sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS – Parte I

Nos últimos dias de dezembro do ano passado, almoçava com meu amigo Levi Bulhões, quando surgiu em meio à conversa, lembranças dos vendedores ambulantes de antigamente. Todas as vezes que nos reunimos para jogar conversa fora, o passado está sempre presente. Saudosistas irrecuperáveis, temos por costume lembrar esse período da adolescência, que contribuiu de maneira positiva para a formação de nossa cidadania.

Seja pelas inúmeras passagens ocorridas na esquina da Rua Princesa Isabel com a Apodi, onde outrora existia a “bodega de Floriano”, ou pelos antigos carnavais, quando participávamos dos chamados blocos de elite, entre eles Lord’s e Apaches, ou mesmo as lembranças do cotidiano, vivenciadas pelas calçadas da vida.

A “bodega de Floriano” exerceu um papel tão importante nas nossas vidas, que seus frequentadores, no desejo de manter a união daqueles amigos, criaram uma espécie de confraria. Anualmente, na segunda semana de dezembro, reunimo-nos para um almoço de confraternização onde as lembranças e relembranças, predominam em nossas conversas. Costumam participar dessa confraternização, inclusive, nossas esposas e filhos.

Temos praticamente a mesma idade e somos amigos desde o início da adolescência. Por essa razão, compartilhamos das mesmas lembranças de uma cidade-capital, que nos anos 60 e 70, mais parecia uma cidadezinha com cara e jeito de interior.

Eu morando na Av. Deodoro e ele na Rua Princesa Isabel tivemos oportunidade de conviver com esses incríveis personagens, que fizeram parte da história da velha cidade, de nossa infância.

No dizer do meu amigo e confrade Jurandyr Navarro, voltar ao passado é, antes de tudo, uma doce recordação. Não há nada mais terno e emotivo que procurar o tempo perdido envolto a ilusões despedaçadas.

Pois bem, foi recordando o passado que lembrei a figura do vendedor de verduras. Ainda bem cedinho, ouvia sua voz forte e melodiosa: verdureeeeiro!...,  com andar dolente e cadenciado obedecendo o ritmo imposto pelo vai-e-vem dos balaios, soltava a voz pelas ruas na amanhecença da cidade: verdureeeeiro!..., olhe a verdura madame, tudo bem novinho..., verdureeeeiro!

O mercado central ou mercado da cidade, destruído por um incêndio nos anos 60, abastecia a maioria desses ambulantes. Ficava onde hoje funciona a agência do Banco do Brasil, na Avenida Rio Branco. Era lá, onde o verdureiro se abastecia dos diversos produtos que comercializava, antes de ganhar as ruas da cidade, para vendas diárias de porta em porta.
       
      Lembro-me bem de sua figura. Homem alto, magro, moreno claro, usava um surrado chapéu de palha de abas largas e calças arregaçadas até o meio das canelas. No ombro, um tufo de pano para aliviar as dores causadas pelo pau do galão, que sustentava os dois conjuntos de pesados cestos, onde cuidadosamente eram arrumados os produtos que vendia. Em um dos cestos maiores, que ficavam na base da pirâmide, colocava talhadas de jerimum de leite ou caboclo, batata doce, macaxeira, inhame, cebola, coco seco e produtos que não estragasse em contatos com os demais, pois, primava pela apresentação dos produtos. No outro cesto, frutas sazonais, feijão verde, que era vendido em “molhos”, legumes tais como: cenouras, repolhos, batata inglesa, maxixes, quiabos etc. Nos cestos do meio vinha o chamado tempero verde, cebola verde, coentro, pimentão, tomates e ainda folhas de couve, alface etc. No derradeiro cesto, por ser o menor e mais raso, era reservado às especiarias: cravo, canela, gengibre, pimenta do reino e algumas raízes usadas na confecção de chás e garrafadas. Também ali eram penduradas grossas tranças de cabeças de alho.
    
        Sempre fazia o mesmo caminho. Saia do mercado da cidade, subia a Rua Ulisses Caldas na altura do Armazém Natal, e chegava na Avenida Deodoro. Passava em frente a minha casa, de número 622, que ficava em frente “A Palhoça”, do saudoso João Damasceno. De lá, perdia-se por entre as ruas dos bairros de Petrópolis e Tirol, só retornando no dia seguinte, na mesma hora e anunciando o mesmo pregão: verdureeeeiro!
         
- continua na próxima semana-

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

MINHA CIDADE NATAL


                  Jurandyr Navarro

O sentimento telúrico gera a saudade quando distanciado se está da terra-berço. O amor à terra é imanente, nasce com o homem. Qual o amor que não se aperta com a saudade?

Emoção idêntica golpeia o imo do corão quando a juventude é recriada na imaginação proustiana. Voltar ao passado, que doce recordação... que ternura emotiva, em procurar o tempo perdido, envolto com as ilusões despedaçadas!

Em silenciosa madrugada, no caminho do Mar, eu senti, evocando a poesia chinesa, eu senti o perfume do passado. E a saudade assaltou-me o espírito com o aroma do jasmim branco e das flores escarlates das mangabeiras.

O tempo não eclipsa a lembrança perenizada na alma. Quanta alegria vivida nas praias banhadas pelo esverdeado oceano, com suas "ondas de espumas sorridentes", na doce inspiração do indu Kalidassa! Alvas praias, onde as manhãs radiosas, de esperança enchiam a alma exultante de vida!

Mocidade! Por que fugistes tão cedo, tangida que fostes pelos ventos alados do tempo?

Natal, cidade que me deu berço, tem sido a morada da minha vida de homem
comum. Mesmo dela distante, pelo espaço ou pelo pensamento, fixam-me raízes no seu ventre pétreo de Mãe.

Dela respiro o oxigênio exalado pela clorofila das suas colinas que emolduram a paisagem bucólica do Tirol. Os ardentes raios solares de Petrópolis vitalizam suas praias desnudas, soberba visão talássica, musa eleita pela ode rica dos seus poetas maiores.

E o deslumbrante pôr-do-sol do Potengi, que fascinava as pupilas azuis dos olhos de Palmira?

És, Cidade minha, a segunda Belém do Menino-Jesus! e que tantas bênçãos recebestes da Padroeira celeste, a Senhora Iluminada da Apresentação!

Uma Cidade, pom, não deve ser considerada, apenas, pelo seu aspecto fisico, místico ou emocional; mas, sobretudo, pela vida realizadora dos seus Filhos. Sem eles, Ela não vive, mesmo que seja bela e encantadora. O Povo é que forma uma Nação, "o seu princípio espiritual" no dizer de Renan.

Vejo, assim, Natal, como o florido jardim das Hespérides - as filhas da Tarde, "a noiva do Sol", na prece de Luís da Câmara Cascudo, a ninfa da juventude, sempre festiva. Sinto-a através dos empreendimentos admiráveis dos seus Filhos e pela formosura de suas Filhas, qual Afrodite, molhada, saindo das ondas.

Se Tebas defendeu a Sinceridade pela boca de Epaminondas; se Esparta imortalizou a Bravura pelo heroísmo de Leônidas, nas Termópils; se Atenas glorificou a Cultura pelo gênio de Aristóteles, como a Política pela ação de Péricles; e Roma erigiu e consagrou o Direito com Justiniano e enalteceu a Eloquência no verbo de Cícero, Natal deu o exemplo magnífico da Moral na vida ilibada do católico Ulisses de Góes, patriarca do Bem.

Ela também foi engrandeci da pelo Civismo de Luiz Soares, tão salutar às gerações meninas dos Escoteiros do Alecrim; pela Pedagogia de Severino Bezerra, dirigida à Criança, esperança da Pátria; pela inteligência de Veríssimo de Meio, folclorista e antropólogo, promovendo a sua Cultura intelectual e a honradez sem jaça de Jurandyr Siro da Costa, amante do Trabalho!

E os saudosos sacerdotes arrebatados aos Céus? Miguelinho, revolucionário heroico, entregando a vida pela Verdade; João Maria, o santo da Caridade, curando através dos milagres, aos apelos da Fé, e Luiz Monte, filho da Sabedoria, falando lhe dos mistérios de Deus e dos mistérios dos homens!

Qual a participação do velho Atheneu de Humanidades? Alvamar Furtado despontando a sua eloquência erudita; Esmeraldo Siqueira, em palestraperipatéticas, talo mestre de Estagira, ensinando a filosofia da vida; Antônio Pinto de Medeiros, com sua irreverência indomável, arrebatando a mocidade estudiosa através do seu talento literário, e Floriano Cavalcanti iluminando as inteligências jovens com sua cultura histórica, filosófica e jurídica! E Celestino Pimentel, o Diretor Vitalício pela vocação magisterial?

Quem não se recorda do "olho clínico" do pediatra Wilson Ramalho, curando as crianças com seu diagnóstico infalível?        '

Olvidar, quem pode, os julgamentos do Tribunal do Júri, no Paço municipalonde o advogado Túlio Fernandes matizava a sua oratória com o colorido das metáforas históricas? E a dialética satírica da expressão verbal do grandiloquente João Medeiros Filho; ou, ainda, a postura ímpar do Juiz Edgar Barbosa que, ao prolatar a sua sentença, engastava o rubi do Direito numa peça literária?! E a judicatura bia de Seabra Fagundes?     ,

Quem resistiria ao magnetismo dalma'alegre de Albimar Marinho, a encher as noites natalenses com sua bmia insuperável?

A formosa Natal, morada do Sol, encanto de luz e de clima, tem enfeitiçado a todos que a visitam. Tudo fazendo crer, que o espelho tremulo das águas das suas praias reflita a imagem de Aspásia, a bela e culta hetaira grega que, mesmo na velhice, atraía a mocidade de Atenas para contemplar a sua beleza.

(Publicado no JH, edição de 29/30 de dezembro de 2012)