terça-feira, 3 de maio de 2011

AINDA SOBRE O MUSEU NILO PEREIRA 2
















NILO PEREIRA E O BARÃO DO GUAPORÉ




POEMA DO PRESIDENTE DA ACADEMIA NORTE-RIOGRANDENSE DE LETRAS, PROF. DIÓGENES DA CUNHA LIMA SOBRE O CASARÃO DO GUAPORÉ (MUSEU NILO PEREIRA) - CEARÁ-MIRIM RN.


O VELHO SOLAR

Diógenes da Cunha Lima



Guaporé, velho solar
Abandonado nas sombras,
Afrancesado, ruínas,
Visíveis galgos de louça
Vigiam homens de outrora.
Um repuxo d'água canta
Sua cantiga molhada,
As estátuas lá em cima
Simbolizando o Trabalho,
Agricultura e Comércio,
Lampiões de cada lado.
Da porta quase desfeita
Um jardim, verde sem fim,
Ladeia a sóbria mansão.


Em frente, a casa de banhos
Semelha simples igreja
Paredes encobrem a nudez
Banhista d'água corrente.
A brisa toma a manhã
E cobre o canavial,
Cambiteiro descoberto
Cantando, vem bem-ti-vi.
E o neto da casa, sábio,
Os olhos vazando o tempo
Vê coisas, paisagens, gente,
Presenças de antigas eras.
Na solidão animada,
Nos verdes do vale sonho,
Vicente Ignácio Pereira,
Barba à Pedro II,
Reconstrói sua morada.
Suas botas de Senhor
(Desenhos no couro cru)


Pisam o chão encharcado.
Às suas ordens tijolos
E argamassa se casam,
Enquanto a cana açucara
No parol, a almanjarra,
Garapa, mel, rapadura,
Rolete, canavial,
Cachaça de bagaceira.
Vicente Ignácio Pereira
Cuida de muitos doentes,
Escreve de experiência
Sobre a cólera mortal,
Lê contos, faz jornalismo,
E assegura a vitória
Do Partido Liberal.

Lembra que foi presidente
Da Província Rio Grande
Na seca mor dos Dois Sete,
Victor de Castro Barroca
Vai por seu mando ajudar
Aos retirantes, no vale.
Vicente Ignácio Pereira
Dá ordens para o passado
E o Guaporé logo expulsa
Seu silêncio espectral.
O salão nobre se enche
Da melhor gente da terra
Em faustos, recepções.
Augusto Meira recita
Seu romantismo, amores,
Juvenal louva com graça


As virtudes da preguiça.
No salão nobre os Barões
Do Ceará-Mirim assistem
A toda festa, ar sisudo,
Nos retratos da parede
Iluminada do espanto
Das arandelas azuis.
Dobé, Izabel Augusta,
Tão caridosa, tão santa,
Interroga: onde é que está
Meu neto Nilo? O engenho
Desmorona com a vida?
Vou morar na Rua Grande?
Na sala azul e conversa
São as cenas da moagem.
História do "São Francisco"
Repetida a toda gente:


No ano sessenta e oito
Insistiram com o Barão
Toda a vantagem haveria
De assumir a presidência
Da Província potiguar.
Demais, estando em Natal
Evitaria a doença
Um surto de catapora
Que assolava no vale.
O Barão pouco pensou
Pra responder, afirmando:
Eu prefiro as cataporas.
E ficou na Casa Grande.


Anoitecendo no vale
Os sinos de uma capela
Tocam chamando o silêncio.
Tia Augusta vai cantar
Para o menino dormir
Cantigas de antigamente.
A vida, a sorte, a madrasta
Carinho de mãe não tem:
"Carpinteiro de meu pai
Não me cortes os cabelos
Que minha mãe penteou,
Minha madrasta cortou
Pelo figo da figueira
Que o passarim beliscou".


Na sala de rosa cor
Explode o riso das moças
Tia Augusta Vaz Pereira
Toca valsas no piano
De cauda, sons multicores.
Retrato de sinhá-moça
Belinha, Pacheco Dantas,
Encantada mas risonha,
Ama os saraus da família.

Tio Riquete Pereira
Levemente aborrecido
Com leitura interrompida
Fecha o volume de Eça
No sofá, frisos dourados,
De repente, tudo volta:
Pára a moenda, alambiques,
Uma procissão de sombras
Se mistura a todos nós
No mistério da ausência,
Os pirilampos do vale
São círios da noite escura,
O Guaporé remergulha
Na quietude da morte.
O tempo, velho alquimista,
Joga o verde em nossos olhos,
Dá outra vida ao-que-foi
Na beleza restaurada:
Deus caprichou neste vale
Na manhã da criação
Em verde, luz, soledade.