pano ou coador, como também era
conhecido, servia para evitar a entrada de pequenas raízes de árvores próximas
das cacimbas, assim como também algumas impurezas que o tal pano conseguisse
reter. Colocavam-se, dentro delas, algumas pedras de enxofre para evitar o
aparecimento de “martelos”, como regionalmente conhecemos as larvas de
mosquitos.
Jarras de cerâmica e seus guardiões - Faz. Lagoa Nova
Foram essas jarras nossas primeiras geladeiras. No “pé” da jarra, eram depositadas: frutas, verduras e raízes que eram consumidas durante a semana. Devido à umidade existente nesses locais, os alimentos se conservavam saudáveis por mais tempo, não obstante à companhia de algum teimoso sapo cururu. Esse indesejável inquilino que, sem qualquer cerimônia, instalava-se ali, junto aos alimentos, para aproveitar aquele friozinho durante o dia. À noite, aventurava-se em volta de lampiões, candeeiros e lamparinas, à cata de algumas desprevenidas mariposas.
As mais
famosas cacimbas da Praia da Pipa eram a Cacimba
do Comum, localizada ao lado da atual igreja onde hoje é a casa que
pertenceu a Maria Gadelha, e a Cacimba de
Zé de Tereza, onde hoje é o restaurante Peixada
da Pipa e a Cacimba de Vicência
Torres, onde fica a casa de Honório Grilo. Outra cacimba famosa era a Cacimba do Beco da Peixeira, considerada
“assombrada”. Esse beco era uma passagem que existia próximo à casa que hoje
pertence a Luiz Carvalho. Estórias passadas de pai para filho diziam que as
pessoas evitavam passar à noite nesse beco, pois ouviam saindo da tal cacimba o
som de músicas ou de pessoas cantando.
Com a
chegada da água encanada, em abril de 1983, as cacimbas foram aos poucos sendo
desativadas. Algumas, depois de anos fornecendo de suas entranhas água doce e
saudável, tiveram destino menos nobre, mas de extrema importância – foram
transformadas em fossas sépticas, e continuaram servindo à saúde da comunidade.
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