sexta-feira, 29 de junho de 2012

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS, O LIVRO


Com um intervalo de quatro longos anos, nasceu "meu segundo filho". Recebi hoje a "boneca" do livro A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS.  
Somando 400 páginas e recheada com 325 fotos e 50 gravuras e telas do artista plástico Levi Bulhões, o livro trás histórias verídicas e pitorescas dos antigos veraneios na Praia da Pipa.
O lançamento está previsto para o mês de outubro na Academia Norte Rio-grandense de Letras. 









domingo, 17 de junho de 2012

OS TIRADORES DE COCO



Praia da Pipa - ano 1972
 É comum ver no litoral do Nordeste profissionais que ganham a vida subindo em coqueiros para colher frutos. São eles os tiradores de coco. Embora não pareça, tirar coco é uma atividade de extremo risco, pois sem qualquer equipamento de segurança, esses homens arriscam suas vidas subindo em coqueiros com até 30m de altura.
Nessa arriscada atividade, eles portam apenas um facão “rabo de galo”, muito utilizado no corte de cana-de-açúcar e um recipiente plástico tipo spray, geralmente embalagem vazia que reaproveitam, colocando óleo diesel, principal arma contra os marimbondos caboclos e outros animais peçonhentos que habitam as copas dessas palmeiras. Sofrem também com o ataque das formigas pretas que, ao ferroar o indivíduo, provocam dores intensas, como as serpentes, que chegam até esses locais em busca de ninhos de pássaros e alguns roedores, que ali habitam.
Vestindo apenas um calção, para melhor mobilidade, esses profissionais ganham a vida subindo e descendo dos coqueiros, numa exaustiva jornada de até 10 horas por dia. As “peias”, principais ferramentas que lhes permitem subir nessas palmeiras com menor esforço, antigamente eram feitas com cipó que, por sua vez, eram revestidos com relho – tiras de couro cru – para lhe dar maior consistência e segurança. Há algum tempo o cipó foi substituído pelo cabo de aço, bem mais seguro e duradouro, porém o revestimento com relho cru continua até os dias de hoje.
Geralmente, o aprendizado da tiragem de coco é passado de pai para filho, por gerações. Na Pipa, porém, isso não aconteceu. Nenhum dos tiradores de coco tem descendência direta dos pais ou deixou descendentes na família. A título de informação, podemos afirmar que é uma atividade exclusivamente masculina, pois, até hoje, não temos notícias de que nenhuma pessoa do sexo feminino tenha abraçado essa profissão.
Na Indonésia, os aldeões costumam treinar um tipo de macaco na colheita de coco. Os símios são amarrados pela cintura a uma corda e ao comando do seu adestrador, sobem nos coqueiros e arrancam, um a um, os frutos que lá estiverem. Para isso, utilizam apenas suas pequenas mãos. Torcem o fruto numa mesma direção, até que desprenda do cacho e caia. Porém, o que um homem produz em apenas 1 hora de trabalho, esses macacos levam dias para colher a mesma quantidade. Diante disso, podemos avaliar que a colheita com esses animais é apenas mera exibição para turistas, pois comercialmente, seria totalmente inviável.
Os coqueiros se dividem em duas espécies: gigante e coqueiro-anão. O primeiro foi introduzido no Brasil pelos colonizadores portugueses, a partir do ano de 1553. As primeiras mudas trazidas da Ilha de Cabo Verde foram inicialmente plantadas no litoral baiano, daí a denominação “coco da Bahia”. O coqueiro-anão tem sua origem na Indonésia. A principal diferença entre essas variedades é que no coco da Bahia – que geralmente é destinado à indústria – os frutos são colhidos trimestralmente, sempre maduros ou totalmente secos. Ao contrário, os coqueiros-anões, destinados à extração de água, têm suas colheitas realizadas a cada 25 dias, obedecendo à sua inflorescência. As colheitas realizadas em desobediência a esses critérios prejudicam, sobremaneira, a produção nas duas espécies.
Na Praia da Pipa de antigamente, o coqueiro era tão valorizado, que se constituía em um bem transmissível. Era comum um indivíduo ter um ou mais coqueiros na terra de outrem. Sobre essas plantas eram dados todos os direitos ao seu proprietário. Estes podiam ter acesso aos coqueiros, sem prévia comunicação ao dono da terra onde estavam plantados, para inclusive negociá-los com outras pessoas, se assim o desejassem.
No passado, havia na Pipa vastos coqueirais do tipo coco da Bahia, também conhecido como “coco praia”, e poucos tiradores de coco. Apenas três profissionais faziam esse trabalho, como diziam, “no braço”, pois até então não se conheciam as “peias”.
Era um trabalho penoso e estafante. Agarrados aos troncos e impulsionados pelos pés, chegavam ao alto dos coqueiros e, com certeiros golpes de facão, cortavam os cachos secos ou maduros. Nossos tiradores fora: Zé Luiz, Francisco Lourenço e, por último, Irineu. Quando este último ficou sem condições de trabalhar, principalmente por causa da idade, foi substituído por seu discípulo Cícero Lourenço dos Santos, mais conhecido por Madola. Este se iniciou nessa atividade subindo em coqueiro também “no braço”, mas logo foi apresentado às “peias”, novidades trazidas para a Pipa por tiradores de coco vindos da Barra do Cunhaú, no município de Canguaretama-RN.
Em cima dos coqueiros, os tiradores de coco enfrentam vários perigos escondidos na copa dessas plantas. Além de trabalhar pendurados, a vários metros do chão, por uma ferramenta rudimentar e sem utilizar nenhum equipamento de segurança, constantemente são surpreendidos por insetos raivosos: lagartas de fogo, cobras, ratos e o que mais os aterroriza – os enxames de abelha africanizada, que não se detêm diante do óleo diesel, utilizado com sucesso nos demais insetos.
O pagamento a esses profissionais ainda é feito com base no preço do coco. Para cada planta que subir para a colheita ou simplesmente realizar uma limpeza, recebe o referente ao preço de uma unidade. Durante um dia de trabalho, dependendo da altura das plantas, os que tinham mais prática, chegavam a subir em até 100 coqueiros.
Madola - ano 2011

Madola começou nessa atividade aos 20 anos de idade e trabalhou durante 35 anos, quando percebeu que os nervos já não lhe favoreciam a subir no alto das palmeiras; as pernas, cansadas, impunham-lhe grande sofrimento para chegar àquelas alturas. Deixou a profissão aos 55 anos de idade e orgulha-se em dizer que com seu trabalho criou toda a família. Durante esse tempo trabalhou em vários locais. Na Pipa daquela época, somente ele e Geraldo da Costa, o General, discípulo que conseguiu formar quando ainda estava na atividade, eram responsáveis pela colheita de toda a região. Em Tibau do Sul, conta que tiraram coco por muitos anos, nas propriedades de Hélio Galvão. Em Cabeceiras, grande produtora de cocos, ensinou aos colegas de profissão o uso e a confecção das peias. Em Canguaretama, onde existiam vários sítios, passavam semanas trabalhando sem retornar para casa. Onde houvesse um sítio com cocos para colher, lá estavam os amigos Madola e General.
Hoje, aposentado, Madola ainda mora na Pipa com muitos filhos e netos, mas nenhum deles quis seguir sua profissão. Procuraram outras atividades mais rendosas e menos arriscadas.
                                               Genreral - ano 2005

General, último desses profissionais, teve seu destino traçado desde criança. Quando menino e adolescente, muito levado, em brincadeira de subir em árvores com outras crianças, sofreu várias quedas, inclusive duas grandes quedas de uma mangueira, o que lhe deixou por vários dias acamado. Quando adulto, no desempenho de sua profissão, também sofrera outros dois acidentes dessa natureza. No primeiro quebrou uma perna e ficou por mais de um ano sem trabalhar. O médico que o atendeu, sentenciou: nunca mais você vai poder subir em coqueiros. Ledo engano. Com menos de dois anos, lá estava ele pendurado no alto das palmeiras, como se nada tivesse lhe acontecido. É como ele sempre dizia, quando questionado: “Preciso ganhar a vida e essa é a minha profissão. Como não sei fazer outra coisa...”.
No fatídico dia 28 de setembro de 2005, sofreu sua última queda. Estava no alto de um coqueiro quando uma das peias, já bem usada, partiu-se e ele caiu de uma altura de mais de 20 metros. Dias antes, havia me pedido que comprasse em Natal, cinco metros de cabo de aço, pois precisava fazer “peias” novas. Quando retornei na semana seguinte, presenteei-lhe com o cabo de aço, que infelizmente não houve tempo de utilizar.
Lutou pela vida durante 20 dias. No dia 18 de outubro, morreu em um leito do Hospital Walfredo Gurgel, em Natal. Se tivesse sobrevivido, estaria preso para o resto da vida a uma cama ou, na melhor das hipóteses a uma cadeira de rodas, o que lhe imporia grande sofrimento.
Coincidentemente, o coqueiro no qual ele acidentou-se, quatro meses depois morrera. Sua frondosa copa foi secando até tombar e cair. Ainda podemos vê-lo, sem copa, apontando para o céu, bem ao lado de cemitério onde o “General” está sepultado, como se o destino, de alguma maneira, tivesse se encarregado de juntá-los novamente.
Com sua morte, morreu também uma tradição. Fiel discípulo de Madola, com quem aprendeu tudo sobre essa arte, não conseguiu deixar seguidores. Infelizmente, acabava naquele instante, o legado dos tiradores de coco da Praia da Pipa.



quarta-feira, 13 de junho de 2012


O Presidente ODÚLIO BOTELHO e o Assessor Jurídico CARLOS GOMES em entrevista ao Jornalista e Apresentador TOINHO SILVEIRA no programa VERSÁTIL  na TV PONTA NEGRA, falando sobre o lançamento da Revista da ALEJURN. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O MEDO PODE ENTRAR


   Coisa medonha, Senhor Redator, é viver sem sossego. Quanto mais se o cristão escolheu para viver numa vila antiga, sem riqueza e sem soberba. E como se o medo nascesse dos becos e das ruas quietas e saísse andando como um fantasma do mal. É assim que vive o povo da Redinha nes­ses tempos de danações. É o que resta aos que moram nesta ci­dade tão bonita, entre o rio, o mar e os morros, numa sucessão de notícias que hoje fazem deste lugar do mundo um assom­brado exercício de sobrevivência.
Sou de outros tempos. De quando nas manhãs e tardes an­tigas seu povo pescava e pastorava as nuvens. Os alpendres eram uma extensão natural das casas, uma sombra doce que espan­tava o mormaço, e nas latadas as conversas ajudavam a viver. De uns anos hoje adocicados na lembrança com a fartura de peixes - das tainhas nas redes e dos xaréus que vinham ainda vivos no tresmalho do arrastão. A vida não chegava pela tevê, para fazer a paráfrase do verso bandeiriano, mas era vivida como se fosse poesia.
Esta vila, Senhor Redator, que recebeu Mário de Andrade e Câmara Cascudo na velha casa de Barôncio Guerra, numa peixada homérica, servida com um zambê de côco dançado na beira da praia, teve verões imensos. Aqui o poeta Henrique Castriciano renovava os pulmões cheios de cavernas que anun­ciavam a morte com sua tuberculose. E o professor Antônio Soa­res, de olhos abertos para o céu e alma delirante, viu duas luas, um mistério tão grande que nem a Nasa, com toda ciência, conseguiu ver.
Ora, quem, senão uma vila assim, com o riso franco da vida sem perigo, por acaso teria um time com o nome de Morte Ftebol Clube, e com a presença de um jovem craque chamado Lenine Pinto? E a gargalhada de Dalila que para Berilo Wan­derley, e como aquelas irmãs Boninas, lá de Goianínha, eram corredores de ternura? E Cutruca, personagem de Newton Na­varro que vencia suas ruas de areias alvas como as dunas can­tando canções que ninguém entendia, como se viver fosse um jeito de amar os dias?
E a Redinha que veio depois, e viveu em nós na sua últi­ma geração boêmia, como se fosse uma ilha a abrigar os de­serdados da tristeza, de tão felizes? E as suas casas de janelas acesas pelo sol das manhãs? E as tardes, abertas para que a lua e as estrelas entrassem sem pedir licença? E a cachaça que ainda vi brilhando nas mesas, entre volutas de cajus vermelhos e abacaxis dourados, resplandecendo nos olhos mornos dos seus últimos boêmios? E a vida que, de tão intima, não se sabia se um dia acabava?
O medo hoje mora nestas ruas. Os dias de chuva não afagam com ternura de mãos aveludadas o rosto da gente. É perigoso, muito perigoso, tomar banho de chuva no beiral dos seus telhados. É arriscado andar nos becos desertos, bares e lugares. É desaconselhável abrir as portas e esperar a noite chegar. Foi-se o tempo, diria mesmo, que era bonito repetir o verso do poema de Mário da Silva Brito e para abrir as ja­nelas para encher a casa de nuvens. Como, Senhor Redator, se o medo pode entrar?

Publicado hoje na coluna Cena Urbana do jornalista Vicente Serejo

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O EXÍLIO DE PALUMBO


PUBLICADO NO JORNAL DE HOJE, NA COLUNA "CENA URBANA" DO JORNALISTA VICENTE SEREJO.

                                                Giácomo Palumbo
Outro dia, não faz muito tempo, andei reclamando aqui dos antigos feriados que encontrei num velho Alrnanaque de Lembranças, de 1929, e que há anos cochila nas prateleiras deste pequeno armazém de livros velhos e de ocasião. Figuras e datas abandonadas por esta cidade sem memória que esquece seu próprio passado nas gavetas empoeiradas dos arquivos. Menos de uma sema­na depois, fui encontrar nas páginas deste JH o artigo de Ormuz Barbalho Simonetti sobre o exílio do arquiteto Giácomo Palumbo.
         Digo exílio, Senhor Redator, para não ser indelicado com os viventes daquela ruela. Também moro numa rua assim, pequena e estreita, mas não há nada em mim que justifique uma avenida. Já com Palumbo aquela ruela p­xima ao cruzamento da Presidente Bandeira com São José, é um exílio do seu Plano de Sistematização. Nem um lugar em Tirol ou Petrópolis a cidade encontrou para homenageá-lo com dignidade. Tem apenas seu nome numa placa de rua onde ninguém sabe quem ele é e nem o que fez.
         Não preciso lembrar sua história toda contada que foi por Ormuz Barbalho Simonetti, mas destaco um detalhe que ele ressaltou e que fixa com todos os traços e cores o retrato trá­gico de uma cidade ainda tão desmemoriada. Conta nosso historiador dos iluminados verões de Pipa que um dia, no ano da graça de 1972, o chefe do arquivo geral da Prefeitu­ra, certamente aborrecido com tanto papel velho, fez oficio ao eno secretário do planejamento solicitando permissão para incinerar o que julgava imprestável e inútil.
Contam que veio a resposta concordando, e assim foi feito. Imagino as chamas devorando tudo, os processos, mapas, fotografias, certidões e relatórios. Era a própria his­tória da cidade crepitando nos olhos do burocrata ordeiro e exemplar. Nada restou, a não ser um arquivo limpo e varri­do, inútil por não saber contar, com documentos históricos, a evolução urbana da cidade. E de Palumbo, a placa numa rua longe do mundo que ele criou, sem inscrição nenhuma. Num exílio injusto, sem glória e sem consagração.
Foi assim com o sítio histórico da Rampa, hoje partido ao meio, para no seu chão histórico agora se erguer uma construção modernosa, a sede do III Distrito Naval. E como se já não bastassem as grandes áreas militares que cercam o perímetro urbano da cidade. A então governadora Wilma de Faria consentiu sob o silêncio da Fundação José Augusto, ale­gando que a representação local do· Patrimônio Histórico tombou apenas a sede da Rampa, na sua clara demonstração de insensibilidade e, mais que isto, incultura.
Tem razão Ormuz Barbalho Simonetti quando pro­testa diante do espaço que a cidade reservou a um dos planejadores do seu desenvolvimento urbano. Não tem lima herma, uma estátua, um monumento, um pequeno jardim, uma rua, uma avenida, nada. Pior: a área de Tirol e Petrópolis sequer foi tombada. Seus canteiros largos estão sendo rasgados para estacionamentos. E ali na Afon­so Perna com a Jundiaí um nio inventou a bestialidade de um contra-fluxo, sinal perfeito da mentalidade moder­nosa que nos cerca.