sexta-feira, 2 de julho de 2010

ARTIGOS GENEALÓGICOS

Caros amigos e leitores, as 31 crônicas sobre a Praia da Pipa, já se encontram com o editor, e o lançamento do livro está previsto para o mês de outubro próximo. Será lançado pelo selo da UBERN. Entregamos a ilustração do livro ao artista plástico e meu amigo Levi Bulhões. A proposta é fazer uma ilustração, em bico de pena, para cada crônica.

A partir de deste mês, o espaço no periódico O JORNAL DE HOJE, onde eram publicadas as crônicas, estaremos escrevendo artigos genealógicos. Inicio essa nova fase com estórias sobre a vida do Barão de Araruna. Espero contar com o mesmo apreço dos amigos, e estaremos abertos as suas manifestações, críticas e sugestões.
Abraço a todos,

Ormuz Barbalho Simonetti

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SERRA DE ARARUNA-PB



ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG, membro da UBERN e do IHGRN)
www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br

O BARÃO DE ARARUNA

Desde o mês de março deste ano, estamos tendo a oportunidade de assistir pela telinha, na série Vale a Pena Ver de Novo, a trama inspirada no romance Sinhá Moça, de Maria Cristina Dezonne Pacheco Fernandes (1904/1998).

A história trata de disputas políticas no período que antecede a abolição da escravatura no Brasil, na segunda metade do Século XlX. Na trama que é ambientada na pequena e fictícia cidade de Araruna, apresenta o Barão como um rico proprietário de terras e escravos, perverso e autoritário, que tratava seus cativos com extrema crueldade.

O que muitos não sabem é que o Barão de Araruna realmente existiu. Nos idos de 1800, no município paraibano de Pedra Lavrada, microrregião do Curimataú, distante 165 kms de João Pessoa, nasceu Estevão José da Rocha, o verdadeiro Barão de Araruna. O título nobiliárquico foi concedido em 17 de maio de 1871 pela princesa regente.
Quarto filho do casal Antônio Ferreira de Macedo e Ana de Arruda Câmara Ferreira de Macedo, teve como irmãos Antônio Ferreira de Macedo, Vicente Ferreira de Macedo e José Ferreira da Rocha Camporra. No livro “O Roteiro dos Azevedos”, do genealogista Sebastião de Azevedo Bastos, o coronel Camporra é descrito como filho do Barão. Porém, prefiro a versão do escritor paraibano Maurílio Augusto de Almeida, que no livro de sua autoria “O Barão de Araruna e sua prole”, apresenta o coronel Camporra como sendo irmão do Barão, o que tive a oportunidade de confirmar em outras pesquisas que realizei.

Estevão José da Rocha que também era Coronel da Guarda Nacional, tornou-se um dos maiores e mais ricos proprietários de terras no agreste paraibano, tendo fixado sua principal residência no município de Bananeiras, onde possuía grandes áreas plantadas com café, em virtude do clima serrano, ideal para a exploração da cafeicultura.

No Seridó Potiguar, possuía terras principalmente nos municípios de Currais Novos e Santa Cruz, onde se dedicava a atividades pastoris e ao plantio de cereais. Em nosso Estado, sua principal atividade agrícola era o plantio de algodão arbóreo conhecido popularmente como algodão mocó, caracterizado pela sua fibra longa, bastante valorizado no mercado nacional e principalmente no marcado internacional, devido a sua utilização na confecção de tecidos finos.

O Barão de Araruna gozava de grande prestígio junto à realeza e aos poderosos governadores de províncias do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Esse prestígio foi demonstrado quando por volta do ano de 1870, conseguiu junto às autoridades locais, liberar sob sua custódia, um alemão que se encontrava preso em uma cadeia pública no Recife. O interesse do Barão por esse indivíduo deu-se em função de ter sabido que o mesmo era o chefe de máquinas de um navio mercante alemão, que estava ancorado no porto do Recife. Nessa época, o Barão enfrentava grandes dificuldades em sua indústria de beneficiamento de algodão em virtude de constantes defeitos apresentados no maquinário, e os mecânicos locais não conseguiam consertar.

O tal mecânico chamava-se Éric Robert Wladimir Wildt, que além de realizar os consertos necessários nas maquinas, coincidentemente de fabricação alemã, tornou-se amigo do Barão e permaneceu sob sua custódia, não retornando a Recife. Tempos depois veio a se casar com sua sobrinha-bisneta, Maria Bernardina da Rocha (1898/1931), filha de João Toscano da Rocha, que era filho de José Maria Ferreira da Rocha, que por sua vez era filho do Coronel Camporra, irmão do Barão.
Desse casamento nasceram três filhos, todos em Bananeiras: Wladimir Rocha Wildt, Herta Rocha Wildt e Erna Rocha Wildt. O primogênito nasceu em 1920 e posteriormente mudou-se para São Paulo, onde formou-se em engenharia mecânica. Casou-se com Josefina Murem e tiveram dois filhos: Eric Murem Rocha Wildt, que casou-se e constituiu família na capital paulista e Gerti Murem Rocha Wildt, que não casou e não tem descendentes.

A outra filha de nome Erna, nasceu em 1925. Vive atualmente em João Pessoa e também não se casou nem constituiu família. Tive o prazer de conhecer pessoalmente a senhora Herta, segunda filha do alemão, nascida em 1921, que reside atualmente em Santa Cruz-RN. É viúva de Joaquim Bezerra Cavalcanti com quem teve quatro filhos: Edson Wildt Cavalcanti; Ágnes Rocha Wildt; Hidemburgo Wildt Cavalcanti e Érica Dina Rocha Wildt, todos casados e com descendentes.

No início do ano passado, fui até Santa Cruz e passei uma manhã na residência de dona Herta conversando com ela e alguns familiares. Entre um cafezinho e outro, conversamos longamente sobre sua família e seus antepassados. Dona Herta me contou muitas histórias sobre o Barão de Araruna, que ouviu de seus pais e avós. Em todas elas o Barão é citado como um rico fazendeiro, dono de extensas propriedades, senhor de terras, gado e gente, mas principalmente um homem de bom coração. Não tenho registro em todo o material que pesquisei até essa data, de nenhuma semelhança com o arrogante e cruel Barão de Araruna, mostrado na telinha da Globo.

Comprometi-me com dona Herta que retornaria para visitá-la, por ocasião da inauguração da estátua de Santa Rita de Cássia, que aconteceu no último dia 26. Infelizmente, outros compromissos, entretanto me impediram de cumprir o prometido.

Natal, junho/2010.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

Ormuz:

Muito bom o texto.
Melhor ainda o ser humano.
Que é humano sendo um peixinho.

Edgard
Natal/RN

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

Caro Ormuz, mais uma bela cronica sua. Aos poucos, você vem resgatando para a memoria dos antigos veranistas e residentes na Praia da Pipa, algo muito importante,ou seja, quem foram e o que fizeram antigas figuras como a do João Peixinho, que hoje lamentavelmente, devido ao modernismo não existem mais. Tanto a pesca como as embarcações mudaram.
Os peixes praticamente sumiram...e os barcos, hoje mais modernos, são maiores e funcionam na sua grande maioria, movidos a motor. Gostei da sua cronica...não fui veranista na Pipa, mas senti prazer em ler os seus relatos.
abraços

Felipe
Natal/RN

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

Caro amigo e querido Ormuz , a sua crônica escrita com tanta precisão, sensibilidade e riqueza de detalhes me emocionou tanto que tive dificuldade de terminar a leitura tantas foram as lagrimas que me chegaram aos olhos . Conheço João Peixinho e sua historia, com quem convivi quase diariamente, desde que comecei a veranear na Pipa , há mais de 50 anos.

Era ele quem todas as noites, nos últimos anos ia todas as noites conversar lá em casa, contar estórias de pescador, bem como as novidades da Praia. Sabia de tudo que ali se passava . Ficava até tarde conversando, Evilásio deitado numa rede verde e ele numa cadeira ali perto. Como o tempo é implacável!

Também como você, não tive coragem de visitá-lo no Hospital, sabendo que ele talvez não consiga voltar à Pipa, com vida, limito-me a rezar e pedir ao Criador que lhe dê forças para suportar o sofrimento e fé para aceitar a vontade de Deus. É lamentável e por coincidência, esta , como você bem frisou, é a sua última crônica do livro "A Praia da Pipa dos meus avós" Um abraço.
Dina Fagundes
Goianinha/RN

quinta-feira, 10 de junho de 2010

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS



Pipa, e seus personagens
João Peixinho, o pescador


João Severino Marinho nasceu na Praia da Pipa na década de 30,possivelmente em 1935, não soube informar com precisão. Como a maioria das crianças nascidas naquela época, começou a trabalhar ainda muito cedo. Com 10 anos de idade foi pela primeira vez, com seu tio Geraldo Martins, para uma pescaria em alto mar. Era um pequeno bote de nome Aderaldo de propriedade de Antônio Pequeno, “o velho”, que seu tio era mestre. Desse dia em diante, nunca mais parou. Pescou embarcado por mais de 35 anos.
No início, quando acompanhava seu tio nas pescarias, muito observador, procurou aprender tudo que o tornasse, futuramente, um bom profissional. Para isso sempre contou com a vasta experiência do tio, velho pescador daquelas águas e grande conhecedor dos seus segredos.

Com ele aprendeu a fazer um bom “impur”, como colocar corretamente a isca no anzol, a técnica utilizada para puxar um peixe de maior tamanho, os melhores locais de pesca e também os locais apropriados para a colocação de caçoeiras. O tio aproveitava as longas horas no mar pra lhe ensinar a função de cada peça do bote, o domínio das velas, a importância da escota – pequena vela que se coloca na frente do barco para ajudar na sua direção - etc. Ensinava ainda como localizar os melhores pesqueiros, usando para isso as “marcações de terra”, como são denominados os morros e as grandes árvores da mata, e principalmente a divisão e localização de áreas de pesca, curiosamente chamados de “mares”.

Na Pipa existem dez “mares” divididos e batizados pelos seus ancestrais. São localizados e identificados pelas marcações de terra que são chamadas de “assento” e “caminho”. O “assento” é determinado pelos morros que ficam ao Norte da Pipa, e o “caminho” pelas grandes árvores da Mata Atlântica, situadas por trás do povoado. A localização se dá no momento em que o pescador consegue avistar os dois pontos ao mesmo tempo.

O primeiro mar é chamado de Mar do Canto, e se localiza ao Sul da Pipa; depois vem o Mar das Aves; em seguida Cururu de Cima; Cururu do Meio; Cururu de Baixo; Testa da Volta; A volta; o Canto da Volta; Chiqueiro de Cima e finalmente Chiqueiro de Baixo, que fica ao Sul, mais ou menos em frente a Praia de Pirangi. Entre um mar e outro existem áreas com grandes profundidades que são chamadas de “bico de fundo” devido sua profundidade.

Aos 20 anos de idade, João Peixinho já era mestre de um barco de propriedade de José de Hemetério, com quem trabalhou por mais de 35 anos. Entre as tantas aventuras por ele vividas no período que pescou embarcado, conta que por volta dos anos 60, o bote que trabalhava havia sido vendido e o novo barco ainda se encontrava no estaleiro, em fase final de acabamento. Precisando ganhar o sustento da família, enquanto aguardava a conclusão do serviço no novo bote, passou a trabalhar em outro barco de propriedade do mestre Francisquinho.

Em uma noite chuvosa quando retornava da pescaria de vuador junto com um companheiro, durante uma tempestade, a força dos ventos rasgou o pano da vela e quebrou o mastro do bote. Sem ter como navegar, resolveram que a melhor opção seria afundiar, - ancorar o barco - pois estava a deriva e muito longe da terra. Pela manhã, certamente alguém viria em seu socorro, pois era o que normalmente acontecia quando alguém não retornava no horário previsto. Lá permaneceram durante toda a noite enfrentando intenso temporal. A maior preocupação, entretanto, era quanto aos navios, pois infelizmente estava ancorados em sua rota de navegação.
Como não podiam sinalizar devidamente a embarcação, uma vez que o mastro também havia quebrado, foram obrigados a se revezarem durante toda a madrugada, de maneira que sempre um deles permanecia no convés, atento a qualquer aproximação, pois na iminência de colisão, a única opção seria atirasse ao mar.

Ao amanhecer foram socorridos por um navio que passava ao largo. Era um navio mercante que navegava do porto de Macau, no Rio Grande do Norte, com destino aos portos do Recife e Bahia. Além dos porões lotados com sal, foram improvisados no convés dois grandes currais onde eram transportados jumentos e cabras. O Capitão lhe informou que as cabras seguiriam para a Bahia, enquanto que os jumentos seriam descarregados no porto de Recife e se destinavam aos abatedouros, especializados na produção de carne de charque, localizados no interior Estado.
Relatou aos pescadores que desde sua saída de Macau chovia muito forte e em vista disso já havia morrido vários animais. Explicou também que o perecimento dos animais não era causado por doença, e sim pelas precárias condições que estavam viajando. Foi então que o capitão informou que, há pouco tempo, havia morrido mais uma cabra e que seria atirada ao mar, como vinha acontecendo com todos os animais que não sobreviviam. Como eles estavam voltando para casa, ofereceu o animal para que pudesse aproveitá-lo, o que foi prontamente aceito por eles sem maiores delongas.

O barco havia sido rebocado por um tempo, quando avistam outro bote navegando em sua direção. Eram o mestre Francisquinho e seu companheiro Zé Inquim, que como João Peixinho havia previsto, notando a demora em seu retorno, já vinham em seu socorro.
O navio seguiu viagem e os pescadores retornaram a Pipa com o porão do barco cheio de peixes e mais uma cabra, presente do capitão. Esse inusitado presente terminou por transformar-se em objeto de grande polêmica: o dono do barco que por tradição e contrato, tem direito a metade de tudo que for pescado, quis estender seus direitos ao presente do capitão. Foi prontamente repudiado por João Peixinho, alegando que somente os peixes eram passivos de divisão. Não chegando a um entendimento com o patrão que insistia na divisão de tudo, resolveu deixar o emprego temporário, mas manteve-se firme em sua posição.

A vida inteira passada no mar, dota o pescador de muita experiência que é adquirida, no duro enfrentamento das mais adversas condições que encontram na luta pela sobrevivência. Para se tornar um mestre de banco como foi o caso de João Peixinho, é condição básica saber se orientar em alto mar, principalmente quando não fosse possível enxergar as “marcas de terra”. À noite, a orientação era feita pelos astros e estrelas. Durante o dia era a posição que os ventos ou mesmo as correntes marítimas, que lhe indicavam a direção a seguir.

João Peixinho pescou embarcado por vários anos até que tendo sofrido uma tentativa de assassinato, ficou com seqüelas que o impediu de continuar na atividade. Desde que se aposentou, sua área de pesca limita-se aos recifes de coral que ficam em frente a sua morada. Lá mostra toda sua experiência na pesca de pequenos peixes, com sua inseparável pindaúba. Ver-se habilidade também ao aprisionar cardumes de tainhas, com precisos arremessos de tarrafa e principalmente na destreza com que captura moréias e polvos que se escondem nas locas dos recifes de coral.

Durante essa entrevista me confidenciou com profunda tristeza que atualmente, esta cada vez mais difícil e escassa a pesca nos parrachos. Novamente o ser humano no afã de conseguir tudo na Lei do menor esforço, esta se utilizando nessas capturas, de uma técnica que reputamos no mínimo criminosa. Sem nenhum compromisso com a preservação do próprio ambiente em que vive, descobriu uma maneira de realizar esta captura utilizando apenas um recipiente tipo “sprei” contendo água sanitária. Esse produto é borrifado nas locas, onde se escondem esses animais, e no mesmo instante tudo que estiver naquele local, morre de imediato.

O mais cruel é que o ambiente atingido fica por muito tempo sem que nenhum ser vivo dele se aproxime. A ação do cloro contido na água sanitária é devastadora. É comum vermos várias pessoas utilizando essa técnica, quando as marés secam e os recifes se mostram em toda sua plenitude de beleza e esplendor. É preciso que as autoridades adotem alguma providência, antes que essa prática criminosa torne aquele ambiente, totalmente estéril.

No ritmo dos acontecimentos, corremos o risco de em pouco tempo, não podermos mais observar nas inúmeras piscinas naturais a explosão de vida marinha, com seus peixinhos coloridos, crustáceos e moluscos que enchem os olhos dos que por ali passeiam.
Hoje, o velho pescador se encontra em um leito do Hospital Walfredo Gurgel lutando por sua vida. Só que nesta luta, ele não pode se valer da experiência acumulada durante toda sua vida de “velho lobo do mar”. As armas ali utilizadas são outras. Até mesmo a medicina com toda sua evolução, está perdendo a luta para a doença devastadora.

Não tive coragem de visitá-lo. Pretendo lembrar-me d’ele andando vagarosamente em cima dos parrachos, a catar “siris mole” para fazer isca para sua pindaúba, ou procurando polvos e moréias, nas locas das piscinas naturais que se formam quando as águas se recolhem, deixando à mostra toda aquela beleza exuberante, que há poucas horas, estavam cobertas por uma das mais puras e cristalinas águas de toda a costa brasileira.

Pipa, maio 2010.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG, membro da UBE-RN e do IHGRN)

www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br

PUBLICADA EM “O JORNALDEHOJE” EDIÇÃO DE 28 DE MAIO DE 2010.


Pipa e seus personagens
O LINDO OLHAR


Nos idos dos anos 90, o nosso querido vizinho estado da Paraíba, mais uma vez, nos envia outro de seus filhos. Desta vez foi o cidadão do mundo, João Batista Gomes, conhecido internacionalmente por “Lindo Olhar”. Chegou à Pipa como ajudante de cozinha, fazendo parte de uma equipe de profissionais encarregados de abrir um restaurante especializado em frutos do mar. A Pipa começava a ficar famosa também por sua diversidade culinária. O dono do restaurante, com matriz em João Pessoa, enxergou naquela praia a possibilidades de realizar bons negócios. O fluxo turístico era intenso e nos fins de semana, várias pessoas se deslocavam, tanto de Natal como de cidades vizinhas, somente para provar sua famosa gastronomia e aproveitavam para curtir as agitadas noites daquele balneário, com suas ruas estreitas apinhadas de gente de todas as idades e nacionalidades.

João Batista, quando morava em sua terra natal, costumava fazer “bicos” nas areias das praias de Tambaú, Cabo Branco e Bessa. Nessa época atendia pelo cognome de “Pantera”, em alusão ao personagem do desenho animado “A Pantera Cor de Rosa”, devido a sua aparência física e caricata. Tempos depois, muito magro e com boa estatura, especializou-se em dançar para atrair turistas aos locais que trabalhava ao longo das praias. Com essa nova performance, logo lhe apelidaram de “Mastruz com Leite”, nome do um grupo musical cearense especializado em forró eletrônico.

Certo dia na praia de Tambaú, atuando como propagandista de um dos restaurantes na orla marítima, ofereceu e um casal de turistas os serviços culinários. Conversa vai conversa vem, ele tira os óculos escuros, que usava na ocasião, disse ele, pra melhor encarar a vítima. Foi aí que o turista notou certo estrabismo naquele dedicado funcionário e disse de chofre: “Ei cara! Você está com um olho para mim e o outro pra minha esposa. Você tem mesmo um “lindo olhar”!” Entre negativas e desculpas, ainda conseguiu levar o incauto cliente para degustar as maravilhas daquela cozinha, que afirmava ter cardápio internacional.

Quando resolveu mudar de cidade, deixou pra trás o emprego no restaurante, sua cidade natal, os amigos e colegas de profissão, mas não o apelido, do qual muito se orgulha.
Na Pipa, trabalhou por um tempo nesse restaurante, mas teve problemas com a cozinheira que, mesmo não sendo correspondida, nutria por ele uma paixão avassaladora. Frustrada por não ter conseguido namorar aquele “belo espécime da raça humana”, vingou-se de maneira sórdida virando o jogo a seu favor. Comunicou ao patrão que estava sendo assediada pelo colega. Diante disso, este não teve alternativa a não ser despedir o inocente Lindo Olhar.
Desempregado e enfrentando dificuldade para conseguir novo emprego, em momento algum se deixou abater e foi à luta. Seu olho aguçado de sobrevivente urbano, logo enxerga uma possibilidade de conseguir ganhar alguns trocados. A ladeira que desce para a praia sempre foi ponto de estacionamento de carros. Nessa época, ainda não havia aparecido por aquelas bandas os famigerados “flanelinha” e ele aproveitou essa brecha para faturar algum.

Adquiriu flanela e balde e passou a lavar os carros sem que os proprietários solicitassem. Como não cobrava pelo serviço, as pessoas quando retornavam da praia e encontravam seus carros lavados, sentiam-se na obrigação de recompensá-lo. Muito comunicativo fazia e faz amizade com extrema facilidade. Viveu assim por um curto período até que conseguiu outro emprego melhor remunerado e com direito a alimentação.

Certa noite, na boate “Calangos”, dançava e se exibia para a platéia quando uma “gringa” dele se aproximou. Encantada com as acrobacias daquele bailarino tupiniquim aproxima-se dele e, sem muito jeito, tentava acompanhá-lo naquela dança frenética. Depois de algum tempo de aprendizado, o convidou para ir até seu hotel. Com algumas caipirinhas na cabeça, a gringa via o dançarino, mas não via seu rosto, segundo ele, sua sorte foi que estava protegida pela luz negra da boate. O apaixonado casal chegou ao hotel entre beijos “calientes” e abraços apertados e logo foi barrado pelo porteiro.

A parceira protesta com veemência e disse que, como hospede daquele hotel tinha direito a adentrar com seu convidado. Com a presença do gerente, a questão foi devidamente resolvida e o apaixonado casal prosseguiu sua caminhada até o apartamento, passando a noite juntos. A companheira adormeceu, mas ele não conseguiu pregar olhos. Quando o dia amanheceu, Lindo Olhar se levantou da cama com todo cuidado pra não acordar sua deusa, a qal descreve-a como m “monumento”: corpo escultural, olhos azuis, talvez 20 anos de idade. Ele sentou-se na cadeira, retirou as dentaduras, superior e inferior, colocou-as em cima do criado mudo e ficou a admirá-la. Beliscou-se por várias vezes para ter certeza que não era sonho.
No meio dessa adoração, a parceira acordou. A princípio ela não acreditou no que esta vendo. Depois de esfregar os olhos por várias vezes até se conscientizar que aquilo não é um pesadelo, gritou desesperada: “Help! help! help! Policiiiia! Policiiia! Policiiiia!” O casal que estava no quarto ao lado, temendo tratar-se de um assalto, pulou da cama, e a encosto na porta, tentando dificultar a entrada do pseudo-ladrão e aflitos, aguardaram pelo pior.

O gerente chegou ao quarto e tentou acalmá-la, mas aos berros exigia a prisão do aterrorizado Lindo Olhar, que naquele momento acordava do seu devaneio, e deparava-se com a dura realizada. A moça, de pé em cima da cama, com olhos esbugalhados, apontava para o atônito parceiro, pensando tratar-se de um assaltante. Depois das devidas explicações do gerente, que ele estava ali com a sua devida e amorosa permissão, ela recusou-se terminantemente a acreditar. A única alternativa foi levá-la até a recepção e mostrar as gravações do apaixonado casal quando, naquela madrugada, adentrou no hotel aos beijos e abraços. Ao ver aquelas imagens a pobre moça põe as mãos na cabeça e exclama com um ar de desânimo e decepção: “Oh my God! Naw! Naw! Naw!”

No mesmo dia, pego suas malas e desaparece do hotel, levando a triste recordação das noites da Pipa, na agitada Boate Calangos, um anônimo dançarino e os efeitos das maravilhosas caipirinhas.

O bem humorado Lindo Olhar passou por um período, com sua vida meio desregrado. Consumia muito álcool e se acompanhara com pessoas de condutas duvidosas. Um dia desapareceu da Pipa sem que ninguém soubesse informar seu paradeiro. Alguns achavam que ele havia retornado para João Pessoa, outros diziam que havia mudado de praia, talvez ido para Canoa Quebrada, no Ceará.

Certo dia, um médico plantonista do Hospital Gizelda Trigueiro, freqüentador da Pipa, o reconheceu em uma de suas visitas de rotina aos enfermos. Indagado porque estava naquele hospital ele relatou que havia sido internado a princípio no Hospital Colônia, depois de sofrer uma violenta crise que precisou inclusive, de camisa de força para ser contido. A tal crise aconteceu logo depois de ter ingerido um copo de refrigerante, dado por antigos amigos, depois de ter se recusado a acompanhá-los no consumo de outras bebidas alcoólicas. Passou alguns dias no Hospital Colônia,e como não apresentava nenhum sinal de demência, foi transferido para o Hospital Giselda Trigueiro, dado ao seu precário estado de saúde e visível debilitação. O tal médico por ser seu conhecido, encarregou-se de tratá-lo pessoalmente até que se recuperasse totalmente de sua enfermidade.
Q
uando retornou a Pipa, resolveu que mudaria de vida e entregando-se a Jesus. Passou a freqüentar a Assembléia de Deus, tornou-se ardoroso seguidor de seus preceitos, tendo mudado radicalmente seus hábitos, e principalmente suas amizades.
Na busca de outra atividade para complementar sua renda, fez curso “por correspondência” e especializou-se em massagem de pés e mãos. Durante o dia trabalha nas areias da praia e tem clientela fiel com agenda e tudo. Para atrair novos clientes, recita quando transita por entre as barracas repletas de turistas, recita o se próprio slogan: “Massagem nos pés e nas mãos, acima dos tornozelos, somente o maridão...”

À noite, trabalha como panfletista na rua de cima, onde se concentra o agitado comércio local. Nessa função que exerce com notório profissionalismo, circula pela Rua Bahia dos Golfinhos, distribuindo, panfletos, sorrisos, boas conversas e sobretudo, um lindo olhar.


Pipa, fevereiro/2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

Pipa, e seus personagens
O LINDO OLHAR




Caros amigos e leitores, na próxima sexta feira estaremos publicando a penúltima crônica sobre a praia da Pipa.
Estamos trabalhando para lançar o livro no próximo o mês de setembro.
Espero contar com a presenças de todos.
Abraços
Ormuz Barbalho Simonetti