ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG, membro do IHGRN e da UBE-RN)
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UM BRASIL QUE EU NÃO SABIA EXISTIR
“Foi por medo de avião, que eu segurei pela primeira vez na sua mão. Não fico mais nervoso, você já não grita e a aeromoça, sexy, fica mais bonita. . .”
No último mês de abril escrevi o artigo para o periódico O JORNAL DE HOJE, intitulado “Olhando Estrelas”, que tratava, entre outras coisas, de minhas limitações em viajar para outros lugares mais distantes, justamente pelo medo, ou melhor, pelo pavor que minha esposa sentia em voar de avião. E eu nem de longe cogitava a possibilidade de passar várias horas ou até mesmo dias, dirigindo por essas estradas mal sinalizadas e perigosas, principalmente pelo tipo de motorista que delas fazem uso.
Condutores de grandes carretas que na maioria das vezes dirigem “rebitados” para cumprir extenuantes horários determinados pelos irresponsáveis proprietários de transportadores; motoristas que conseguiram suas habilitações no período precedem as eleições, que apadrinhados por maus políticos, se eximem de fazer os testes necessários para consegui-las; jovens e adultos que não se preocupam em dirigir seus veículos, depois de embriagar-se nas baladas etc, etc.
Pois bem, depois que ela leu o bendito artigo, já que só tomou conhecimento do mesmo depois que leu no jornal, começou a mudar um pouco esse quadro. Com estava menos resistente, aproveitei para lhe fazer promessas, até mesmo as que de antemão, sabia não poder cumprir-las. Tudo isso para encorajá-la a aventurar-se pelos céus do Brasil. Os filhos e amigos aproveitaram o ensejo para também motivá-la. Depois de algum tempo, já admitia a possibilidade de fazer a tal viagem de avião, mas sempre com ressalva: por enquanto, não quero pensar nisso.
No último dia 12 o medo foi vencido. Viajamos para a cidade de Gramado, na Serra Gaucha, para vivenciar o famoso Natal Luz. A viagem toda transcorreu sem maiores problemas. Sofri apenas alguns e fortes apertos na minha mão tanto nas decolagens quanto nas aterrissagens da aeronave. O mais, apenas as travessuras do meu neto que viajou com os pais e os avôs paterno para o mesmo destino.
O Natal Luz é composto de vários espetáculos, todos ligados a temática natalina e que traduz o espírito gaúcho nessa época do ano. Começa a ser encenado anualmente no mês de novembro e vai até o mês de janeiro do ano seguinte.
Dentre os espetáculos apresentados, um me chamou mais a atenção: o Nativitaten. É o mais consagrado entre os que são apresentados no Natal Luz. Compõe-se de um show de vários cantores líricos, que interage com um magnífico coral formado por jovens da região. Antes do início da apresentação, esses jovens desfilam segurando velas acesas e circulam todo o perímetro em volta do lago.
Esse desfile constitui uma visão deslumbrante, pois até então, toda a área esta completamente às escuras. Ao adentrar no local do espetáculo, os espectadores recebem um protetor de papel em forma de pira e uma vela, que em determinado momento, será acesa por solicitação dos organizadores. Quando isso acontece, todo aquele ambiente se reveste de uma beleza sem igual. Milhares de pontinhos luminosos dançam ao movimento dos braços dos espectadores que acompanham o ritmo das músicas natalinas, cantadas pelo coral.
Outro ponto alto é o belíssimo show pirotécnico que, em sintonia com a “dança das águas”, ganha vida com um impressionante jogo de luzes, deixando em êxtase toda a platéia que ao final do espetáculo aplaude calorosamente. Tudo isso acontece em um espaço chamado “Lago Joaquina Bier”, que fica em frente ao Hotel Laghetto, onde estávamos hospedados.
Confesso que ao ver aquele espetáculo de vozes harmoniosas, pirotecnia, águas, luzes e cores, me senti envergonhado ao lembrar a nossa desprezada e abandonada “Cidade da Criança” ou como eu aprendi chamá-la quando criança, Lagoa Manoel Felipe, o nosso espaço é exatamente igual aquele lago, no tamanho e na localização. Ambos localizam-se no centro de bairros residenciais de classe média alta. Mas as coincidências param por aí. Em Gramado o Lago Joaquina Bier, é bem cuidado e bem tratado pelo Poder Público, rende durante todo o ano, divisas para o município e embeleza ainda mais, se é que isso é possível, aquele pedaço de chão.
A nossa Cidade da Criança: coitada, maltratada, explorada de todas as formas que possam imaginar, morre aos pouco. Suas águas que poderiam conservar-se límpidas, já que nascem ali mesmo naquele chão, ao contrário, são escuras, fétidas, contaminadas com as águas que correm pela sarjeta, além de esgoto de dejetos humanos de áreas próximas.
Um fio de esperança aconteceu quando em 2009 o contrato de número 161/2009 publicado no Diário Oficial do Estado em 9/12/2010, para sua recuperação, foram alocados a importância de R$ 8.5000.000,00 (oito milhões e quinhentos mil reais), sendo 7.200.000,00 para realização da obra e R$ 1.300.000,00 para aquisição de materiais e equipamentos. (Tribuna do Norte 9/12/2009). Iniciaram-se as obras, mas logo foram paralisadas deixando a pobre Lagoa Manoel Felipe, mais uma vez a espera de um milagre. Não sabemos quanto desses recursos foram aplicados.
COMO PODEM VER PELA FOTO, O LAGO JOAQUINA BIER É EXATAMENTE IGUAR A NOSSA "CIDADE DA CRIANÇA" OU "LAGOA MANOEL FELIPE", SEU NOME ORIGINAL. LÁ NAS TERRAS DO SUL, OS NOMES DOS HOMENAGEADOS SÃO CONSERVADOS E VALORIZADOS. AQUI, NAS TERRAS TUPINUQUINS SE MUDAM OS NOMES ORIGINAIS SEM NENHUM RESPEITO AS TRADIÇÕES, MAS INFELIZMENTE NÃO MUDAM A SÓRDIDA MANEIRA DE TRATAR A COISA PÚBLICA.
Será que algum dia as crianças e a nossa cidade são beneficiados dos R$ 8.500.000,00(oito milhões e quinhentos mil reais) que foram alocados para sua recuperação? Confesso, tenho cá minhas dúvidas.
Conheci um Brasil diferente. Gramado é um município com pouco mais de 30.000 habitantes, sendo 90% de sua fonte de renda proveniente do turismo, onde recebe anualmente cerca de 2,5 milhões de turistas.
Algumas coisas me chamaram a atenção. Nos oito dias que estive na cidade, não consegui escutar nenhuma buzina de automóvel. Cheguei a pensar que os carros que por lá circulavam não dispunham desse acessório tão utilizado nas ruas de nossas capitais. Observei incrédulo, que os pedestres quando se aproximavam das faixas destinadas a eles, os carros diminuíam a velocidade e ao menor sinal de que pretendem atravessar a rua, os veículos imediatamente paravam. Tive vontade de rir imaginando a cena de alguém fazendo isso aqui em nossa Natal. Logo que pusesse o pé na faixa sem o devido cuidado de olhar para todos os lados por mais de uma vez, com sorte, no mínimo ficaria sem a perna.
Não se ouvia ninguém falando alto nem andando pelas ruas cobrindo a orelha com um celular. Chamou-me a atenção um vendedor de “mega sena” que falava um pouco mais alto na tentativa de atrair algum cliente. Aproximei-me dele e perguntei: de onde o senhor é? E ele reconhecendo meu sotaque nordestino, falou meio agauchado, - de Pernambuco tchê, vai levar uma? Agradeci e continuei minha caminhada.
Na cidade não existe “sinal” de transito. O único que tinha a Prefeitura achou por bem substituí-lo por uma rótula, há mais de cinco anos. Mesmo que tivesse, certamente não iríamos nos deparar com aqueles garotos que infestam nossos “sinais” munidos de uma garrafa peti cheia de água, que na tentativa de limpar o para brisa dos carros em troca de uma moeda, muitas vezes terminam por sujá-los ainda mais. Não existe a figura do “flanelinha”. Não vi mendigos nem pessoas maltrapilhas circulando pela cidade. Enfim, nada que denotasse pobreza.
Procurei conversas com pessoas da região para saber o segredo daquilo que para mim, era totalmente inusitado. E novamente senti-me envergonhado quando o interlocutor me respondeu com a maior simplicidade: o segredo é elegermos um administrador sério, comprometido com a cidade e a população. Relatou-me que dentre outras ações promovidas pelos dirigentes municipais, está a educação da população, principalmente por ser uma cidade eminentemente turística que lida anualmente, como já disse, com 2,5 milhões de visitantes vindos de todas as partes do Brasil e do mundo. Em contrapartida a população responde com a valorização dos bons administradores. O atual prefeito Nestor Tissot, era o vice do anterior, Pedro Henrique Bertolucci, que entre idas e vindas, já governou o município por 18 anos.
No primeiro dia que chegamos, a cidade foi tomada por um denso nevoeiro que mal dava pra enxergar o outro lado da rua. Foi aí que comecei a ouvir um gorjeio que me pareceu familiar. Procurei entre as árvores e nada pude ver, pois o nevoeiro a cada instante ficava mais denso. No outro dia, com a sua dissipação já era possível enxergá-la. Chegou-me novamente aos ouvidos aquele mesmo canto. E lá fui eu mais uma vez tentar identificar o seresteiro que tantas boas lembranças me traziam. Depois de um bom tempo de procura, pude avistar em cima de um dos casarões em estilo europeu, o que o meu subconsciente já havia identificado. O amarelo ouro do nosso canário da terra. O mesmo que em meus tempos de criança e adolescente voavam em bandos na fazenda de meu pai e por todas as cidades do nosso interior. Hoje infelizmente em nossa região, já faz parte da grande lista dos pássaros ameaçados de extinção. Senti naquele instante que nem tudo estava perdido, pois na longínqua Gramado, o nosso canário da terra esta totalmente a salvo das mazelas que praticamente o extinguiram em nossa região.
Mas como todos sabem o melhor de uma viajem é o retorno para casa. Parafraseando o escritor José Américo, “voltar é uma forma de renascer. Ninguém se perde na volta. Mas, ao chegar em casa, logo precisei viajar para a praia da Pipa, distante 80 quilômetros de Natal, percurso que com a conclusão da BR 101 no trecho Natal/Goianinha, fazemos em pouco mais de uma hora de viajem. Fui surpreendido com uma observação vindo de minha esposa nunca dantes escutada: - essa viagem pra Pipa é muito cansativa! E logo me veio a interrogação: será que agora, por não ter mais medo de voar, ela esta cogitando fazê-la de avião?
Natal, novembro/2010.