Jovem, desejei ser advogado incentivado pelo exemplo de um tio desembargador, vítima de uma bala acidental que lhe tirou a vida aos 43 anos. Veio à consciên¬cia, antes de terminar o primeiro ano, e avisou ao futuro bacharel que seria desastroso tentar insistir. Livrei o fórum de suportar um advogado medíocre e aceitei a inclinação para este oficio menor de escrever notícias e crônicas. Desde aquele tempo tenho medo do legalismo, monstro enlouquecido que nasce e vive nas entranhas da lei.
Até hoje, quando vou esquecendo, vem outro exemplo e espeta a consciência. Como agora, no julgamento dos políticos ficha suja. O Supremo Tribunal Federal não ousou, para decidir ouvindo a voz rouca das ruas, como se diz na clicheria política. Ficou no limite restrito da lei como esta fosse maior do que o Direito e longe do clamor popular. E os fichas sujas vão assumir seus mandatos de quatro ou oito anos, de deputado ou senador, debaixo dos bigodes acabrunhados da opinião pública brasileira.
É a lei, Senhor Redator, alegam os que fazem o império da norma. A nós outros e aos próprios ministros que sabem da sujeira daquelas fichas, nada mais há a fazer. O Supremo é o Supremo. Depois dele, nestas terras da Ilha de Santa Cruz, só Deus. E Deus, até onde se tem sabe, é um ser acima das questiúnculas políticas e dos queixumes da politicagem. Que se cumpra, pois, a vontade da Corte. Aliás, é bem próprio do gosto monarquista que nunca nos abando¬nou, mesmo depois da República.
Não chego a repetir o jargão daqueles que afirmam ser o político alguém que não teme e não pára na fronteira do pudor. Seria muito. Mas, entre perder o mandato ou a compostura, e isto é um fato, joga fora os dedos e fica com os anéis. É com eles - e o político pensa assim - que terá acesso à riqueza do poder que nem sempre precisa ser feita de ouro ou níquel, mas do brilho na lapela, lugar que a convenção social escolheu para exibir os dísti¬cos da glória política a quem, desavisado, não souber.
A sujeira, portanto, é legal. Pelo menos até 2012, nas eleições municipais. Ninguém sabe se essa legalidade não sobrevive até 2014. Até lá, certamente teremos outras mãos sujas, mas também teremos governadores sonhando com a renovação de seus mandatos e uma vaga de senador para cada estado. O caldo grosso do poder, então, será mexido na fervura das ambições e dos desejos e só então se saberá se teremos nova interpretação capaz de vencer o determinismo brasileiro para a impunidade.
Ainda não foi desta vez que o sol forte da opinião pública, como dizem os franceses, iluminou nossos juízes supremos. Não se duvida de suas auras feitas de um saber jurídico sólido e incontestável. Nem da boa fé de suas almas. Mas é difícil compreender que a norma constitucional venha resguardar a impunidade. No meu caso, Senhor Redator, devo confessar, é mais difícil: além de faltar o saber ainda vicejam as ervas da¬ninhas da ignorância na sua invencível incapacidade de com¬preender. Hélas!
Transcrito da coluna “Cena Urbana” de Vicente Serejo 28/03/2011
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