Eh, ôô, vida de gado,
povo marcado, ê, povo feliz!
Ao que parece sim, vivemos atualmente numa cidade onde as coisas erradas continuam acontecendo sem que a população se mostre pelo menos indignada. A famosa “Lei de Gerson” nunca esteve tão presente em nossos dias. Para citar alguns desses “golpes”, tomemos por base determinados restaurantes, principalmente os que adotam o sistema self service, quando o restaurante oferece, além do serviço a “la carte”, (expressão francesa utilizada quando você fazer o pedido usando o cardápio do restaurante). Na modalidade self service, alguns proprietários desses estabelecimento cobram uma taxa de 10% (dez por cento) sobre a totalidade da conta, como taxa de “serviço”, o que juridicamente é ilegal, pois nessa modalidade nenhum serviço é prestado, já que é o próprio cliente quem se serve.
Vejam o que o diz o Dr. Abdala Abi Farah, Juiz de Direito aposentado.
“Tornou-se prática comum de muitos hotéis, bares e restaurantes cobrarem a famigerada taxa de serviço de 10% sobre o valor da conta.
Todavia, à luz do Código do Consumidor e da Constituição, referida cobrança é abusiva e ilícita. Fere a lógica e o bom senso. Tal fato beira o ilícito penal, ou seja, numa análise rigorosa está se cometendo um crime contra o patrimônio.
Os estabelecimentos referidos jamais poderiam penalizar os seus clientes com uma taxa absurda transferindo a eles uma obrigação – remunerar seus funcionários – que é sua. Menos mal que tal barbaridade não se estendeu a outros setores comerciais, pois ficaria estranho o cidadão pagar essa mesma taxa ao feirante, ao açougueiro, ao farmacêutico, ao mecânico, ao barbeiro, ao alfaiate e ao taxista. Isso só para citar alguns profissionais.
A gorjeta só pode ser dada por liberalidade do consumidor. Jamais a gorjeta poderia ter se transformado em taxa de serviço e muito menos obrigatória. Jamais o estabelecimento comercial poderá exigi-la ou lançá-la na conta a ser apresentada ao cliente, sob o risco de estar submetendo-o a um constrangimento moral.
Muitas vezes, o cidadão para não passar vergonha, na presença de familiares ou convidados e os demais freqüentadores do lugar, acaba pagando, mesmo sabendo que a taxa de serviço é injusta e ilegal. O Código do Consumidor dispõe que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à devolução em dobro do que pagou, acrescido de correção monetária e juros legais. Diz ainda que é proibido utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.
A Constituição Federal dispõe em seu artigo 5º, inciso II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Nenhuma lei autoriza, nem pode, um comerciante a cobrar uma taxa de serviço sobre um serviço por ele prestado, serviço este que tem um preço por ele fixado e onde com certeza estão embutidos todos os seus custos e lucros.
Para piorar, existem bares e restaurantes que além da taxa de serviço de 10% cobram o chamado “couvert artístico”.
É mais um abuso. Reverter essa ilegalidade depende dos consumidores reagirem, negarem o pagamento, acionarem civil e criminalmente os responsáveis por tais ilicitudes.
Pode o Poder Público municipal até cassar os alvarás de funcionamento de estabelecimentos que insistirem em tais práticas, estribado no artigo 50 do Código de Consumidor. O Consumidor que for constrangido na cobrança de referida taxa pode eventualmente mover uma ação de indenização por dano material e moral contra o estabelecimento infrator.”
Pois bem, domingo passado fui almoçar num dos grandes restaurantes no 5° piso do Shoppinh Midway Mall, no sistema self service. Após o pagamento da fatura e recebimento do cupom fiscal, que convenientemente não é apresentada ao cliente antes do pagamento, e sim anunciada verbalmente pelos caixas, verifiquei que estava escrito abaixo da relação dos itens consumidos, a palavra “SERVIÇO”, e logo à frente o valor correspondente a 10% do total do que foi consumido. Como já tinha me ausentado do restaurante, retornei e questionei ao caixa o valor cobrado, já que não houve a participação do garçom quando me servi de alguns itens dispostos em um balcão, daí o nome self service. O funcionário informou que o “sistema” adotado pelo restaurante estava programado para cobrar a tal taxa, independente do tipo de serviço que eu utilizasse.
Porém, certamente orientado pelo patrão, naquela de “se colar colou”, imediatamente apressou-se em devolver o valor cobrado indevidamente. Uma senhora que estava em minha companhia, ciente de minha atitude, dirigiu-se ao caixa e procedendo da mesma maneira teve seu dinheiro, cobrado e pago indevidamente, imediatamente devolvido.
Esse tipo de esperteza deve lesar pelo menos 99% dos incautos freqüentadores desses restaurantes, principalmente pela falta de conhecimento de seus direitos como consumidor, ou ainda pior, por se omitirem a questionar esses direitos.
Entretanto, dentro desse contexto, existem aqueles que optam por “fazer a coisa certa”. Tomemos como exemplo o restaurante “Tabua de Carne”, um dos mais bem freqüentados de nossa cidade. Lá quando o cliente recebe a fatura, o garçom informa que os 10% (dez por cento) não estão inclusos na nota. Fica a critério do cliente o pagamento da gorjeta ou não. Para tanto, o profissional esmera-se em prestar o melhor serviço a seu alcance. Na maioria das vezes, a gorjeta é dada ao profissional, mas sem que o cliente se sinta coagido.
Aí vem a pergunta que não quer calar: onde estão os órgãos de defesa do consumidor? E o Ministério Público? Será que os adeptos e praticantes da “Lei de Gerson” que se multiplica em todos os setores de nossa sociedade, sempre vão sair vitoriosos? Vamos ficar olhando, passivos e apáticos a vitórias dos falazes? Cada vez que eles vencerem ficam mais fortes e mais ousados e a honestidade mais vassala. Esses espertalhões engravatados e bem falantes geralmente são os mesmos que quando estão em rodas de amigos falam dos políticos corruptos, dos golpistas, dos altos impostos cobrados pelos governos etc, etc. E nós, povo marcado, acostumado com toda sorte de exploração, vamos nos acostumando a não reagir, mesmo quando temos nossa inteligência afrontada. É preocupante a apatia que tomou conta da população, frente a todo tipo de explorações que sofremos no nosso dia a dia.
Matéria publicada no "JORNAL DE HOJE", edição de sexta-feira 22.07.2011