O IBAMA é
aquela instituição ambiental que no ano passado, entre um caçador e um ninho de
arribaçãs, atirou e matou o caçador. Como se a vida humana valesse menos que as
aves.
(SEREJO,
Vicente. Jornal de Hoje, Natal-RN, 02 de fev. 2010. Cena Urbana)
No dia 22
de maio de 2009, o agricultor Emanoel Josian Barbosa, no vigor de seus 19 anos
de idade, fazia um “facho” – caça de pássaros à noite – armado apenas com um
pedaço de pau e uma lanterna, quando foi cruelmente abatido com um tiro de
escopeta.
O disparo foi feito por um bravo fiscal do IBAMA que, “em cumprimento de seu dever”, junto com outros colegas, dava proteção a um “pombeiro” – local de postura de aves de arribação. O fato aconteceu no assentamento Boa Vista, no município de Jandaíra-RN. No seu bornal foram encontradas apenas duas aves que ele havia abatido naquela fatídica noite, e que seriam utilizadas para o consumo de sua família. A vida desse jovem trabalhador brasileiro foi brutalmente interrompida com um tiro à queima roupa. Seu crime, “inafiançável”, foi matar, para comer com sua família, uma parelha de arribação. Rápida foi sua morte e também rápido foi o esquecimento do fato, que na época fora amplamente divulgado pelos meios de comunicação. Até esta data tudo continua “como dantes no quartel de Abrantes”.
Na minha querida Pipa também é grande a “eficiência” dos chamados Órgãos de Proteção do meio ambiente. O morro principal conhecido como Morro de Vicência Castelo, cartão postal da Pipa, vem sendo agredido de diversas formas. Construções irregulares ponteiam a parte mais visível do morro que está virando uma verdadeira Rocinha, pela aglomeração desordenada de casas que se penduram em suas frágeis areias. O que deveria ser protegido por tais Órgãos Ambientais que, no cumprimento de seu dever, não hesitam em atirar em cidadãos desarmados, está totalmente abandonado, à mercê da ousadia de alguns espertalhões.
Com uma
fiscalização praticamente inexistente, a falta de atenção estimula a
multiplicação das construções clandestinas, ao velho estilo do “se colar,
colou”.
À noite, quem passeia pela beira da praia pode ver, dentro do morro, pontos de luz onde a escuridão da mata denuncia que ali tem uma casa já construída ou em construção. Em cima ainda é pior. Longe das vistas dos que passeiam pela praia, e naturalmente dos bravos fiscais do IBAMA, as construções se desenvolvem sem a menor preocupação, pois na Pipa como se sabe, tudo pode. É bem verdade que nesse morro também existem construções feitas há vários anos, em terreno adquirido regularmente, sem que tenha havido desmatamento e com as devidas autorizações dos órgãos competentes.
Há pouco tempo, vimos pela televisão imagens chocantes da destruição de construções erguidas no sopé de um morro em Angra dos Reis. Lá o prejuízo foi além do material. Vidas foram ceifadas em decorrência da insensibilidade e irresponsabilidade do Homem. Tudo começa com o desmatamento para a ocupação irregular de locais que deveriam ser rigorosamente protegidos. A natureza sempre vai buscar o que lhe tomaram. Na Pipa, temos várias casas nessa mesma situação.
Na praia principal, os sombreiros se multiplicam a uma velocidade espantosa, sem nenhum critério. Cada dono de barraca quer colocar o maior número de sombreiros, no afã de arrebanhar para si a maior quantidade de clientes. Para isso, contam com a ajuda das empresas de bebidas que doam, além dos sombreiros, mesas e cadeiras, com tanto que vendam o seu produto. E assim, a beira da praia, que deveria ser de livre acesso aos banhistas no direito de ir e vir, fica entupida com tanta barraca, que mais parece uma feira livre.
Se você caminha em direção a Praia
do Amor, nome atual do Morro dos Amores, já pode verificar a multiplicação das
barracas e, consequentemente, das areias invadidas por uma quantidade cada vez
maior de sombreiros de praia e suas cadeiras.
As falésias
estão sendo escavadas para a construção de mais um bar, tudo isso acontecendo sob as vistas complacentes do
poder público municipal e dos Órgãos de Proteção do meio ambiente.
O abandono da Pipa é tão grande, que outro dia um amigo escutou a seguinte conversa em um banco de praça:
– Vamos passar o verão na Praia da Pipa. Leve churrasqueira, fritadeira, isopor. Chegando lá, vamos à praia escolher o local para o nosso comércio. Lá nós armamos nossas mesas e cadeiras e as espreguiçadeiras, fazemos de tábuas de caixa de sabão. Os sombreiros a gente arranja com as empresas de bebida ou de cartão de crédito, e vamos esperar os turistas chegarem para vendermos nossa cerveja ou a caipirinha que a gente faz ali mesmo, de qualquer jeito.
– Como é
que eu lavo a louça?
– A gente
pega uma bacia com água e dá para usar o dia todo.
– E a gente
pode chegar assim, se instalar e ninguém fala nada?
– Pode, na
Pipa pode tudo, ninguém vai incomodar. Mas não pode nem pensar em regularizar,
tirar CNPJ, inscrição. Senão vem alguém cobrar pelo Alvará, IPTU, ICMS, ISS.
Você tem que ser clandestino, assim a COVISA não pode fiscalizar, nem o
Ministério do Trabalho.
– Mas pode
ser num lugar fixo?
– Pode. Você
vai para a Praia dos Afogados (Praia do Amor), corta um pedaço da barreira,
coloca freezer, geladeira, fogão.
Assim a maré não vai atrapalhar.
– E pode
ter água e luz?
– Pode, a
gente dá um trocado para vizinho mais perto e puxa um “gato”.
– E as cervejas
geladas que não venderem?
– Tem nada
não, no dia seguinte a gente gela de novo e ninguém reclama não.
– Mas, e
meu filho vai trabalhar de quê?
– Ah, ele
pode ser pastorador de carros na ladeira. Quando o turista chega, ele já
entrega o papelzinho dizendo que custa R$ 5,00
e que o dono do carro terá a certeza de não ter o carro arranhado.
– E a
noite, o que a gente pode faturar?
– À noite,
a gente escolhe um lugar na rua principal, onde os otários pagam alvará, IPTU,
ICMS, ISS o ano todo, e monta uma barraquinha de caipirinha, hula-hula, cerveja. Ou então a gente
tira uma onda de hippie e expõe umas
bugigangas na frente de qualquer loja bacana, no chão mesmo. Tem até fornecedor
que traz um carro cheio de coisas de outros estados.
– Mas eu
tive um probleminha com a polícia lá na minha cidade.
– Tem nada
não. Na Pipa ninguém pergunta de onde você veio, o que você fazia lá, ninguém
quer saber do seu passado e origem, nem pra onde você vai no próximo verão.
– Ah! Desse
jeito é bom demais!
Por onde
andamos aqui em Pipa, ouvimos conversas como esta que um amigo ouviu num banco
de praça.