domingo, 22 de maio de 2011
A LINDA LENDA POTIGUAR DO TOURO MÃO-DE-PAU.
Nos sertões do nosso Rio Grande, até os tempos do meu bisavô Antônio Alves Machado, rico-homem de terras e gados, as enormes fazendas sertanejas de criação não tinham cercas nem pastos; os rebanhos viviam livres, embrenhados na caatinga sem fim. No manejo desse gado, pela seca de cada ano, havia o mutirão da ferra, pra marcação da garrotada nascida no inverno. Havia um grande curral, onde se reunia e dali partia a vaqueirama das redondezas; vestida de couro, mode os espinhos, vaquejando mato adentro, tangiam com belos aboios as vacas mansas e suas crias desmamadas. As reses mais ariscas eram perseguidas e derrubadas durante a perseguição por forte puxavante do rabo, pois a mata densa não permitia uso de laço. Depois de dominadas a muque, eram mascaradas ou peadas e trazidas para o curralão. Havia disputas entre os vaqueiros pelo maior número de bichos aprisionados. Daí nasceu o brabo esporte da vaquejada.
Mas, tamanha era a caatinga e tanto era o gado, que nem todos os garrotes do ano eram pegos e ferrados. Sempre restava algum mais esperto e arredio que não se deixava vencer, fugia pros pés-de-serra, cheios de lagedos, onde ficava mais fácil pro perseguido e mais difícil pros perseguidores. Assim, crescendo livre e sadio, sem contato humano, ficava cada ano mais selvagem e chegava a touro erado, o dito barbatão. Eram machos fortes e violentos, sem marca de dono, que passavam a atacar os vaqueiros em defesa das fêmeas que arrebanhavam, prejudicando o bom andamento dos trabalhos da pega de gado.
Vencer um barbatão era feito glorioso e vantajoso, pois, além do ganho em fama de traquejo e valentia, o vaqueiro preador ganhava o direito de posse do tourão vencido. Por sua ferocidade, sem nunca amansar nem sujeitar-se, era castrado ou abatido, após um festejo de torturas e abusos por parte da vaqueirama, muitas vezes vingando colegas mortos ou feridos nas tentativas de derrotá-lo.
Alguns barbatões, por invencíveis, muito se afamavam, como o cearense Boi Barroso, tourão vermelhusco que, segundo contam, deu sobrenome aos descendentes daquele que o venceu e castrou.
Na ribeira do Potengi, abas da serra Joana Gomes, criou-se um barbatão castanho, enorme e ladino, que por mais de uma década escapava dos quantos vaqueiros também famosos que vinham de longe querendo caçá-lo. Certa feita, durante uma perseguição, esse touro pisou num buraco de tatu, machucando um mocotó dianteiro. Mesmo assim prejudicado, por alguma manobra de esperteza, conseguiu escapar. A perna sarou, mas o pulso ficou duro, daí obrigando o animal a mancar. E ainda por vários anos falavam nesse bicho macho que, mesmo manco, ninguém vencia.
Aí surgiu a lenda do Touro Mão de Pau. Essa estória foi contada em cantorias do grande Fabião das Queimadas, escravo rabequeiro nascido e vivido na Lagoa dos Velhos. Depois, coletada por Câmara Cascudo, virou folheto de cordel, sendo enfim adaptada por Ariano Suassuna e cantada pelo talentoso Antônio Nóbrega. É uma comovente mostra da mais pura arte poética e musical nordestina, onde os antigos costumes e os bravos valores de honra são pungentemente louvados.
Da casa-grande da Fazenda Aliança, lugar de nossa posse, se avista o por-do-sol detrás da serra Joana Gomes. Diz-que em nenhum outro poente o céu tanto se avermelha; por certo, mode o sangue ali vertido pelo pelo honrado Mão-de-Pau.
Bartolomeu Correia de Melo
Se duvida dessas belezas, apois acesse o link:
http://www.youtube.com/watch?v=uYgPzCPQXiU