ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG, membro da UBE-RN e do IHGRN)
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PUBLICADA EM “O JORNALDEHOJE” EDIÇÃO DE 28 DE MAIO DE 2010.
Pipa e seus personagens
O LINDO OLHAR
Nos idos dos anos 90, o nosso querido vizinho estado da Paraíba, mais uma vez, nos envia outro de seus filhos. Desta vez foi o cidadão do mundo, João Batista Gomes, conhecido internacionalmente por “Lindo Olhar”. Chegou à Pipa como ajudante de cozinha, fazendo parte de uma equipe de profissionais encarregados de abrir um restaurante especializado em frutos do mar. A Pipa começava a ficar famosa também por sua diversidade culinária. O dono do restaurante, com matriz em João Pessoa, enxergou naquela praia a possibilidades de realizar bons negócios. O fluxo turístico era intenso e nos fins de semana, várias pessoas se deslocavam, tanto de Natal como de cidades vizinhas, somente para provar sua famosa gastronomia e aproveitavam para curtir as agitadas noites daquele balneário, com suas ruas estreitas apinhadas de gente de todas as idades e nacionalidades.
João Batista, quando morava em sua terra natal, costumava fazer “bicos” nas areias das praias de Tambaú, Cabo Branco e Bessa. Nessa época atendia pelo cognome de “Pantera”, em alusão ao personagem do desenho animado “A Pantera Cor de Rosa”, devido a sua aparência física e caricata. Tempos depois, muito magro e com boa estatura, especializou-se em dançar para atrair turistas aos locais que trabalhava ao longo das praias. Com essa nova performance, logo lhe apelidaram de “Mastruz com Leite”, nome do um grupo musical cearense especializado em forró eletrônico.
Certo dia na praia de Tambaú, atuando como propagandista de um dos restaurantes na orla marítima, ofereceu e um casal de turistas os serviços culinários. Conversa vai conversa vem, ele tira os óculos escuros, que usava na ocasião, disse ele, pra melhor encarar a vítima. Foi aí que o turista notou certo estrabismo naquele dedicado funcionário e disse de chofre: “Ei cara! Você está com um olho para mim e o outro pra minha esposa. Você tem mesmo um “lindo olhar”!” Entre negativas e desculpas, ainda conseguiu levar o incauto cliente para degustar as maravilhas daquela cozinha, que afirmava ter cardápio internacional.
Quando resolveu mudar de cidade, deixou pra trás o emprego no restaurante, sua cidade natal, os amigos e colegas de profissão, mas não o apelido, do qual muito se orgulha.
Na Pipa, trabalhou por um tempo nesse restaurante, mas teve problemas com a cozinheira que, mesmo não sendo correspondida, nutria por ele uma paixão avassaladora. Frustrada por não ter conseguido namorar aquele “belo espécime da raça humana”, vingou-se de maneira sórdida virando o jogo a seu favor. Comunicou ao patrão que estava sendo assediada pelo colega. Diante disso, este não teve alternativa a não ser despedir o inocente Lindo Olhar.
Desempregado e enfrentando dificuldade para conseguir novo emprego, em momento algum se deixou abater e foi à luta. Seu olho aguçado de sobrevivente urbano, logo enxerga uma possibilidade de conseguir ganhar alguns trocados. A ladeira que desce para a praia sempre foi ponto de estacionamento de carros. Nessa época, ainda não havia aparecido por aquelas bandas os famigerados “flanelinha” e ele aproveitou essa brecha para faturar algum.
Adquiriu flanela e balde e passou a lavar os carros sem que os proprietários solicitassem. Como não cobrava pelo serviço, as pessoas quando retornavam da praia e encontravam seus carros lavados, sentiam-se na obrigação de recompensá-lo. Muito comunicativo fazia e faz amizade com extrema facilidade. Viveu assim por um curto período até que conseguiu outro emprego melhor remunerado e com direito a alimentação.
Certa noite, na boate “Calangos”, dançava e se exibia para a platéia quando uma “gringa” dele se aproximou. Encantada com as acrobacias daquele bailarino tupiniquim aproxima-se dele e, sem muito jeito, tentava acompanhá-lo naquela dança frenética. Depois de algum tempo de aprendizado, o convidou para ir até seu hotel. Com algumas caipirinhas na cabeça, a gringa via o dançarino, mas não via seu rosto, segundo ele, sua sorte foi que estava protegida pela luz negra da boate. O apaixonado casal chegou ao hotel entre beijos “calientes” e abraços apertados e logo foi barrado pelo porteiro.
A parceira protesta com veemência e disse que, como hospede daquele hotel tinha direito a adentrar com seu convidado. Com a presença do gerente, a questão foi devidamente resolvida e o apaixonado casal prosseguiu sua caminhada até o apartamento, passando a noite juntos. A companheira adormeceu, mas ele não conseguiu pregar olhos. Quando o dia amanheceu, Lindo Olhar se levantou da cama com todo cuidado pra não acordar sua deusa, a qal descreve-a como m “monumento”: corpo escultural, olhos azuis, talvez 20 anos de idade. Ele sentou-se na cadeira, retirou as dentaduras, superior e inferior, colocou-as em cima do criado mudo e ficou a admirá-la. Beliscou-se por várias vezes para ter certeza que não era sonho.
No meio dessa adoração, a parceira acordou. A princípio ela não acreditou no que esta vendo. Depois de esfregar os olhos por várias vezes até se conscientizar que aquilo não é um pesadelo, gritou desesperada: “Help! help! help! Policiiiia! Policiiia! Policiiiia!” O casal que estava no quarto ao lado, temendo tratar-se de um assalto, pulou da cama, e a encosto na porta, tentando dificultar a entrada do pseudo-ladrão e aflitos, aguardaram pelo pior.
O gerente chegou ao quarto e tentou acalmá-la, mas aos berros exigia a prisão do aterrorizado Lindo Olhar, que naquele momento acordava do seu devaneio, e deparava-se com a dura realizada. A moça, de pé em cima da cama, com olhos esbugalhados, apontava para o atônito parceiro, pensando tratar-se de um assaltante. Depois das devidas explicações do gerente, que ele estava ali com a sua devida e amorosa permissão, ela recusou-se terminantemente a acreditar. A única alternativa foi levá-la até a recepção e mostrar as gravações do apaixonado casal quando, naquela madrugada, adentrou no hotel aos beijos e abraços. Ao ver aquelas imagens a pobre moça põe as mãos na cabeça e exclama com um ar de desânimo e decepção: “Oh my God! Naw! Naw! Naw!”
No mesmo dia, pego suas malas e desaparece do hotel, levando a triste recordação das noites da Pipa, na agitada Boate Calangos, um anônimo dançarino e os efeitos das maravilhosas caipirinhas.
O bem humorado Lindo Olhar passou por um período, com sua vida meio desregrado. Consumia muito álcool e se acompanhara com pessoas de condutas duvidosas. Um dia desapareceu da Pipa sem que ninguém soubesse informar seu paradeiro. Alguns achavam que ele havia retornado para João Pessoa, outros diziam que havia mudado de praia, talvez ido para Canoa Quebrada, no Ceará.
Certo dia, um médico plantonista do Hospital Gizelda Trigueiro, freqüentador da Pipa, o reconheceu em uma de suas visitas de rotina aos enfermos. Indagado porque estava naquele hospital ele relatou que havia sido internado a princípio no Hospital Colônia, depois de sofrer uma violenta crise que precisou inclusive, de camisa de força para ser contido. A tal crise aconteceu logo depois de ter ingerido um copo de refrigerante, dado por antigos amigos, depois de ter se recusado a acompanhá-los no consumo de outras bebidas alcoólicas. Passou alguns dias no Hospital Colônia,e como não apresentava nenhum sinal de demência, foi transferido para o Hospital Giselda Trigueiro, dado ao seu precário estado de saúde e visível debilitação. O tal médico por ser seu conhecido, encarregou-se de tratá-lo pessoalmente até que se recuperasse totalmente de sua enfermidade.
Q
uando retornou a Pipa, resolveu que mudaria de vida e entregando-se a Jesus. Passou a freqüentar a Assembléia de Deus, tornou-se ardoroso seguidor de seus preceitos, tendo mudado radicalmente seus hábitos, e principalmente suas amizades.
Na busca de outra atividade para complementar sua renda, fez curso “por correspondência” e especializou-se em massagem de pés e mãos. Durante o dia trabalha nas areias da praia e tem clientela fiel com agenda e tudo. Para atrair novos clientes, recita quando transita por entre as barracas repletas de turistas, recita o se próprio slogan: “Massagem nos pés e nas mãos, acima dos tornozelos, somente o maridão...”
À noite, trabalha como panfletista na rua de cima, onde se concentra o agitado comércio local. Nessa função que exerce com notório profissionalismo, circula pela Rua Bahia dos Golfinhos, distribuindo, panfletos, sorrisos, boas conversas e sobretudo, um lindo olhar.
Pipa, fevereiro/2010