Por mais de
quatro décadas, entre 1945 e o final dos anos 80, desfilaram pelas ruas e avenidas da cidade de
Natal, um tipo de bloco carnavalesco que só existia em nossa aldeia. Eram os
chamados “blocos de elite”. Essas agremiações geralmente tinham suas origens
nas turmas de amigos de bairro ou de colégio. Com um número de componentes bem
mais reduzido, em relação aos blocos de hoje, que chegam a contar com mais de
1000 participantes, nos blocos daquela época o número de participantes girava em
torno de 30 a 40 componentes.
Uma das condições básicas para
participar dessas agremiações era conhecer alguns de seus componentes. Havia
também os novatos, aqueles que chegavam de outros estados ou mesmo do nosso interior,
para passar o período carnavalesco na casa de parentes ou amigos. Quando acontecia
de algum membro dessas famílias participar de algum bloco carnavalesco,
fatalmente o visitante era convidado a se integrar a esse bloco. Entretanto, só
era possível sua admissão se contasse com a aprovação de todos os componentes. O
mesmo não ocorria quando o pretenso participante era do sexo feminino. Nesses
casos, sua entrada era aprovada sem maiores delongas.
A presença feminina nos blocos daquela
época ocorreu no início dos anos 60, quando o bloco Milionários do Ritmo,
exibiu em sua alegoria componentes dos “Brotinhos Indomáveis”, uma extensão do
bloco na versão feminina, composto em sua maioria, pelas namoradas dos
participantes. Entre seus componentes destacamos: Sônia Simonetti, Carminha,
Eunice, Eloisa, as irmãs Graça e Lúcia Galvão, Noelza Saldanha, Eunice Lyra,
Paula, as irmãs Isolda e Idalma, Dilma Ribeiro e outras.
Na década de
50, os blocos bem mais elaborados e estilizados, desfilavam em local pré-determinado
pela Prefeitura e concorriam a prêmios, oferecidos pelo Poder Municipal, nos
quesitos fantasia, samba-enredo e bateria.
Nessa época era comum ver pelas ruas
“troças” e “bagunças” que se formavam nos bairros e saíam pelas ruas animando
as manhãs de carnaval, com destaque para os papangus – denominação para as pessoas
que se disfarçam vestindo trapos, usando máscaras e adereços e saem às ruas
sozinhas ou em grupos, durante os dias de carnaval.
De 1956, a 1966, Os Deliciosos na Folia, um dos blocos mais antigos de Natal desfilava e concorria a prêmios no período carnavalesco. Entre seus componentes estavam: Carlos Gomes, Múcio Nobre (magro), Airton Ramalho (compositor) Oldeman da Confeitaria Atheneu, Airton Lepolodo, Daniel (baixinho) Zilson Eduardo Freire, pai do atual presidente da OAB, Francisco Eider Lopes, filho do famoso saxofonista Mainha, Betinho, o rei do passo, Lelé do Trombone, irmão do saudoso violonista Efrain, Picado do Trio Goiamum, e outros. Tinha como principal rival a agremiação Ases do Ritmo, formada justamente por alguns dissidentes. Dentre seus componentes podemos citar: Arnaldo França, Evaniel Máximo de Souza, os irmãos Wallace, grande jogador de futebol, e Wilton Gomes da Costa, Odúlio Botelho, Severino Manoel dos Santos, Luiz MeirelLes e Jader Correia da Costa, juízes de futebol, Badeco, funcionário dos Correios, Vavá do Surdo, Canelinha, sobrinho do humorista do mesmo nome, José Botelho também conhecido como Cabo Zé, que era o mascote.
Deliciosos na folia
Também se constituíam em grandes adversários na disputa das premiações os blocos Imperadores do Samba e o famoso Aí vem a Marinha, formado por fuzileiros navais, marinheiros e até mesmo oficiais, geralmente procedentes do eixo Rio/São Paulo, que aqui chegavam para servir, por determinado período, na Base Naval de Natal e no CIAT- Centro de Instrução Almirante Tamandaré. Com muito samba no pé e exibindo belas alegorias, atraíam a atenção, principalmente das moçoilas casadoiras.
Também se constituíam em grandes adversários na disputa das premiações os blocos Imperadores do Samba e o famoso Aí vem a Marinha, formado por fuzileiros navais, marinheiros e até mesmo oficiais, geralmente procedentes do eixo Rio/São Paulo, que aqui chegavam para servir, por determinado período, na Base Naval de Natal e no CIAT- Centro de Instrução Almirante Tamandaré. Com muito samba no pé e exibindo belas alegorias, atraíam a atenção, principalmente das moçoilas casadoiras.
Temos conhecimento, também, que os
sargentos da Aeronáutica, criaram um animado bloco carnavalesco, se não me
falha a memória de nome Albatroz, deixando como legado o clube do mesmo nome,
defronte a eterna “Praça Pedro Velho”.
Na década de 60, recordo apenas de sete
blocos. Bacurinhas, Plebe, Jardim de Infância, Karfajestes, Cacarecos, Xamego, e
Milionários do Ritmo, conhecido somente como Milionário.
Mesmo com pouca idade, tinha muita
aproximação com a turma dos Milionários, pois se reunia na esquina do Cinema
Rio Grande, na confluência da Rua Assu com a Avenida Deodoro da Fonseca, bem próximo
de minha casa. Além do mais, o presidente do bloco era Valério Marinho, na
época namorado minha irmã, que posteriormente seu marido.
Do bloco Milionários cito alguns de
seus componentes que ora me recordo: Cláudio Procópio, Marconi Furtado, Hamilton
Dantas, Sinval, Decio Teixeira de Carvalho, Franklin, Ronaldo Rocha, Eduardo Maia
(mamão), Nelson Cocada, Marcos Formiga, Orson, Galego Franklin, Manoel Maia entre
outros, além de Fernando Bezerra que depois passou a integrar o bloco Plebe.
A história da
fundação do bloco “Os Karfajestes” podemos dizer que foi um tanto inusitada.
Começou quando um dos integrantes do bloco Bacurinhas namorava uma moça e sua
futura sogra não o suportava, nutrindo pelo pobre rapaz uma gratuita antipatia,
e a explicitava sempre que era possível. Protegia a donzela como um cão de
guarda protege seu dono. A mãe zelosa, por não aprovar o namoro, sempre
procurava um jeito de menosprezá-lo. Certo dia, ao chegar à casa da “sogra”
cumprindo o ritual do namoro, esta o recebeu como de costume, com extremo desdém.
Enquanto a moça não aparecia, começou a analisá-lo e com visível desprezo
apontava nele, o que enxergava como desleixo: “O senhor está com a roupa toda amarrotada!... e os sapatos... todos
sujos, mais parece um cafajeste!...” Com toda certeza, a “sogra” não sabia
o significado da palavra cafajeste, pois, se soubesse, certamente não a teria
usado, pelo menos naquela ocasião e com a intenção desejada. Na mesma noite o
nosso personagem ressentido com o tratamento da sogra, acabou o namoro. No
caminho de volta para casa teve a ideia de fundar um bloco carnavalesco,
batizando-o com o adjetivo pelo qual foi injustamente classificado.
Convidou alguns amigos e no ano
seguinte desfilava pelas ruas de Natal um dos mais conhecidos e animados blocos
carnavalescos daquela época: OS KARFAJESTES.
Ibrahim Sued
A denominação “KAR” foi uma gíria criada por Ibrahim Sued (1924/1995), considerado o pai do colunismo social no Brasil, para denominar pessoa elegante, chique. O oposto de "Shangay", usada para qualificar algo cafona, de mau gosto.
A denominação “KAR” foi uma gíria criada por Ibrahim Sued (1924/1995), considerado o pai do colunismo social no Brasil, para denominar pessoa elegante, chique. O oposto de "Shangay", usada para qualificar algo cafona, de mau gosto.
Talvez, em virtude do “trauma” sofrido com
esse namoro, nosso personagem tenha se desvencilhado tantas vezes do laço
“matrimonial”, prometendo que só se casaria quando a nova Catedral estivesse
totalmente concluída. Promessa feita e cumprida. Apenas, com um pequeno detalhe:
o casamento demorou um pouco mais do inicialmente previsto, só acontecendo após
a segunda reforma da referida Catedral.