sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

DO LIVRO "A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS -

Saudosas lembranças II

Comecei a veranear na Pipa ainda na barriga da minha mãe, assim como todos os meus irmãos. Meus filhos trilharam o mesmo caminho, e também meu neto. É uma relação muito íntima que temos com aquele pedaço de chão. A família Barbalho/Simonetti iniciou os veraneios na Pipa no ano de 1926, três anos depois do nascimento da minha mãe, hoje com 86 anos de idade.
Como o veraneio acontecia somente no mês de janeiro, passávamos o ano inteiro esperando este acontecimento. Contávamos os dias, as semanas, os meses... E quando chegavam as férias do final do ano, a ansiedade era tanta que, por muitas vezes, perdia o sono e só adormecia quando era vencido pelo cansaço. Eu não via a hora de subir no caminhão para fazer aquela tão desejada viagem.

Na década de 60, já era possível contar com a modernidade e o conforto dos caminhões. Nossos pais viajavam na boleia enquanto os filhos e empregados acomodavam-se em cima da bagagem. Dentre toda a tralha que era levada, não faltavam cadeiras e colchões feitos com palha ou junco, para acomodar a todos.
As famílias que moravam em Natal saíam muito cedo e enfrentavam pelo menos 60 quilômetros de estrada de chão, pouco conservada, até a cidade de Goianinha. Eram horas sacudindo na carroceria do velho Dodge até avistar a Usina Estivas. De cima da ladeira, podia-se ver ao longe a bela cidade e compreender a exclamação encantada e justa do Dr. Alfredo de Araújo Cunha (1861-1929), que olhando o casario branco da cidadezinha clara disse: “Goianinha, Pátria de Anjos!”.

Depois de descer a ladeira com dificuldade, alcançávamos o vale e, a partir dali mais três quilômetros depois, entrávamos triunfantes na cidade. Estava vencida a primeira etapa da estafante viagem.Uma parada “estratégica” na casa de meu avô Odilon Barbalho, e o almoço estava garantido. Daí por diante começava o trecho mais complicado e sofrido da viagem. Era comum os velhos caminhões, após certa jornada, pararem por aquecimento no motor, mas nada que não fosse resolvido com uma boa lata d’água no radiador e logo já estavam de volta à estrada. Continuava a viagem como se nada tivesse acontecido. Não havia possibilidade de fazer toda aquela viagem sem dar um “prego”. Se não acontecia no trecho vencido entre Natal e Goianinha, podia contar que, até a
Pipa, não havia reza forte que fizesse chegar ao destino sem o famoso “prego”.

Não se esperava nem o sol esfriar, pois esse trecho era mais deserto e, se por acaso houvesse algum imprevisto no caminho, tinha-se tempo para realizar o conserto e chegar ao destino antes do anoitecer. Até o distrito de Piau, a viagem seguia sem maiores problemas. Depois que entrávamos nos “tabuleiros”, a estrada se tornava ainda mais precária. Geralmente essa estrada era utilizada somente por animais de carga e pessoas que faziam a pé o caminho entre Piau e Pipa. Por ser rara a passagem de carros, não havia nenhuma manutenção. Em determinados trechos a vegetação lateral era praticamente aberta pelo para-choque do caminhão, e acima de nossas cabeças as árvores se fechavam totalmente, formando um túnel de galhos e folhas. De tão próximos, era possível apanhar de cima da carroceria do caminhão, cajus, mangabas e outras frutinhas muçambê.

Havia dois pontos que eram temidos pelos motoristas, por causa de sua difícil transposição: a ladeira do Rio Galhardo e a ladeira do Sanharão. Na primeira, além da dificuldade de vencer a subida de areias frouxas, ainda tinha o problema do rio que, embora raso, impedia que o caminhão tomasse alguma velocidade. Nesses dois pontos descíamos todos, e a ladeira era vencida a pé. Ficavam somente o motorista e o “calunga” – alcunha do ajudante, que, de cepo na mão e em constante sintonia com o motorista, fazia, metro a metro, o veículo vencer, ladeira acima, as terríveis areias daquele trecho. O cepo era uma peça de madeira com uns 50cm de comprimento por uns 20cm de altura, que se colocava atrás das rodas traseiras do caminhão, impedindo que ele descesse após alguns metros de subida. Nunca esqueci os gritos ofegantes do motorista: “Bota o cepo”, e, pouco depois... “Tira o cepo”.

Sempre que o caminhão vencia um pouco a areia, era colocado o tal cepo para que ele não retornasse. Depois de algum descanso, lá se ia mais uma tentativa. Vencidos alguns metros de areia, novamente o cepo era colocado, era assim até que se chegássemos ao topo.

Na ladeira do Sanharão, acontecia a mesma coisa, porém com mais dificuldade, pois além do percurso ser maior, havia uma curva na metade da ladeira, que dificultava a subida. E, depois de praticamente um dia inteiro de viagem, chegávamos ao nosso destino.

Até o final da década de 70 não existia energia elétrica na Pipa. A iluminação das casas era feita com as lâmpadas a querosene. As marcas Coleman e Aladim eram as mais conhecidas. O querosene utilizado era o nosso velho Esso Jacaré. Essas lâmpadas eram o que havia de mais moderno. Durante as refeições noturnas ficavam nas salas de jantar e posteriormente eram transferidas para os alpendres, onde as famílias se reuniam para conversar amenidades ou mesmo jogar um carteado à base de sete e meio, buraco, pif-paf ou relancim.

Os candeeiros, lamparinas e lampiões eram usados na iluminação dos quartos, cozinhas e banheiros. Os mais afortunados possuíam geladeira também a querosene e tempos depois apareceram as mais modernas que funcionavam com botijão de gás.

Depois de um ano inteiro sem uso, as lâmpadas geralmente apresentavam algum problema de funcionamento e, nessa ocasião, entrava em cena tio Venício, irmão da minha mãe, especialista no conserto dessas lâmpadas. De óculos na ponta do nariz e sempre mastigando a língua no lado da boca – não havia defeito que ele não arrumasse. Depois de alguns minutos de trabalho e da colocação de uma camisa nova, era só dar algumas bombadas de ar e lá estavam à disposição 500 velas de boa iluminação.

Essas lâmpadas também eram utilizadas para iluminar os banhos noturnos. Quando isso acontecia, era preparada uma quantidade de “caipirinha” feita com a boa cachaça trazida dos engenhos de Goianinha, limão, açúcar e gelo. Este último era conseguido a duras penas nas velhas geladeiras; sempre ficava a desejar. Era tudo levado para a beira da praia, juntamente com os tira-gostos – “paredes”, previamente preparados pelas mulheres.

As lâmpadas eram colocadas suspensas em um “garajal” – tripé feito de madeira, que os nativos subiam para martelar as estacas dos currais de peixe – e a diante, quando a “marvada” começava a fazer efeito, os adultos ficavam mais relaxados. Era a ocasião pela qual nós adolescentes esperávamos. Aproveitando algum descuido dos nossos pais, também tomávamos um pouco daquela bebida maravilhosa que nos deixava alegres e risonhos.
Pela manhã, nós jovens nos reuníamos em algum daqueles alpendres para jogar conversa fora. Nós todos éramos parentes, e alguns, por morar em outros estados, só se encontravam durante o mês de janeiro, no veraneio da Pipa. Essa ocasião era esperada por todos com muita ansiedade. Como não ter saudade dessas coisas simples? De um tempo feliz de nossas vidas, que sabemos, nunca mais voltará.

Natal, outubro de 2009.

3 comentários:

  1. MEU CARO ORMUZ SIMONETI.
    EM PRIMEIRO LUGAR QUERO PARABENIZA-LO PELO EXCELENTE BLOG "GENEOLOGIA E HISÓRIA", PELA APRSENTAÇÃO GRÁFICA E, SOBRETUDO,PELA QUALIDADE DOS CONTEÚDOS HISTÓRICO-GENEALÓGICOS-LITERÁRIOS. FELICITAÇÕES PELO SEU MÉRITO.ALIÁS, SEU BLOG JÁ CONSTA NA LISTA DOS BLOGUES RECOMENDADOS PELO MEU PRINCIPAL BLOG, ABAIXO MENCIONADO.
    EM SEGUNDO LUGAR, QUERO DIZER-LHE QUE FOI UM PRIVILÉGIO CONHECE-LO E UMA HONRA RECEBER O SEU CONVITE PARA ME CANDIDATAR A MEMBRO DO INRG, QUE EM BOA HORA FUNDOU E A QUE PRESIDE COM JUSTO MERECIMENTO E COMPETENCIA. ESPERO PODER MERECER A VOTAÇÃO QUE APROVE A MINHA CONSAGRAÇÃO COMO MEMBRO DO INRG E,SE TAL SE CONFIRMAR, REPRESENTAREI O INRG COM TODA A DIGNIDADE, COMO FAÇO EM RELAÇÃO A TANTAS OUTRAS PRESTIGIADAS INSTITUIÇÕES CULTURAIS DE QUE SOU MEMBRO, EM VÁRIOS PAÍSES, COM DESTAQUE EM PORTUGAL E BRASIL-RN.
    EM TERCEIRO LUGAR, APROVEITO PARA LHE LEMBRAR QUE, AO NOS TER DADO A HONRA DE ACEITAR SER MEMBRO DO "CONSELHO EDITORIAL" DO NOSSO PRINCIPAL BLOG-REVISTA "CULTURAS E AFETOS LUSÓFONOS", FICAMOS NA EXPECTATIVA DE - QUANDO FOR DE SUA VONTADE E DISPONIBILIDADE - NOS ENVIAR PARA PUBLICARMOS SEUS PREZADOS ESCRITOS.
    POR FIM, APROVEITAMOS ESTE COMENTÁRIO PARA LHE DESEJAR E A TODA A SUA FAMÍLIA UM 2012 PLENO DE SAÚDE, PAZ, AMOR E BOAS REALIZAÇÕES. QUE POSSAMOS TER TAMBÉM A FELICIDADE DE TERMINAR 2012 COM UM MUNDO EM PAZ, MENOS INJUSTO E MAIS SOLIDÁRIO, E UM PLANETA MAIS PERSERVADO. FAÇAMOS A NOSSA PARTE.
    UM ABRAÇO AMIGO
    Carlos Morais dos Santos
    carlosmsantos2002@yahoo.com.br
    Celular-Brasil:(+55.84)87.47.14.11
    Celular-Portugal(+351)964.004.144
    www.culturaseafectoslusofonos.blogspot.com.br
    www.lusotur.blogspot.com
    www.pro-civitas.blogspot.com

    PS-Enviarei por email, os documentos que me solicitou

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  2. Beleza de publicação. Realmente você escreve de forma que a caneta desliza com facilidade no papel e consegue transmitir aos seus leitores um clima de praia que dá até para sentir o frescor da briza e o cheiro característico do mar. Ter estórias como essas gravadas na mente nos enriquece e nos torna mais leves, pois temos a certeza de uma infância feliz e muita coisa prá contar, principalmente aos netos. Parabéns e sucesso.

    Carlos Cabral

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  3. Que deleite sentí agora com essas recordações.Obrigado Ormuz pelas lembranças da minha infância.
    Francisco Gadelha

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