terça-feira, 1 de maio de 2012

PALESTRA NA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO-



AUDITÓRIO DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO

Ilustríssimo Sr. Dr. Odúlio Botelho Medeiros, Presidente da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN, em nome de quem cumprimento os demais membros da mesa, já nominados.
Caros amigos e confrades, dando continuidade às palestras mensais realizadas pela ALEJURN, hoje, com a homenagem feita pelo acadêmico José de Ribamar de Aguiar ao seu patrono FERNANDO DE MIRANDA GOMES, venho, a convite do presidente Odulio, prestar algumas informações acerca do Instituto Norte-Rio-Grandense de Genealogia – Instituição que presido desde sua fundação.

A história de nossa Instituição começou no ano de 2009, logo após eu ter lançado o livro Genealogia dos troncos familiares de Goaninha. Nessa pesquisa, que durou quatro longos anos, mergulhei de corpo e alma, num trabalho que, apesar de estafante (já que chegava a trabalhar até 16 horas por dia), propiciou-me, além do prazer intelectual, a dádiva do relacionamento humano-familiar com pessoas que até então não conhecia.
No período em que durou a pesquisa, pude sentir na pele as enormes dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores, principalmente por aqueles que se dedicam ao estudo das famílias, os denominados genealogistas. Poucos e precários são os locais onde podemos realizar essas pesquisas. O material disponível é escasso, disperso e, na maioria das vezes, só são encontrados nas Cúrias, Cemitérios e Cartórios que, não raro, alegam falta de funcionários, dificultam ao máximo o acesso dos pesquisadores a esses documentos.
A falta de contato entre os pesquisadores aumenta, sobremaneira, as dificuldades na realização das pesquisas, uma vez que, ao tomar de forma solitária suas anotações, elimina a possibilidade da troca de informações genealógicas – prática comum entre os estudiosos da genealogia.
Fazia-se mister a criação de uma entidade que atendesse essas necessidades. Nela seria disponibilizada uma biblioteca específica. As doações de livros e outros materiais de pesquisa seriam feitas, principalmente, pelos seus integrantes, já que cada um de nós pesquisadores guarda um pequeno acervo em sua residência.
O local ficaria à disposição dos pesquisadores/historiadores, onde, além de contar com um bom acervo a sua disposição, poderiam dividir com outros companheiros, experiências e informações. Todo esse material também ficaria à disposição da comunidade, que poderia contar com a orientação dos pesquisadores, caso desejasse se iniciar nessa atividade, movida pela curiosidade, ou mesmo pelo desejo de montar sua própria árvore genealógica.
Ao longo desses anos, pudemos constatar que é grande o interesse da população pela pesquisa genealógica. A genealogia, ou Ciência da História da Família, é uma ciência de grande valor para o estudo da História. Registra, sob a forma de texto ou árvore genealógica, a história de nossos ancestrais, com nomes, datas e lugares por onde eles passaram, mantendo-os vivos na memória de seus descendentes ou de quem interessar possa. O historiador vê a massa como um verde ondear de selva. Já o genealogista exuma-lhe a raiz em busca do seu mistério.



           
RIBAMAR DE AGUIAR, ODÚLIO BOTELHO, ORMUZ SIMONETTI E ALDO MEDEIROS



O filósofo italiano Norberto Bobbio refere-se à Genealogia com a seguinte citação: “Se o mundo do futuro se abre para a imaginação, mas não nos pertence mais, o mundo do passado é aquele no qual, recorrendo a nossas lembranças, podemos buscar refúgio dentro de nós mesmo. Cada um olha o passado à sua maneira. Uns com nostalgia, outros, com a certeza de que nele se encontra fonte de conhecimento e de meio de passagem de testemunho, da herança cultural de um povo e, na generalidade, de toda a Humanidade”.
Luís da Câmara Cascudo escreveu: “Não é possível ser-se vaidoso estudando História. Em poucas páginas amarelas toda uma vida se resume. Aqui é o batizado, além o casamento, depois matrimoniam-se os primeiros filhos e logo deparamos com a morte. Leva-se dez minutos a ler e ali está toda uma existência, com suas vaidades, esperanças, ambições e desânimos. Não há nada mais carinhoso, acolhedor, mestre de modéstia, de simplicidade, doador de paz interior, que o estudar-se genealogia junto a papéis velhinhos e esquecidos”.
Ao tomar conhecimento do nosso livro, o Presidente do Tribunal de Contas do Estado, conselheiro Valério Mesquita, promoveu um encontro com o também pesquisador e genealogista Anderson Tavares. Em meio a nossa conversa, confidenciei-lhe o sonho de fundar, em nosso Estado, uma instituição voltada principalmente para o estudo genealógico. Nascia naquele instante uma parceria de sonhos e ideias que veio a culminar com a criação do INRG. Sabíamos de antemão que seria tarefa difícil, mas, mesmo assim, não nos intimidamos e partimos para a luta.  




              
                                   ORMUZ SIMONETTI, EIDER FURTADO E ASSIS CÂMARA


Então, na noite do dia 17 de setembro de 2009, na sede da Academia Norte Rio-grandense de Letras, em Assembleia aberta pelo seu presidente – acadêmico Diógenes da Cunha Lima, que em seguida nos passou o comando dos trabalhos, foi criado o Instituto Norte Rio-grandense de Genealogia. Naquela ocasião, estavam presentes 40 personalidades do meio literário e cultural do nosso Estado, que, em apoio a nossa causa, passaram a fazer parte como sócios fundadores da novel instituição.
O instituto tem por finalidade, segundo o nosso Estatuto, promover e estimular estudos sobre Genealogia, especialmente, a norte rio-grandense, e sua interação com a História do país, estudos estes que poderão estender-se a disciplinas afins, tais como, História, Heráldica, Paleografia, Informática e Arquivística, aplicadas à Genealogia.
Logo em seguida, participamos do Primeiro Encontro Norte Rio-grandense de Genealogia, na cidade de Caicó-RN, promovido pelo prefeito Rivaldo Costa, um apaixonado pela Genealogia, e também sócio fundador de nossa Instituição.
Esses eventos se sucederam nos dois anos seguintes, com grande participação de vários genealogistas do nosso Estado, inclusive alguns procedentes de outros Estados da federação, como Paraíba, Pernambuco e Ceará. A população também teve participação bastante expressiva e com notório interesse aos temas abordados, principalmente nas mesas de debates, onde eram frequentes os apartes da plateia.
Em outubro de 2010, participamos do III Encontro de Escritores Potiguares, realizado pela União Brasileira de Escritores do Rio Grande do Norte, a partir de quando ficamos parceiros e solidários. Naquela ocasião, apresentamos à comunidade estudiosa nos assuntos genealógicos, através de nossa confreira Edite Carboni, o extraordinário trabalho realizado pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mais conhecida como igreja dos Mórmons, da qual ela faz parte. Foi nos Centros de História da Família, denominados CHF, mantidos pela Igreja, onde encontrei as portas sempre abertas e a boa vontade de seus administradores. Lá, desenvolvi boa parte da minha pesquisa. Essa instituição religiosa tem, entre seus preceitos, o estudo da Genealogia. Um de seus rituais sagrados é a “ordenança vicária ou ordenança para os mortos”, que significa o batismo de ancestrais que morreram sem o conhecimento do evangelho. Para seus seguidores, é necessário que se conheçam os dados relativos a cada antepassado morto, a fim de que aquele ente falecido possa ser batizado – representado por um parente vivo –, e alcance a salvação. Tal situação transformou cada membro da Igreja em um potencial pesquisador genealógico. Atualmente, a Igreja está presente em 170 países, com 14 milhões de seguidores e 4.500 Centros de História da Família. Nesse contexto, o Brasil ocupa o 3° lugar no mundo, em número de seguidores. Em Natal, existem 4 CHFs que funcionam diariamente e estão à disposição da população, para as pessoas que se interessarem pela pesquisas genealógicas.
Os mórmons transferiram, para os seus arquivos, dados genealógicos pesquisados ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Fizeram isso através de trocas: salvaram toda essa documentação que estaria, sem a ajuda deles, em parte, irremediavelmente perdida, assim como se perderam, no passado, grande parte dos documentos históricos brasileiros. Por onde passaram deixaram um novo conceito de responsabilidade com a documentação histórica, além de fornecerem as duplicatas dos microfilmes aos arquivos dos países, onde realizaram as pesquisas. Esses dados foram colhidos em arquivos de dioceses, cartórios, cemitérios, e até nas listas de passageiros de navios que migraram para outros países, como no caso do Brasil. A importância que dispensam a esse material genealógico é tamanha, que os microfilmes são guardados em um abrigo com temperatura controlada, à prova até mesmo de ataque nuclear, localizado no interior de uma montanha de granito, em Salt Lake City, Estado de Utah, no Oeste dos Estados Unidos, onde fica a sede da Igreja.


                 


    Em 26 de novembro de 2010, tivemos nossa instituição reconhecida como de Utilidade Pública Estadual, através da Lei N° 9.411 de 23 de novembro de 2010. E, em 14 de dezembro, fomos reconhecidos como de Utilidade Pública Municipal, conforme Lei n° 6.170 de 13 de dezembro daquele mesmo ano.
            Desde que o Instituto foi criado, que nos sentimos incomodados com o fato de não termos uma sede própria. Entendemos ser a principal condição de sobrevivência das Instituições, que sejam possuidoras de sedes próprias. A História tem nos mostrado que a falta desses locais tem se constituído num dos principais causadores de dissolução das instituições recém-criadas.
            Foi com esse pensamento, que, desde o primeiro dia de sua fundação, lutamos por um local para abrigar nosso acervo, receber visitantes interessados em nossas pesquisas e, principalmente, propiciar aos confrades um local onde possamos nos reunir para trocarmos experiências e tomarmos decisões que ajudem a fortalecer nossa Instituição.
            No início do mês de abril de 2010, procuramos o então Secretário de Administração do Estado, Dr. Paulo César Medeiros. A ele relatamos nosso desejo de ter um local onde pudesse funcionar nossa instituição. O pedido foi prontamente por ele aceito e louvado. Dias depois, em 27 de abril de 2010, foi emitido um ofício circular solicitando que lhe fosse informado sobre a existência de imóveis vagos, desocupados ou desativados, os quais pudessem atender nosso pleito.
            A partir dessa circular, fomos informados da existência de um prédio localizado na Av. Prudente de Morais, próximo à Academia Norte Rio-grandense de Letras, por sorte, nossa sede provisória. Esse prédio, onde outrora funcionou o Centro de Artesanato Papa Jerimum, há anos encontra-se abandonado e interditado pelo Corpo de Bombeiros. Deu-se, então, início ao processo n° 145.846/2010-1, que solicitava a cessão daquele imóvel.
            Meses depois, recebemos notificação de Dr. Francisco de Sales Matos, procurador do patrimônio do Estado, dizendo da impossibilidade de ocupar aquele imóvel, visto que o mesmo estava sendo reivindicado pela Escola Estadual Augusto Severo, que fica vizinho ao referido prédio. Era desejo da Direção daquele estabelecimento de ensino construir, naquele local, uma biblioteca para atender seus alunos.
            Imediatamente, declinamos do nosso pleito por entendermos ser justa a reivindicação do colégio, mesmo sabendo que seria tarefa bastante difícil, a sua realização. Além do mais, não tínhamos nenhuma pretensão em nos envolver em um possível litígio com aquela entidade de ensino.
            Em conversa com Dr. Francisco Sales, ele nos informava da possibilidade de ocuparmos o terreno pertencente ao Estado, localizado na esquina das Ruas Dr. José Gonçalves e Antônio Basílio, que há vários anos estava abandonado e fora invadido por marginais. Atualmente, a área abriga irregularmente um estacionamento pago, explorado por terceiros, e, apesar de algumas ações promovidas por esta Casa, ainda não foi possível sua reintegração.
            
                           
                                 ORMUZ BARBALHO SIMONETTI

Demos prosseguimento ao processo com esse novo pleito e desta feita a solicitação englobava mais duas instituições culturais: A Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN, que atualmente tem sua sede provisória nesta Casa, e a União Brasileira de Escritores Seção Rio Grande do Norte, que, naquela ocasião, tinha sua sede igualmente provisória no Memorial Vicente de Lemos, prédio anexo ao Tribunal de Justiça.
            Em junho de 2011, a União Brasileira de Escritores foi injustamente determinada a não mais realizar reuniões no Memorial, mesmo depois que seu presidente, Eduardo Gosson, que também é funcionário do Tribunal, ter sido responsável pela total recuperação do prédio, que se encontrava em estado deplorável e ameaçado por algumas “cabeças pensantes” do referido Tribunal, que pretendia demoli-lo para transformá-lo em estacionamento, o que felizmente não aconteceu. Imaginem os senhores que esse prédio histórico, outrora abrigou a família do Dr. Barata.
            Atualmente, a UBE-RN se encontra na condição de “sem teto”, e, a exemplo do INRG, com endereço provisório na Academia de Letras do RN.
            Acreditei que com a parceria dessas duas instituições, principalmente a ALEJURN, que tem entre seus sócios vários dos procuradores que integram os quadros dessa honrosa Casa, nada nos impediria de alcançar nosso intento. Confesso que ergui castelos e fiz planos para essa nova casa de cultura. E, como irrecuperável otimista, fui além nos meus devaneios. Solicitei ao confrade Carlos Gomes que convidasse seu irmão, o renomado arquiteto Moacyr Gomes, para projetar, sem ônus, a título de colaboração com a cultura de nosso Estado, a planta do prédio que abrigaria essas três instituições. Ledo engano. Mais uma vez nos deparamos com a contumaz dificuldade imposta por algumas pessoas, e até com argumentos que nos entristecem – alegou o analista que, como aquele espaço era um terreno localizado em área nobre, jamais poderia abrigar instituições criadas “ontem”, e pasmem, sem nenhuma expressividade. Infelizmente, é esse o tratamento que se dá à cultura em nosso Estado.
            Em verdade, esqueceu o analista que a União Brasileira de Escritores do RN foi fundada em 14 de agosto de 1959, tendo como seu primeiro presidente Raimundo Nonato da Silva e, no conselho fiscal, figuras como Luís da Câmara Cascudo, Edgar Barbosa, entre outros.
            Prosseguimos em nossa luta. Tivemos diversas reuniões com o Procurador Geral, também membro da ALEJURN, Dr. Miguel Josino Neto, que, desde o início, demonstrou grande interesse pela cessão do referido imóvel.
            Com o parecer desfavorável para a ocupação daquela área, Dr. Miguel Josino nos informou que, em audiência com a Governadora Rosalba Ciarline e o então chefe da casa civil, secretário Paulo de Tasso Fernandes, foi autorizado a localizar, entre os imóveis pertencentes ao Estado, um local que atendesse nossas necessidades e que tivesse as mesmas características, quanto à área e à localização.
            Acompanhado de funcionários do setor de patrimônio dessa procuradoria, juntamente com os confrades Jurandyr Navarro e Luciano Nóbrega, partimos em busca de um "milagre": porém, como eles também acontecem, após percorrermos alguns locais na área do Centro Administrativo, fomos alertados, por um dos funcionários que nos acompanhava, da possibilidade de nos instalarmos no local conhecido como Presépio de Natal, que se encontra há vários anos, em total estado de abandono e sendo depredado por vândalos e moradores de rua. O referido prédio atendia bem nossas expectativas, principalmente no que se refere ao acesso e à localização, pois, sendo essas Instituições compostas, em sua maioria, por pessoas de idade, esses itens eram de suma importância, em nossa avaliação.
            Na ocupação daquele espaço, ganharia principalmente o Estado, ao se livrar do ônus de conviver com a incômoda situação de ter sob sua responsabilidade um prédio que, na época, custou aos contribuintes mais de um milhão de reais. Por outro lado, ganharia a cultura de nosso Estado, ao localizar num mesmo espaço físico, três instituições culturais, que, a despeito de estarem enfrentando todas essas adversidades, orgulham-se de ser das poucas instituições culturais a continuar produzindo cultura em nosso Estado.   
            Durante o ano de 2011 tivemos, com o Procurador Geral Dr. Miguel Josino Neto, pelo menos 15 reuniões, na tentativa de conseguirmos uma área para abrigar essas instituições. Nessas reuniões sempre me fiz acompanhar pelos membros da ALEJURN – os procuradores Dr. Jurandyr Navarro, que naquela ocasião presidia a Instituição, e atualmente digníssimo presidente do Instituto Histórico e Geográfico do RN e o Dr. Luciano Nóbrega, também um incansável nessa luta. Infelizmente, até a presente data, nada conseguimos.
            Por enquanto, nossas reuniões estão sendo realizadas no escritório do confrade Carlos Gomes, que, desde o início, gentilmente, nos franqueou espaço em seu escritório.
            No último mês de março, após tantas decepções, fomos recompensados pela nossa insistência, na luta para fortalecimento de nossa instituição, dotando-a de equipamentos para melhor desenvolver nossas pesquisas. Recebemos como doação da Secretaria da Receita Federal, em processo iniciado ainda no ano de 2010, diversos equipamentos e materiais que serão utilizados nas nossas pesquisas. Todo esse material ficará à disposição de nossos confrades. Computadores, impressora, máquinas fotográficas, micro system, DVDs e pendrives passaram a fazer parte do nosso acervo, e já se encontram devidamente registrados em livro de tombo. Também recebemos doações de equipamentos eletrônicos feitos pela Associação Atlética do Banco do Brasil.
            A dificuldade sempre foi nossa companheira inseparável. Até mesmo para obtermos o simples registro de nossa Instituição, fomos obrigados a entrar com recurso junto à Corregedoria Geral de Justiça. A tabeliã encarregada do registro recusava-se, peremptoriamente, a fazê-lo, alegando a prosaica exigência para que apresentássemos dois originais da Ata de Fundação, o que certamente não seria possível, visto que “original” trata-se apenas de uma única coisa. Com base em nosso recurso, no dia 22 de junho de 2010, foi baixado pelo Desembargador João Rebouças, Corregedor Geral de Justiça, o Provimento 57, que passou a dirimir todas as possíveis dúvidas quanto à documentação exigida, por ocasião do Registro Civil de Pessoas Jurídicas, fato que gerou repercussão no meio jurídico.
            Mesmo após tantas idas e vindas, ainda continuamos firmes no nosso propósito de conseguir um abrigo para essas Instituições. Desistir jamais. A cada malogro, aumenta nossa disposição para a luta, pois nossa maior virtude é sermos, irrecuperavelmente, otimistas e sonhadores. Vamos, agora, em busca da criação da nossa revista, pois já dispomos de um blog, criado por iniciativa deste que vos fala. Faço aqui referência às sábias palavras do ex-governador Cortez Pereira: “Se unidos já somos fracos, desunidos não somos nada”.

Obrigado a todos. 

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O BARLEAUS ESTÁ DE VOLTA

         O Presidente do I.H.G. R.N, Juramdyr Navarro, Gutemberg Costa e Ormuz Simonetti




FINALMENTE O BARLAEUS RETORNA AO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE.


O livro escrito em 1647 pelo historiador e teólogo holandês Gaspar Von Barlaeos retrata o nordeste do Brasil durante a ocupação holandesa, com foco principal na cidade de Olinda. 
Gasper Von Barleus foi quem cunhou, em 1660, ao escrever Rerum per octennium in Brasilien, a expressão "ao sul da linha equinocial não se peca". Em português, ela se tornou conhecida e mesmo popular entre nós, depois que virou o primeiro verso de um dos maiores sucessos de Chico Buarque, na voz de Ney Matogrosso, utilizada como tema de novela da Globo: Não existe pecado do lado de baixo do Equador o autor depois de visitar o Brasil, registrou a frase num livro de viagens que escreveu, fazendo o seguinte comentário: “é como se a linha que divide o mundo separasse também a virtude do vício.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

PIPA, TERRA DE NINGUÉM – Parte II


Uma noite tranquila é direito de todos




          No sábado de aleluia a Pipa foi palco de uma situação que além de inusitada, arrisco a afirmar não ter precedente em nenhum lugar onde convivam pessoas com um mínimo de civilidade. Para que o Padre pudesse celebrar a Santa Missa, já que uma das casas alugadas fica ao lado da Igreja, foi preciso que a polícia se posicionasse ostensivamente em frente à residência e negociasse com os seus integrantes, o desligamento provisório do som, pelo menos enquanto durasse a celebração. Mesmo assim, antes do término da missa, o som retornara com toda sua potência.

          Nos Estados de origem da maioria desses vândalos, Pernambuco, Paraíba e Ceará, tenho certeza que esse tipo de comportamento, além de não ser permitido, seria rechaçado pela população e pela própria polícia, seguramente, com respaldo das autoridades locais, fazendo-se presente e coibindo esse comportamento marginal. Certamente, alguns potiguares que participavam dessa orgia, também fazem parte desse acinte.

No Rio Grande do Norte e principalmente na praia da Pipa, ao que parece, tudo pode. E, com base nessa premissa, eles sempre estão de volta. No próximo feriadão, lá estarão novamente promovendo todo tipo de desordem e afrontando as famílias que tiveram a infelicidade de ter suas casas de veraneio na praia da Pipa, ultimamente, terra de ninguém. 

          Nós, veranistas e assíduos frequentadores dessa praia, já pagamos nossa cota de sacrifício, quando somos obrigados a conviver com um trânsito caótico, sem regras nem orientação. A ausência do poder público municipal é gritante. Os carros são estacionados ao bel prazer dos motoristas, muitas vezes estimulados por “flanelinhas” que no afã de ganhar alguns trocados, interrompem o trânsito com estacionamentos irregulares, principalmente quando são feitos em frente a garagens. O pior é que não temos a quem recorrer. Muitas vezes já fui impedido de sair de minha garagem, por haver um carro estacionado de forma irregular, e o proprietário em local ignorado.

          Na parte baixa da praia, onde se concentra a maioria dos carros, não existe e nem nunca existiu, nenhum servidor municipal para organizar o estacionamento e o fluxo dos veículos. Tudo é feito na base do “salve-se quem puder” e sob orientação dos “flanelinhas”. O turista que tiver a desventura de chegar à praia da Pipa por volta do meio dia dirigindo seu próprio veículo, certamente não levará boas recordações e irá pensar duas vezes, antes de retornar numa outra oportunidade.

           Quando não cuidamos de nossa própria casa, sempre aparece alguém para exercer esse “direito”. A liberdade aos poucos vai sendo retirada, sem que reclamemos ou protestemos até que um dia descobrimos que nada podemos dizer. É preciso despertar. Lembro-me do poeta Eduardo Alves da Costa, autor de alguns dos maiores e mais belos poemas da língua portuguesa, publicado na década de 60. Peço vênia, para citar fragmento do poema: No Caminho, com Maiakóvski.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada”.

E aqui fica a pergunta que não quer calar: é esse o Estado que se diz apto a receber a Copa do Mundo? Talvez tenhamos que pagar um alto preço pela vergonha do fiasco que poderá estar por vir. Como dizem ser o tempo o senhor de tudo, só ele será capaz de responder a esse questionamento.

Quem viver, verá.








sexta-feira, 13 de abril de 2012



PIPA, TERRA DE NINGUÉM – Parte I

Uma noite tranquila é direito de todos

         Há anos que o um dos mais famosos balneários do Brasil, a praia da Pipa, vem convivendo com um problema recorrente, e aparentemente sem solução. Quando acontece grandes feriados, horda de jovens, na sua grande maioria, procedentes de outros Estados, desembarca na praia da Pipa com o propósito de diversão a qualquer custo e a nítida intenção de transgredir a Lei e a Ordem pública.
         Foi o que aconteceu no último feriado da Semana Santa. Apenas três casas foram alugadas pelos seus proprietários, porém, o suficiente para deixar toda a parte baixa da praia, onde se concentra a maioria das casas de veraneio, em polvorosa.
         Quando acontecem esses aluguéis, os contratantes tratam diretamente com os proprietários e depois vendem os ingressos aos que desejarem participar da “festa”. Geralmente casas que comportariam de doze a quinze pessoas, são acomodadas, se é que podemos chamar de acomodação, até setenta indivíduos em sua maioria, constituída por jovens de ambos os sexos.
         Munidos de equipamentos de som de alta potência, são ligados em todo o volume o que resulta num verdadeiro pandemônio. Nessas casas, para chamar a atenção, são colocadas faixas e cartazes com palavras obscenas e algumas exibem, com pequenos disfarces, a genitália masculina, indicando ser ali a Casa de todos. Não fosse esse cronista de página limpa, tentaria levar o leitor a identificar o verdadeiro nome.
         Dentro delas a visão é estarrecedora. Homens e mulheres se entregam a uma orgia sem precedente. O álcool comanda o ambiente e dita o ritmo da festa. As mulheres, normalmente mais vulneráveis aos efeitos das bebidas alcoólicas, são as que mais se destacam e se exibem. Em notória degradação de sua dignidade, convidam, através de musiquetas com cunho sexual, cantadas em coro, futuros parceiros, com se fossem mercadoria em liquidação. Numa verdadeira afronta as famílias que residem nas adjacências, bem como aos turistas, palavrões de toda espécie são recitados em alto e bom som, independentemente de quem estiver passando nas imediações. Famílias quando acompanhadas de menores, se apressam para escapar daquele ambiente de permissividade comportamental e promiscuidade social e moral.
         Quando a noite chega os grupos continuam no mesmo ritmo que iniciaram, porém, a embriaguez já tomou conta da maioria dos participantes. E assim continuaram durante todo o feriado. Enquanto alguns dormem, obviamente, vencidos pelo cansaço misturado ao estado de embriaguez, outros continuam na farra, de maneira que o som permaneça ligado no último volume.
         É notória a indolência do poder público Municipal e principalmente a ausência do Estado, com relação ao policiamento, já que este é de competência do Governo Estadual. O efetivo responsável pela manutenção da ordem e da lei, em todo o balneário, é de apenas três homens. Segundo especialista em segurança pública, em razão das características e peculiaridades da praia da Pipa, esse número seria de no mínimo, dez homens para atender a demanda, principalmente durante os feriados prolongados. Imagine, meu caro leitor, o que é passar a noite fazendo rondas, solucionando conflitos dos mais diferentes níveis sem que o Estado lhes ofereçam as condições necessárias ao bom desempenho de suas funções constitucionais. É um caos. E mais. Há relatos de que as gratificações prometidas para o período do veraneio, ainda não foram lançadas nos contracheques dos valorosos militares.  
         Além do mais, pergunta o Agente, o que poderia fazer o policial para coibir esse tipo de abuso? Sem o apoio do Judiciário e do Ministério Público, seus poderes são altamente limitados. Questiona-se.
E foi o que aconteceu. Quando o policial ao se aproximar da residência para solicitar que o som fosse diminuído, um dos participantes o admoestou: “se não tem mandado a conversa é do portão pra fora”. De antemão, o policial sabe que dentre aquelas pessoas, existem vários advogados “com notórios saber jurídico” que conhecem bem “seus direitos”, mas infelizmente usurpam, ofendem e fazem menoscabo com os direitos alheios. Temendo a desmoralização, o agente da lei procura através de conversa, em sua maioria sem êxito, convencê-los a atender o clamor da população e pelo menos diminuir o volume do som, para que principalmente idosos e crianças possam dormir em paz.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 
         Mesmo se os moradores-veranistas quisessem usar do direito assegurado no art. 42, III da Lei das Contravenções Penais, iriam até a Delegacia de Policia Civil e fariam um Termo Circunstanciado de Ocorrência, objetivando a solução do conflito. Ocorre, porém, que na Delegacia de Policia Civil da praia da Pipa, tem apenas um agente e, pasmem, sem viatura. Nesse caso, não restaria nenhuma outra solução a não ser reclamar ao Senhor Bispo, Dom Jaime, representante de Deus entre os homens. 
Diferentemente, na praia de Pirangí acontecia problema semelhante. Mas, ao que pude apurar, as autoridades competentes dotaram, os policiais de instrumentos legais, previstos em nossa Constituição, para que pudessem ser utilizados no cumprimento da lei. Munidos de Mandado Judicial, aos policiais era permitido adentrar ao ambiente e apreender o equipamento de som que estivesse em desacordo com a legislação, caso o infrator se recusasse a cumprir o que determina a lei.   
                                                                        Solicitamos aos leitores que se manifestem a respeito da matéria para que possamos pressionar as autoridades competentes.

terça-feira, 3 de abril de 2012

CENAS URBANAS - Crianças Invisíveis

O Tráfego fluia normalmente.
Os veículos desfilam imponentes. A paisagem se descortina generosa. Os mundos se dividem nos limites dos vidros que abrem e fecham automaticamente ao leve toque dos motoristas. Lá fora um calor escaldante exaure as pessoas. Ali dentro uma amena temperatura aconchega o ambiente.

O sinal fecha. Rangidos de freios ecoam no ar. Como surgidos do nada, um pequeno exército de pessoas muda a paisagem. São vendedores ambulantes, mendigos, aleijados arrastando-se no asfalto, crianças famintas que mal balbuciam um pedido ininteligível de uma moeda, velhos e suas mãos tremulando no vazio, malabaristas e acrobatas que disputam a atenção e alguns trocados dos motoristas e passageiros.

Os dois mundos se encontram. Perplexidade e indiferença são sentimentos conflitantes e a ação, um ato constrito. O “levantar” dos vidros dos luxuosos carros substituem os limites da humanidade. Os olhos cravados no semáforo inibem, propositalmente, o contraste do momento.

O sinal abre. Tudo se movimenta e os mundos voltam a se separar. Pelo retrovisor, o olhar faminto da criança parece distante. Apenas parece, pois, num passe de mágica, no próximo sinal, a cena se repete. Como poderia aquela criança está aqui novamente. Não, ela não está! É outra criança. São outras crianças espalhadas por todos os semáforos das ricas avenidas da cidade. A pobreza não tem várias faces, semblantes diferentes. Todas parecem miseráveis, sujas, abandonadas, iguais. Todas são iguais em suas carências, em sua ânsia desesperada de misericórdia, em seus mudos lamentos.

O sinal abre. E reabre. E, em cada um deles, todos os dias, as muitas cenas urbanas se repetem no contraste das desigualdades.

O tempo passa. Sinais abrem e fecham sem parar. As distâncias entre os mudos: pobre e rico, aumentam sem parar.

Certo dia, em um dos muitos semáforos do seu caminho habitual, aquele indiferente motorista se depara com uma pequena aglomeração em torno de um cadáver postado na pista. A polícia algemara um jovem, quase criança. O motorista olhou com um pouco mais de atenção e deparou-se com um rosto conhecido. Indignado pensou:

- Meus Deus, era um daqueles garotos que mendigavam no semáforo da avenida Roberto Freire, há tão pouco tempo. Nunca mais o tinha visto. Que marginal, como pode a maldade humana chegar a esse ponto. Acabar com a vida de alguém sem qualquer motivo. Ainda bem que eu nunca me dispus a ajudar a nenhum deles.
O corpo jazia inerte.

Logo aquela vida seria apenas um desenho no asfalto.

Para aquele jovem, preso e algemado, a vida sempre fora um desenho, um mal acabado esboço colorido com as frustrantes tintas dos descasos e desmandos do poder constituído e da indiferença social. No meio da pequena multidão, alguém mais exaltado, falava de dignidade humana.

Imagine, alguém, repentinamente, lembrar da dignidade humana como se ela fosse apenas uma palavra.  E como falamos em dignidade humana. Mas, o que é dignidade humana?

(Cena Urbana, texto de autoria de Adauto José de Carvalho Filho, Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil Aposentado, Bacharel em Direito, escritor e poeta)

sexta-feira, 16 de março de 2012

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA . . .





O ditado é antigo, embora muitos ainda insistam em não levá-lo a sério e paguem caro por isso. Nesse caso específico, quem está pagando mais uma vez somos nós, indefesos contribuintes. Há anos que assistimos o nosso dinheiro ser literalmente jogado no mar. Na melhor das hipóteses, por incompetência dos nossos administradores ou, propositalmente, para que os serviços “ rendam um pouco mais”.
Embora não tenha formação em Engenharia, basta ser bom observador para constatar que os muros de arrimo construídos nas praias de nossa capital, com o intuito de proteger os calçadões contra a força das vagas nas grandes marés, não irão funcionar a contento, pois lhes falta um importante complemento para evitar um impacto das ondas diretamente no muro de arrimo.
O pouco espaço existente entre a preamar e os calçadões de nossas praias elimina qualquer possibilidade de construção de um “dissipador de energia” – bastante utilizado em outros Estados e com bons resultados, desde que exista espaço suficiente para sua edificação.
A construção do muro de arrimo poderá surtir efeito desejado, desde que seja complementada com a técnica do sistema de gabião, a exemplo do que vem sendo largamente utilizado nas casas de veraneio na Praia da Pipa, com excelentes resultados até os dias de hoje.
A complementação ao muro de arrimo ao sistema gabião – estruturas armadas, flexíveis, drenantes de grande durabilidade e resistência – as quais teriam entre 1,5 e 2 metros de largura, eliminaria definitivamente a destruição desses calçadões. Nos gabiões tradicionais são utilizadas telas de ferro galvanizado para acomodar as pedras, porém, nesse caso, por tratar-se de beira de praia, eles seriam construídos com toras de madeira de lei fixadas no solo e traspassadas horizontalmente com a mesma madeira, de menor espessura, ponteadas com varões de aço inoxidável, que têm grande durabilidade.
Essa grande “caixa de pedras” teria a função de amortecer o impacto das ondas, mesmo as de maior intensidade que, ao se chocarem com a caixa, apenas movimentariam pedras soltas que logo se acomodariam, evitando, assim, qualquer impacto direto no muro principal. Além disso, ainda teria a função de passeio, pois bastaria cobri-la com tábuas de assoalho em toda a largura e extensão, para aumentar o calçadão original.
Sabemos, por experiência própria, que o principal causador da destruição desses muros de arrimo feitos para conter a força das águas é, sem dúvidas, o seu próprio peso. No instante em que surge a primeira fissura ocasionada pelo impacto incessante das ondas, é exatamente o peso dessas estruturas que, convergindo para o mesmo ponto, contribui e apressa o desmoronamento da mesma.
Há vários anos, na Praia da Pipa, onde tenho uma casa de veraneio que é constantemente assolada pelas ondas por ocasião da preamar, fui responsável pela construção de pelo menos meia dúzia desses gabiões, inclusive o de minha casa. Alguns deles já contam mais de 15 anos. Até hoje, continuam exercendo sua função de conter a força das ondas, principalmente nas grandes marés, sem que estas tenham causado o menor dano às estruturas protegidas.
Certa vez, um grande navio encalhou próximo à Praia da Redinha, quando tentava manobra naquelas águas. Por várias semanas, rebocadores tentaram desencalhá-lo, porém, sem sucesso. Técnicos vindos da Alemanha, contratados pela empresa proprietária do navio, também estiveram no local e, entretanto, não conseguiram desencalhar a nave, que permanecia abatida, presa nas traiçoeiras areias submersas da Praia da Redinha. Na beira mar, um velho pescador,
sentado em um tronco de coqueiro, observava toda aquela movimentação. Pitando um cigarro de fumo de rolo, consertava sua rede de pesca. Suas mãos enrugadas trabalhavam com impressionante agilidade, enquanto seus olhos permaneciam fixos na embarcação encalhada. Em dado momento, comentou com um companheiro: “sei como desencalhar aquele navio”. A notícia chegou aos ouvidos do comandante da operação que, apesar de incrédulo, mandou chamar o “velho lobo do mar” para ouvir suas explicações. Este, numa simplicidade quase ingênua, disse: “Doutor, comece a esvaziar os tanques lastros – compartimentos especiais dos navios que se enchem de água para lastrear a embarcação quando sua carga é muito leve –, que quando a maré tiver na preamar, os rebocadores conseguem puxar o navio”. Na madrugada daquele mesmo dia, o navio foi desencalhado sem maiores problemas. Portanto, na maioria das vezes, as soluções estão nas coisas mais simples e baratas. Basta ouvir um pouco a população e tirar proveito de suas experiências.

Natal, março de 2012.

quinta-feira, 1 de março de 2012

CARTA AO AMIGO – NOTÍCIAS DA PIPA (Segunda parte)

Praia da Pipa - RN

Cheguei a Praia da Pipa, no dia 1 de janeiro, para iniciar o meu sexagésimo primeiro veraneio. Alguns veranistas aqui já se encontravam, pois vieram passar a virada do ano. Todos os finais de ano, jovens de vários Estados da federação e também de outros países, aqui aportam para passar o réveillon, o que transforma a praia num verdadeiro formigueiro humano. Quando os últimos minutos em que o ano velho agoniza, milhares de pessoas acorrem à beira da praia, para ver o espetáculo da queima de fogos. Essa grande concentração humana cria uma visão telúrica quando é iluminada pelo lume vindo dos fogos de artifício, disparados de cima do Morro de Vicência Castelo, ao tempo em que cria uma visão de rara beleza cênica.

Quando retornava da caminhada comecei a avaliar o que havia sido o meu veraneio até aquele dia. Nesses últimos 24 dias, consegui ler dois livros: um romance e outro de memórias. Fiz também inúmeras fotos de diversos locais da praia, destinadas à ilustração do livro sobre a Pipa.

Quando passava pela Praia do Porto, já alcançando as primeiras casas da Praia do Centro, observei a casa do saudoso Maurínio Sena. Depois que ele nos deixou, pouca coisa foi feita naquele velho casarão de tantas lembranças, e que na década de 70 pertenceu ao mestre carpina Francisquinho.


Casa de Maurínio Sena

Continuei minha caminhada e, em frente à Pedra do Santo, como a maré estava bem seca, pouca água havia em seu redor. Ao me aproximar, pude verificar restos de antigos pedestais tombados em épocas passadas e que repousavam submersos nas águas que, de tão transparentes, possibilitava vê-los em detalhes. Esses pedestais abrigavam no seu cimo a imagem de São Sebastião, que é padroeiro do Rio de Janeiro, sua cidade, e também de nossa pequena comunidade. Foram derrubados pelas violentas marés de janeiro. Sempre que ocorre a queda desses pedestais, outro é erguido em seu lugar e a imagem do Santo padroeiro retorna impávido ao seu lugar de origem. Em 2004, pagando promessa, tive a oportunidade de erguer um desses pedestais. Este se manteve até o ano passado.




Restos da casa de Odilon Barbalho

Desse mesmo local, olhando no sentido das casas, a imaginação me levou aos anos passados de minha infância. Pude ”ver”, com os olhos da memória, a casa de meu avô Odilon Barbalho, tal qual era naquela época. Restos da velha construção ainda permaneciam espalhados e meio encobertos pela areia da praia, dando testemunho de que um dia, naquele local, existiu uma das casas mais alegres que conheci. No alpendre apoiado por esteios de pau ferro, as redes armadas balançavam ao sabor do vento. Lá estavam algumas peças de roupa estendidas que tremulavam sem parar, presas em uma corda de agave (sisal) que traspassava de um esteio a outro. Quase cheguei a “ouvir” pessoas conversando alegremente naquele alpendre dos meus devaneios.






















Pousada localizada no antigo quintal da casa de Odilon Barbalho


Segui em frente. Observei casas de antigos veranistas, hoje transformadas em
restaurantes e hotéis. Esqueci um pouco o passado e cheguei à casa do meu irmão Dante Simonetti. Como de costume, subi até seu alpendre e aceitei, de bom grado, uma cerveja bem gelada, gentilmente oferecida por sua esposa e minha prima, Azelma Barbalho.


































Antiga casa de Célio Carvalho



Do seu alpendre, pude ver algumas casas de finados veranistas, atualmente ocupadas por seus descendentes, o que antigamente, em nossa família, era um processo natural – de pai para filhos. Porém, hoje, são exceções. Eles apenas têm conseguido, até então, resistir às ofertas tentadoras trazidas pela especulação imobiliária dos últimos tempos.




Antiga casa de Hilton Lisboa



Antiga casa de Felipe Ferreira




Atual casa de Dante Simonetti

Vi, também, quase escondida por entre tambores de lixo e grades de bebidas colocadas indevidamente no passeio público, a casa de minha querida e saudosa mãe. Gosto de passar em frente. Uma mistura de saudade e melancolia se apodera da minh’alma de maneira avassaladora e as lembranças me remetem aos dias em que conversávamos naquele alpendre ou, simplesmente, fazíamos companhia um ao outro.



Casa de D. Cirene Simonetti


Casa de D. Cirene Simonetti


Sempre me vem à mente sua imagem: deitada em uma rede feita do mais puro algodão do Seridó, estrategicamente armada ao lado Sul do alpendre, de onde o vento sudoeste sopra com mais intensidade nas manhãs abafadas de janeiro. De lá, ela podia, sem maior esforço, solicitar da barraca em frente os petiscos de que mais gostava: camarão no alho e óleo, tainha à milanesa ou uma boa posta de cavala bem acebolada, tudo regado a um bom suco de caju ou, ainda, por suculentas mangabas colhidas nos tabuleiros que, bem cedinho, eram trazidos pela costumeira vendedora. Nesse local, também passava o vendedor de castanha de caju. Embora proibida de comê-las, comprava a guloseima às escondidas. Enfiava tudo no bolso do robe e, aos poucos, sem que ninguém percebesse, devorava uma a uma. Nos lábios, aquele sorriso maroto de quem está fazendo algo proibido. Quando percebíamos a travessura, fazíamos vista grossa e ela ficava toda prosa achando que havia nos enganado. Que saudade!!! Tenho certeza de que essas recordações irão me acompanhar enquanto eu viver. São boas lembranças e eu gosto de tê-las, pois me ajudam a continuar. Jamais me permitirei olvidar de tão preciosas lembranças.

Cheguei a nossa casa e tudo continuava como no dia anterior. Afinal, os veraneios, atualmente, pouco lembram os de outrora, quando somente a família Barbalho/Simonetti veraneava por aqui. O convívio familiar era muito intenso. Não se trata de egoísmo, apenas de um incontrolável saudosismo. Saudade de um tempo quando éramos felizes e sabíamos, mesmo sem que percebêssemos a verdadeira dimensão dessa felicidade. Entretanto, nem tudo está totalmente perdido: quando a noite cai e as areias são envolvidas com seu manto negro, a praia volta às origens. Livre do frenesi de turistas e vendedores ambulantes, ela mergulha no mesmo silêncio de antigamente.

Os turistas e ambulantes já se deslocaram para a “Rua de Cima” onde se concentra os bares, restaurantes e boates. É esse momento sublime que eu gosto de apreciar. Da minha varanda contemplo a velha Pipa por inteiro entregue a exuberância da natureza, iluminada por estrelas ou pelo clarão das noites de lua cheia, quando esta se ergue por trás do morro Vicência Castelo.

Casa de Ormuz Simonetti

O silêncio nos permite escutar o murmúrio das ondas, o som característico do balançar das palhas dos coqueiros açoitadas pelo vento e a inevitável lembrança de velhas canções cantadas em serenatas.

Pois é caro amigo, a nossa praia mudou. O progresso trouxe melhorias, principalmente para os nativos, entretanto é enorme o preço pago pela comunidade. Todavia, suas belezas naturais continuam irretocáveis, principalmente para quem a olha com os olhos de antigamente.

Aqui me despeço, desejando-lhe saúde, ao tempo que renovo o convite para novamente nos visitar. Peço desculpa pelo relato um tanto saudosista, mas espero que tenha estimulado sua curiosidade. Até outra oportunidade ou quando a saudade me lavar a essa bela cidade, onde passei bons anos de minha vida.

Pipa, 26 de janeiro de 2012.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

CARTA AO AMIGO – NOTÍCIAS DA PIPA (Primeira parte)



Foi com imensa alegria que ontem, dia 24, recebi uma ligação telefônica de um amigo, de quem há anos não tinha notícia. Ele informou ter-me localizado através do blog (www.ormuzsimonetti.blogspot.com), quando navegava pela Internet, fazendo um tour pelas praias no Nordeste – um dos seus passatempos preferidos. Leu algumas das minhas crônicas sobre a Praia da Pipa e resolveu entrar, de imediato, em contato comigo.

Em 1988, aqui esteve, quando visitava o Rio Grande do Norte. A meu convite, passou alguns dias em nossa casa na Pipa, tempo suficiente para lhe apresentar a praia de Norte a Sul.

Ficou encantado com a geografia do lugar. Naquela época a praia, ainda um tanto “selvagem”, transmitia àquele carioca, que até então só conhecia as praias de sua região, ares de mistério e aventura. A beleza das falésias, a alvura da areia em contraste com a cor negra dos arenitos ferruginosos, a calidez das águas e sua infinita transparência lhe deixaram deveras impressionado.

Decorridos alguns minutos de animada conversa em que tivemos a oportunidade de reviver velhas lembranças da época que trabalhamos juntos no Banco do Brasil em sua cidade, percebi que havia uma mistura curiosidade e saudade do tempo em que nos visitou, e que essas reminiscências continuavam bem vivas em sua memória. Ao se despedir, cantarolou um trecho da música “Samba em Orly”, de Chico Buarque de Holanda, em alusão aos “anos de chumbo”, época em que participávamos de movimentos estudantis na Cinelândia: “...Vê como é que anda aquela vida à toa e se puder me mande uma notícia boa”. Antes que desligasse o telefone, fez-me prometer que lhe escreveria contando mais notícias desse paraíso – como classificou nossa praia.





Praia da Pipa, 25 de janeiro de 2012.

Meu caro amigo,

Como prometi, seguem notícias desse veraneio, já quase no apagar das luzes, na nossa velha e querida Praia da Pipa.

A quarta-feira iniciava com uma manhã morna e preguiçosa, não obstante as chuvas caídas durante madrugada, anunciando o final da temporada do veraneio de 2012. A maré de vazante mostrava-se ideal para uma caminhada. A preamar tinha ocorrido às 4:56h e a baixa-mar estava prevista para às 11:02h. Lá pelas 10h da manhã, como de costume, minha esposa, uns amigos e eu saímos para fazer nossa caminhada diária. Rumamos para o Norte, em direção à praia do “Curral do Canto”, hoje mais conhecida como “Baía dos Golfinhos”, pois sabíamos que o tempo para ir e voltar seria suficiente até que as águas da maré enchente encobrissem as pedras espalhadas no caminho entre as praias do Porto e do Curral do Canto.

Nesses locais, quando a maré enche, as pedras ficam encobertas pela água, criando grande dificuldade para transpô-las. Quando isso ocorre, não raro alguém sofre pequenos machucados.

Ao contrário da caminhada no sentido Sul, em direção à “Pedra do Moleque” – um dos locais que mais lhe encantou, o trecho da travessia com pedras é bem maior, já o espaço livre desses obstáculos, onde se pode caminhar, é visivelmente menor. Nessa época do ano, o lado Norte tem menos pedras no caminho. Entre a ponta da falésia do Curral do Canto, que se projeta mar adentro, e a Ponta do Madeiro, que tem o mesmo arquétipo, a praia é totalmente livre. Tal situação torna a caminhada segura e prazerosa. Porém, nesse local, o passeio só pode ser realizado com a maré baixa. Para se chegar lá, precisamos atravessar grande quantidade desses “arenitos ferruginosos” que, como já foi dito, estende-se pelas praias do Porto, Porto de Baixo, Baixinha até o início da Praia do Curral do Canto.



Se por acaso o indivíduo, por mera distração ou falta de conhecimento do local e do movimento das marés, demore mais do que é necessário para retornar, certamente, encontrará dificuldades para transpor a faixa de pedras.

As praias situadas no distrito da Pipa têm como principal característica sua proximidade com o mar, por isso, todas as vezes, por ocasião da preamar, as ondas, ao se esparramarem na praia, chegam com facilidade ao sopé das falésias. Ultimamente, com o famigerado aquecimento global, é notório o avanço do oceano em direção ao continente, principalmente na costa nordestina, e isso tem causado muita devastação em diversas praias, inclusive nas praias do distrito da Pipa.

Quem mais sofre com isso são as falésias que, por serem constituídas de material argiloso, não resistem ao impacto das vagas que provocam erosão em suas bases e o seu consequente desmoronamento.

A falésia do Curral do Canto – uma das que mais sofreram com o fenômeno, recebeu, ainda, uma “ajuda extra”: o desmatamento para a construção de um hotel em sua parte superior fez infiltrar as águas de chuva e servidas, o que contribuiu e contribui sobremaneira para o seu constante desmoronamento. Calculo que, nos últimos vinte anos, essa falésia já perdeu mais de 30 metros da parte que se projeta mar adentro.

Em 2009, a força das marés de janeiro provocou na Praia do Madeiro, pelo lado Norte, acentuada devastação. Árvores foram tombadas e algumas construções edificadas indevidamente em seu sopé também foram destruídas.

O mesmo fenômeno ocorre também na Praia do Centro, onde se concentra a maioria das casas de veranistas. Nesse caso, não houve danos, visto que a arrebentação das ondas é contida pelos inúmeros quebra-mares construídos em frente às residências.

A partir do mês de novembro, como é tradição dos antigos veranistas, iniciei uma pequena reforma na nossa velha casa, que ainda guarda alguns traços das antigas construção de taipa. Essa casa é a mesma que você se hospedou quando aqui esteve nos anos 80. Em época remota pertenceu a um pescador nativo da região.



Quebra aqui, conserta acolá, e a pequena reforma logo se tornara grande, com todos os problemas advindos desse tipo de labor.
Como você sabe, parte de minha casa ainda guarda traços da antiga construção, por exemplo: algumas paredes permanecem de taipa e parte da casa ainda era coberta com telhas feitas nas antigas olarias de Aracati. Precisando colocar uma janela numa dessas paredes, ao quebrar parte dela, as madeiras que compunham a estrutura de taipa começaram a aparecer. Os esteios de pau-ferro traçados com varas, amarradas de cipós e cobertas com barro batido, ainda encontravam-se em perfeito estado de conservação. Imaginem que essa construção é de 1920, portanto, com quase 100 anos.

Pude, então, mais uma vez, constatar a segurança e a durabilidade desse tipo de construção, tão comum em toda a zona rural do Nordeste do país.

A reforma me obrigou a ir além do que eu esperava, e as mudanças levaram-me a substituir pelo menos quatro mil dessas telhas. Eram telhas magníficas. Lembro que elas logo chamaram a sua atenção quando aqui esteve. De cor branca, medindo 60cm de comprimento e pesando em média 1,5kg, cada, foram produzidas artesanalmente nas olarias de Aracati – cidade litorânea do vizinho Estado do Ceará. Chegaram aqui no início do século XX, nos porões dos botes dos próprios pescadores que velejavam até o Estado vizinho para adquirir esse material.
Telhas feitas nas olarias de Aracati-CEEmbora na região agreste de nosso Estado já se fabricasse telhas em diversas olarias, o transporte até a Praia da Pipa era muito precário. Como não existia estrada, o único meio de transporte era o lombo de animais de carga, o que, certamente, tornava impraticável o transporte desse material, devido à pequena quantidade de peças que eles eram capazes de transportar por viagem. Restava-lhes, apenas, o transporte pelo mar que, apesar da distância, era economicamente o mais indicado, pois tinham a seu favor o tempo e o vento.



Nos anos 60 e 70, esse tipo de telha cobria a maioria das casas da nossa pequena comunidade. Com a modernidade das construções, aos poucos foram sendo substituídas por telas vermelhas adquiridas nas cerâmicas de Goianinha e adjacências. A nossa casa era uma das últimas a utilizar, em parte de sua cobertura, esse tipo de telha. Obrigado a substituí-las em virtude da reforma, ofereci-as primeiramente à igreja católica, que, em recente reforma, fora coberta com telhas de cimento amianto, as quais, no meu entender, constitui verdadeira agressão à preservação histórica daquele monumento construído na década de 40.

Infelizmente, a doação foi recusada. Sem alternativa, optei por doá-las a um nativo de poucas posses. Para meu regozijo, hoje elas cobrem a choupana onde ele se abriga juntamente com sua família.