Dentro do nevoeiro do vale mal se
entrevem os despojos do velho engenho morto. A casa está em ruínas e uma erva
hostil cresce, silenciosa, por toda a bagaceira, invadiu os alpendres e
assenhoreou-se do chão onde nunca mais pisou o pé humano.
Que fim levaram os antigos moradores?
Onde os meninos trêfegos, os mestres, os cambiteiros, os animais e as aves que
alertavam as madrugadas?
Tudo parece morto, não há sinal de vida
dentro do grande vale onde outrora ecoavam os rumores do trabalho e as alegrias
das safras exuberantes. Os próprios caminhos estão ocultos ou se tornaram
sendas misteriosas de um mundo perdido. As chuvas os transformaram em
barrancos, as formigas, às suas margens, construíram sossegadamente o seu
reino. E à noite, sob as estrelas, as corujas desferem o seu canto soturno e
imprimem ao velho engenho um aspecto de câmara ardente.
Entretanto, a terra, em redor, clama
por que a fecundem. As árvores, embora maltratadas e esquecidas, guardam no
porte a majestade dos dias que foram belas. Coroando o outeiro, como um penacho
real, ergue-se um pau d’arco de cem anos, que ainda floresce como no tempo de
jovem. E tudo isso paira, ali, no exílio, como se fosse um continente ignorado,
lembrando a terra depois do dilúvio.
Eis um crime para o qual não há pena.
Esse êxodo de ingratos e de emasculados, que arrancaram suas próprias raízes
para ir vegetar adiante, como parasitas, mereciam um castigo. Eles, os
senhores, meninos que se tornaram velhos, perderam-se nas ruas, passeiam
displicentemente pelo asfalto das cidades, entretêm-se com as músicas e os
cinemas, dançam e cantam nos clubes. A sua vida parece a dos presidiários que
se consolam com o simples passar dos dias e das noites. A diferença é que esses
fugitivos, sem alma nunca têm remorsos.
O velho engenho lá ficou,
desmanchando-se pedra por pedra. Os maquinismos foram vendidos ou enferrujam,
na sepultura das moitas, enquanto a erva cresce, silenciosa, afogando os
alpendres, cobrindo como um sudário implacável, a bagaceira morta.